Cesas EJA: uma ponte para a cidadania e a dignidade
Em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, a invisibilidade dos personagens não é retratada apenas pela condição climática da seca, mas por uma força estruturante que dita a fome, a sede, a migração constante e a luta desumana pela sobrevivência. Essa mesma força, um problema social profundamente enraizado, ainda atinge milhões de brasileiros, que veem as esperanças de uma vida melhor serem suplantadas pela necessidade imediata de sobreviver e, consequentemente, pela fuga das salas de aula. Em contraponto ao enredo secular, a história de José Fiuza da Silva, que aos 81 anos conquistou seu diploma de ensino fundamental, prova que essa realidade pode ser transformada.
Aos seis anos, José Fiuza foi obrigado a deixar a escola para ajudar no sustento da família. Órfão de pai, ele e os irmãos trabalhavam na roça para garantir o alimento em casa. O sonho de se formar foi adiado, mas nunca abandonado. Setenta e quatro anos depois, aos 80, ele decidiu resgatar esse objetivo. Matriculou-se na Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Centro de Educação de Jovens e Adultos da Asa Sul (Cesas), superou dificuldades, venceu preconceitos e conquistou o diploma do ensino fundamental. Agora, se prepara com entusiasmo para a próxima etapa: o ensino médio.
Foto: Joelma Bombim
José Fiuza da Silva (à direita) se formou aos 80 anos de idade e já sonha em fazer faculdade de Administração
“Voltar para a sala de aula depois de tantos anos é um grande desafio, mas, apesar das dificuldades, eu nunca desisti. Quando vi que o Cesas oferecia EJA no período da manhã, me matriculei na mesma hora. Concluí o fundamental. Agora, estou fazendo um curso de informática e quero fazer faculdade de administração”, conta José Fiuza.
O exemplo de Maria Almeida Filho também mostra que a EJA repara dívidas históricas ao levar a educação para quem foi privado desse direito. Aos 65 anos, ela decidiu retomar os estudos e se matriculou no Cesas. Após concluir essa etapa, não parou: prestou o Vestibular 60+ e foi aprovada no curso de administração do Instituto Federal de Brasília (IFB).
“Sempre tive o sonho de estudar, mas, para sustentar meus filhos, precisei abandonar a escola e trabalhar como doméstica. Hoje, sinto uma imensa alegria e orgulho por ter conseguido. Afirmo, com toda certeza, que nunca é tarde para voltar a estudar”, reflete Maria Almeida.
Foto: Joelma Bomfim
Diretora do Sinpro Izabela Cintra participou da cerimônia de formatura dos alunos da EJA
EJA
A Educação de Jovens e Adultos é mais que uma modalidade de ensino: se mostra mecanismo de reparação inclusão social e emancipação humana. Sua finalidade primordial vai além da alfabetização e da certificação formal. Existe para corrigir uma dívida social imposta àqueles que, por razões socioeconômicas, foram privados do direito fundamental à educação na idade convencional.
O Cesas coloca esta teoria em prática. O Centro mostra que a EJA é ferramenta de inclusão social e emancipação ao capacitar pessoas para entender e exercer seus direitos; ampliar oportunidades para o acesso ao mercado de trabalho; atuar pelo desenvolvimento da capacidade de interpretação e pensamento crítico para tomada de decisões.
Ana Carolina Leonel, supervisora pedagógica do Cesas, ressalta que a EJA não se propõe a ser uma repetição do ensino regular para crianças e adolescentes. Sua pedagogia é específica, levando em conta a bagagem de vida, as experiências e os saberes que jovens e adultos já possuem.
Apesar da importância, o segmento é, muitas vezes, invisibilizado. “Nós temos estudantes das 27 regiões administrativas do DF, e muitos deles chegam aqui cansados depois de um dia inteiro de trabalho e após pegarem dois, três ônibus. O Cesas garante a permanência deste aluno, mas muitos que têm o sonho de se alfabetizar, de continuar seus estudos, não fazem porque não sabem deste instrumento tão importante que é a EJA. Precisamos de políticas públicas que garantam o acesso de estudantes de todas as idades à escola”, explica.
Hoje, a EJA implantada no Cesas oferece aos(às) estudantes transporte gratuito, refeições, parcerias com as secretarias de Educação e de Saúde do DF, cuidados com a saúde mental e física, trabalho com pessoas em situação de rua, entre outros. Mesmo com tantos benefícios, a procura pela Educação de Jovens e Adultos é pequena. O motivo: falta de publicidade.
“Infelizmente, nós temos visto várias EJAs fechando por falta de alunos. O que acontece não é desinteresse da população, mas o fato de a sociedade não saber que existe esta ferramenta em muitas escolas públicas. Precisamos apresentar a EJA para a comunidade, falar o que é, como funciona, quanto tempo para se formar, e isso só será possível quando governo local e federal, a imprensa e todos nós comprarmos essa ideia”, analisa Cristiane Cerqueiro Cordeiro, coordenadora pedagógica do Cesas.
Com 50 anos de existência, o Cesas se orgulha em ter ajudado na formação de centenas de pessoas por intermédio da EJA, se colocando como uma ponte para a reparação de direitos negados e para a formação cidadã, fatores que auxiliam na quebra do ciclo da pobreza, no fortalecimento da autoestima, na inclusão social e na redução das desigualdades.
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