CEF Polivalente desenvolve projeto interdisciplinar sobre a cultura da paz

“Lembrar a guerra para promovermos a paz”:

CEF Polivalente desenvolve projeto interdisciplinar sobre a cultura da paz partindo do estudo de acontecimentos da Segunda Guerra Mundial

 

Meus olhos são pequenos para ver
a massa de silêncio concentrada
por sobre a onda severa, piso oceânico
esperando a passagem dos soldados.

[…]

Meus olhos são pequenos para ver
a gente do Pará e de Quebec
sem notícias dos seus e perguntando
ao sonho, aos passarinhos, às ciganas.

Carlos Drummond de Andrade

 

Até mesmo Carlos Drummond de Andrade, autor que ostenta uma percepção singularmente filtrada e perspicaz em seus diversos poemas, quando diante da visão do cenário desolador da Segunda Guerra Mundial, em 1944, deseja ter cerrados os olhos para a devastação que corrói as esperanças do seu tempo e rouba a todos a sua paz. No poema acima, o autor assume a pureza e pequenez da visão de uma criança ainda muito pequena cujos olhos, mesmo que possam enxergar, não podem compreender toda sorte de pesadelos que uma guerra é capaz.

É a partir deste poema que nos lembramos da necessidade de cumprir nosso dever de formadores de um novo mundo para que as crianças de hoje sejam preservadas de terem tal cenário diante de si, ocorrendo na realidade de seu próprio tempo de vida. Portanto, é na perspectiva de contribuir para a construção de um mundo de paz que a equipe de professores do CEF Polivalente propõe uma abordagem interdisciplinar da Segunda Guerra Mundial, numa perspectiva humanizadora e edificante.

Não podemos esquecer que, mesmo não vivendo hoje em um cenário de guerra generalizada como no período de 1939-1945, a sociedade interconectada e globalizada apresenta a nossas crianças e jovens imagens de conflitos, morte e destruição como espetáculos sobre os quais não é realizado nenhum tipo de reflexão engendrando um círculo vicioso e destrutivo que ratifica Theodor Adorno em seu imprescindível ensaio Educação após Auschwitz quando este pensador afirma que “nossa sociedade, ao mesmo tempo em que se integra cada vez mais, gera tendências de desagregação”. Destarte, a exposição a tais imagens rouba do indivíduo em formação um dos valores humanos mais elementares: a capacidade de se compadecer, de se sensibilizar com o sofrimento do próximo, daquele que é vítima da barbárie dos nossos dias e, pior ainda, rouba a possibilidade de processar tais acontecimentos e ressignificá-los, o que se torna sintomático de um espaço social em que a vida deixa de ter a sua importância, evidência de uma sociedade que caminha rumo ao caos preceptor das guerras.

Jacques Rancière em O Espectador emancipado atenta para o que concebe como a “pedagogia do embrutecimento” praticada em nossos tempos pela sociedade do espetáculo cujo poder devastador é acelerado pelas tecnologias da informação. A esta pedagogia propõe outra alternativa: a emancipação intelectual, sustentada sobre o argumento da igualdade das inteligências, através do qual defende que todos os indivíduos humanos são capazes de se desenvolverem através da prática da observação, seleção, comparação e interpretação que, levando a uma atitude reflexiva, torna o indivíduo capaz de transpor o caminho que vai “daquilo que ele já sabe àquilo que ele ainda ignora” tornando-se mais consciente da sua humanidade e das necessidades dos seres humanos ao seu redor.

Rancière propõe também que diante da multiplicidade das imagens com que somos bombardeados passemos de uma atitude passiva (inativa) para uma atitude ativa, emancipadora, a ser conquistada por meio do questionamento do olhar e da ação, compreendendo-se as estruturas de dominação e sujeição que estão por trás de cada evento.

