Democratização da mídia fomenta luta de governos progressistas na América Latina

A história recente da América Latina reflete a luta dos governos progressistas pela democratização da mídia, a exemplo das leis aprovadas na Argentina, Brasil, Equador e Uruguai. Ao mesmo tempo, países liderados por presidentes de esquerda precisaram se defender da espionagem e das tentativas de desestabilização através de programas subversivos. Esses temas foram debatidos no 4º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais (#4BlogProg), realizado nesta sexta-feira (16), em São Paulo.
O blogueiro cubano, Iroel Sanchéz – que, por uma infelicidade do destino, tem o mesmo sobrenome da blogueira contrarrevolucionária Yoani, mas que é um ferrenho opositor à postura da mesma – iniciou o debate na mesa “Mídia na América Latina”. Ele lembrou que há apenas duas semanas, quatro pessoas foram presas em Cubaenquanto preparavam atos terroristas contra o governo de Raúl Castro. Sobre isso, disse que os meios de comunicação tendem a ignorar o que acontece no país, principalmente quando os Estados Unidos são os financiadores de tais condutas subversivas.
Segundo ele, “o que vimos acontecer na Ucrânia, o que é buscado insistentemente na Venezuela, foi e continua sendo tentado em Cuba pelo governo dos EUA, com o desperdício de bilhões de dólares, há mais de 50 anos”. Sanchéz se referia ao treinamento e financiamento de terroristas, às transmissões ilegais de rádio e televisão e, principalmente, à utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na estratégia norte-americana para uma “mudança de regime” tanto em Cuba como nos países que desafiam seu império hegemônico.
O blogueiro citou o último exemplo disso: o caso do ZunZuneo, “financiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês), que criou uma rede de usuários em Cuba, através da telefonia móvel com o objetivo de provocar uma situação similar às ‘primaveras árabes’”.
“O escândalo foi grande”, contudo, de acordo com Sánchez, “poucos meios latino-americanos aprofundaram o tema”. Por outro lado, “nos grandes meios de comunicação do continente abundam textos atacando Cuba”, afirmou.
Entre 2012 e 2014, os Estados Unidos destinou mais de meio milhão de dólares a jornalistas da América Latina e Espanha, segundo dados revelados pelo jornalista estadunidense Tracey Eaton. “Em Cuba, a grande imprensa dos EUA se dedica a pagar colunistas ou blogueiros que sejam coerentes com a campanha que interessa a Washington”, disse Sanchéz.
“Um olhar mais profundo ao nosso continente mostra uma contraofensiva aos processos de mudanças. A grande mídia não planeja apenas ações para impor seus candidatos, mas para derrocar àqueles que conseguiram sustentar e impulsionar benefícios para as maiorias”, afirmou o cubano, que reforçou, neste sentido, a necessidade de criar alternativas.
Sobre a regulamentação da mídia, Sanchéz ressaltou que “pela primeira vez, se legisla para mudar o controle oligárquico da imprensa no continente e, especialmente, da televisão”. O blogueiro assinalou ainda que “o problema não são os meios, nem a internet, mas a desigualdade econômica e social que estes podem contribuir para aumentar ou reduzir”.
Para ele, “somente a ação coletiva organizada, daqueles que até o momento foram excluídos, fará com que se avance no sentido da justiça e da liberdade e isso é um exemplo do empenho dos blogueiros brasileiros reunidos no#4BlogProg”.
O papel da integração latino-americana na democratização
O equatoriano Osvaldo Leon, integrante da Agência Latino-Americana de Informação (Alai), também compôs a mesa de debate e retomou o que disse Sánchez e enfatizou a necessidade “de criar iniciativas comuns que permitam organizar a comunicação a partir do povo, que é quem deve definir o qual será o caráter do futuro da humanidade”.
Leon afirmou que há uma “militarização do ciberespaço” e disse que “estamos em uma situação na qual o império [dos EUA] há reativado suas táticas de guerra em diversos planos”, referindo-se à vigilância e à espionagem.
“Essa táctica de guerra define que o Estado que quer ser soberano já é indesejável e, portanto, objeto sistemático de desestabilização”, disse ele, que sugeriu também que o tema seja levado à União de Nações Sul-Americanas (Unasul) “para que se possa avançar em uma definição conjunta de políticas que tenham a ver com a segurança no ciberespaço”.
Ele também acredita que a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos deve apresentar uma posição unificada da questão, pois se trata de um tema que está na agenda global, sobretudo em relação à governança na internet (desenvolvimento e a execução pelos governos, sociedade civil e iniciativa privada, em seus respectivos papéis, de princípios, normas, regras, procedimentos decisórios e programas compartilhados que delineiam a evolução e o uso da internet).
Leon citou ainda seis pontos que ele considera fundamentais para o debate: “o militarismo na internet; a dependência tecnológica da América Latina em relação aos EUA; a centralização e concentração da mídia nas mãos de empresas; monopólios da comunicação; políticas públicas e legislação; governança na internet”.
O membro da Alai destacou a independência que, nos últimos anos, os governos latino-americanos adquiriram em relação a Washington. Neste sentido, ressaltou a fala do ex-presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva que citou a integração latino-americana como a chave para a sobrevivência dos governos progressistas da região.
O monopólio da mídia
Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, que substituiu o sociólogo Emir Sader no debate desta sexta-feira (16), afirmou que os impérios da mídia são muito parecidos em todos os países da América Latina.
Ele referiu-se, principalmente, ao modelo de negócios e ao monopólio da mídia. O blogueiro citou uma matéria recém-publicada pela revista Forbes, que lista os três irmãos herdeiros de Roberto Marinho no topo das famílias mais ricas do Brasil. Da mesma forma, ele falou sobre o fato de alguns dos maiores veículos de comunicação latino-americanos estarem nas mãos de famílias e empresários.
Guimarães afirmou ainda que “a mídia no Brasil atua com um partidarismo descarado”, mas lembrou que nos outros países do continente os veículos de comunicação fazem perigosas campanhas contra os governos democraticamente eleitos, como foi o caso da tentativa de golpe contra Hugo Chávez, em 2002.
Théa Rodrigues, da Redação do Portal Vermelho.