Com reforma da Previdência, Temer quer derrubar um dos pilares da proteção social brasileira

O governo não eleito de Michel Temer afirmou que enviará a proposta de reforma da Previdência ao Congresso até o final de setembro, ou seja, antes das eleições municipais. A reforma traz vários prejuízos à classe trabalhadora, como idade mínima de 65 anos para homens e mulheres para aposentadoria, e se apoia no argumento de que há um déficit previdenciário crônico, que gera um dos principais problemas das contas públicas. A tese é desmontada em cartilha da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social, elaborada pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).
“O resultado do encontro do total de receitas e despesas é amplamente superavitário, incluídos os gastos administrativos com pessoal, custeio e pagamento da dívida de cada setor. O superávit foi 56,7 bilhões de reais em 2010, 78,1 bilhões em 2012, 56,4 bilhões em 2014, e 20,1 bilhões em 2015, apesar das enormes desonerações tributárias realizadas nos últimos cinco anos”, afirma a economista Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Nas contas do governo, entretanto, houve um déficit de 85,8 bilhões de reais, em 2015, precedido por saldos negativos de 56,7 bilhões no ano anterior, 51,2 bilhões em 2013, 42,3 bilhões em 2012, 36,5 bilhões em 2011 e 44,3 bilhões em 2010. A discrepância entre os números decorre de uma manipulação. A Constituição de 1988 determina a elaboração de três orçamentos, o Fiscal, o da Seguridade Social e o de investimentos das estatais. Na execução orçamentária, entretanto, o governo apresenta só dois orçamentos, o de Investimentos e o Fiscal e da Seguridade Social, no qual consolida todas as receitas e despesas e unifica o resultado.
“Com esse artifício, não é possível identificar a transferência de recursos do orçamento da Seguridade Social para financiar gastos do orçamento Fiscal. Para tornar o quadro ainda mais confuso, isola-se, para efeito de análise orçamentária, o resultado previdenciário do resto do orçamento da Seguridade”, analisa Denise Gentil.
Um dos principais usos do dinheiro desviado das receitas é o pagamento de juros da dívida pública. “O problema mais importante das contas públicas não é a Previdência, mas uma conta de juros extremamente elevada”, aponta o economista Amir Khair, ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo.
O intuito de implementar uma reforma da Previdência que corte na carne do trabalhador seria, para o economista Eduardo Fagnani, da Unicamp, resultado dos interesses de classe antagônicos. “As conquistas do movimento social das décadas de 1970 e 1980 contrariaram os interesses dos detentores da riqueza. Em grande medida, isso ocorreu porque mais de 10% do gasto público federal em relação ao PIB foram vinculados constitucionalmente à seguridade social.”
“Diversos estudos demonstram que as transferências monetárias da Previdência Social também produzem impactos positivos na redução do êxodo rural e na ativação da economia local, especialmente no caso das regiões mais pobres do país”, avalia o professor. “Esses dados revelam que a Previdência Social tem papel relevante na agenda de desenvolvimento por seus efeitos na redução da desigualdade e da pobreza extrema. Esses fatos não podem ser desconsiderados pelos realizadores da reforma”, complementa.
De acordo com Fagnani, “existem alternativas de enfrentamento da questão previdenciária que passam pela reforma tributária, redução dos juros, revisão das desonerações fiscais, combate à sonegação e evasão de divisas e cobrança dos grandes devedores”.
Acesse aqui a íntegra da cartilha produzida pela Anfip.