O evento aqui em análise é emblemático neste sentido. Afinal, foi com a Segunda Guerra Mundial que pessoas de diversos pontos do mundo puderam ter contato com a propaganda da guerra, por meio de vídeos, jornais e revistas que eram também armas de combates, pois, por meio da disseminação de peças publicitárias, as potências buscavam hegemonia e legitimidade para um discurso que ratificava a atrocidade de suas práticas.

Todos sabemos da importância do ensino da ciência, das línguas e da matemática, contudo, tais conhecimentos por si não são suficientes para a edificação do ser humano se não for possível levá-lo a construir um aprendizado significativo o suficiente para transformar seu modo de pensar, de ver, de sentir e de agir em relação ao próximo.

Afinal, não foram pessoas desprovidas de capital intelectual que idealizaram, edificaram e comandaram operações e táticas do segundo maior conflito mundial. Muitos foram formados nas escolas mais tradicionais do planeta, já que naquela época a Alemanha era um dos líderes de inovação científica. A elite de geneticistas de Hitler – entre os quais o Doutor Mengele que veio ao Brasil depois da guerra e era considerado como “cavalheiro dotado de charme irresistível” – vaticinou, fundamentada no racismo biológico, a condenação dos povos não arianos, na busca de uma solução científica para o aperfeiçoamento de uma raça pura, tornando seres humanos cobaias da tentativa de encontrar explicação racional para a irracionalidade da tortura e do assassinato.

Nesta perspectiva, observa-se que a atuação profícua dos profissionais de ensino é fundamental para a formação de cidadãos equilibrados emocionalmente e intelectualmente, capazes de contribuírem por meio de suas habilidades e competências para a edificação de uma sociedade tolerante, justa e igualitária. É nesta perspectiva que visamos oportunizar aos estudantes dos oitavos e nonos anos do Ensino Fundamental do CEF Polivalente uma oportunidade para refletir e ressignificar o aprendizado relativo aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial.

Considerando que a poesia – capaz de se manifestar em diversos produtos artísticos – é sublime e edificante, após uma série de estudos, debates e pesquisas em torno dos subtemas escolhidos, que serão realizados durante o primeiro e segundo bimestres, a culminância do projeto ocorrerá, durante o terceiro bimestre letivo, por meio de uma série de mostras artísticas envolvendo música, dança, literatura, artes cênicas, artes plásticas e artes visuais.

Nesta oportunidade, os estudantes poderão se inscrever em oficinas temáticas de seu interesse, dentro de um total de 17 oficinas ofertadas, que serão ministradas pelos professores regentes das turmas da unidade escolar. Tais oficinas ocorrerão em encontros de uma hora e meia durante o segundo e terceiro bimestres letivos e objetivam a formação, construção e montagem dos produtos e espetáculos artísticos finais, que serão apresentados no Teatro da Unip, ao lado da escola, no final da Asa Sul.

Espera-se que, através do envolvimento dos estudantes com a montagem de tais apresentações, através do contato dos mesmos com produtos artísticos produzidos, os estudantes possam se tornar mais sensíveis à função da arte para o redirecionamento de seu olhar para o que há de belo, de sublime, de bom e de verdadeiro na fruição estética.

Espera-se ainda que este contato estético seja capaz de ressignificar suas ações tornando-os mais propensos à alteridade, à capacidade de se colocarem no lugar do outro que sofre, que é oprimido, que é privado de uma vida digna e de uma educação transformadora.

Espera-se, sobretudo, que suas ações sejam porta-vozes da esperança de um mundo melhor, da boa nova que será anunciada cada vez que lermos uma bela história, que ouvirmos uma bela canção e que respirarmos fundo, emocionados diante de um belo espetáculo.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ADORNO, Theodor. W. Educação após Auschwitz. In ADORNO, T.W. Palavras e sinais. Tradução notas e glossário de Maria Helena Rushel; supervisão de Álvaro Valls. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p.104-123.

____Prismas. Crítica cultural e sociedade. Tradução de Augustin Wernet. São Paulo: Ática, 1998

ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 23. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução de Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2002.