Carta de Xapuri lança compromisso de 30 anos de luta pela floresta

“Ninguém abandona a defesa dos povos da floresta e ninguém desiste do legado de Chico Mendes”. A frase ecoou repetidas vezes, como um clamor, ao final do “Encontro Chico Mendes 30 anos: Uma Memória a Honrar. Um Legado a Defender”, que aconteceu no último final de semana, no município de Xapuri (AC). De mãos dadas e com lágrimas nos olhos, 30 jovens extrativistas e 30 lideranças comunitárias, de forma simbólica, entraram lado a lado pela tenda principal e se comprometeram a continuar o legado de Chico Mendes e proteger a floresta para os próximos 30 anos.

O compromisso foi registrado na Carta de Xapuri, manifesto construído coletivamente para reafirmar o compromisso com a defesa da Amazônia, das populações que nela vivem e impulsionar o pacto de gerações entre as lideranças do ontem, hoje e do amanhã. O documento, lido na cerimônia de encerramento pela atriz Lucélia Santos, resumiu o sentimento do Encontro e resgatou os principais ideais do Chico. Confira abaixo um dos trechos:
“Só mesmo você, Chico, para fazer acontecer, nesse tempo amazônico de poucos voos e muitas chuvas, esse nosso diálogo tão profundo, que por inspiração sua, nos faz seguir lutando por um modelo de desenvolvimento sustentável que nos livre das mazelas da depredação ambiental e da contaminação das águas, do solo e do ar que respiramos. Só você mesmo para nos fazer seguir lutando por uma sociedade mais justa, mais solidária e mais igualitária; por esse outro mundo que acreditamos ser ainda possível!

Com grande alegria, aqui celebramos o seu legado. A luta de seus companheiros e companheiras transformou as Reservas Extrativistas! Aquela proposta de uso comum e coletivo das áreas de floresta pelas populações extrativistas que você apresentou no I Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado em 1985, em Brasília, cresceu, tornou-se política pública, não só na Amazônia, mas também nos outros biomas brasileiros” – leia a carta na íntegra clicando aqui. 
“A carta marca um novo momento de luta e de esperança para as próximas gerações. Espero que seja o nosso ponto de apoio nessa incansável luta de proteger a floresta”, refletiu Joaquim Belo, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).
Angela Mendes, filha do seringueiro, agradeceu o empenho e a presença de todos ao Encontro. “Foram três dias de pura emoção! O legado do líder seringueiro, que uniu pessoas do mundo todo, se encerrou da maneira mais bonita possível, com a leitura da carta de Xapuri. Estamos aqui por conta dele e pela luta dos nossos companheiros. Chico Mendes vive! ”, afirmou.
A jovem Quilvelene Vieira, de 24 anos, moradora da Resex Médio Juruá (AM), disse que foi uma honra participar desse momento histórico. “É por causa do Chico que nós temos direito a usar os recursos de nossa terra de forma sustentável. É uma garantia à nossa sobrevivência e por isso nós jovens precisamos dar continuidade à essa luta e garantir o futuro das nossas florestas e das nossas comunidades”, afirmou.
Sobre o encontro
Ao todo, foram mais de 500 pessoas, entre lideranças vindas de todos os estados da Amazônia, populações tradicionais do Acre, convidados do Brasil e do exterior, além de representantes de organizações e governo, no Encontro realizado de 15 a 17 de dezembro, em Xapuri (AC).“Vivemos momentos de muita saudade e de muita emoção, Chico! Aqui estiveram seus companheiros seringueiros e suas companheiras de empate; de longe, vieram representantes de comunidades extrativistas de todos os biomas brasileiros”, descreveu a Carta de Xapuri sobre o sentimento ao final do Encontro.
Como parte da programação, foram realizadas atividades artístico-culturais, workshops, palestras, rodas-de-conversa, lançamentos de livros, exposição, entrega de prêmios, e eventos.  Dentre os destaques estão: a participação especial de Lívia Mamede Mendes, de 9 anos, bisneta de Chico Mendes, que fez a leitura de uma carta que escreveu para seu avô (confira o conteúdo da carta ao lado); a entrega do Prêmio Chico Mendes, pelo governo do Acre; a romaria ao túmulo de Chico Mendes; uma tarde dedicada a discutir o protagonismo das mulheres e o testemunho de algumas delas que fizeram os empates; e a inauguração da Exposição “Chico Mendes Herói do Brasil”.
De acordo com Ricardo Melo, coordenador do Programa Amazônia do WWF-Brasil, o evento reforçou que, mesmo após três décadas, o modelo de reserva extrativista (Resex), criado por Chico Mendes, é um sucesso e serve de inspiração para outros locais do mundo. “Essa situação nos mostra como um seringueiro, que morava na floresta, conseguiu mobilizar o planeta para a defesa da floresta. A Carta de Xapuri une gerações e nos faz refletir sobre a necessidade de pensar no futuro desse modelo. As Resex não são apenas para quem vive na floresta, mas também para todos nós que buscamos um futuro que concilie desenvolvimento e conservação”, avalia.
O modelo de Resex é um dos grandes legados que Chico Mendes deixou. Foi categorizada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) como unidade de conservação (UC) de uso sustentável. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no total existem no Brasil 87 unidades de conservação (UCs) de uso sustentável com populações tradicionais extrativistas, dentre elas: 66 reservas extrativistas (Resex), 19 Florestas Nacionais (Flona) e 2 Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS). As Resex compreendem mais de 23 milhões de hectares e são moradia de 70 mil famílias ou cerca de 350 mil pessoas.
De acordo com o diretor de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial em Unidades de Conservação do ICMBio, Claudio Maretti, as Resex são inovadoras pois defendem as populações tradicionais ao mesmo tempo que protegem a natureza. “Essa categoria de UCs reconhece o direito de desenvolvimento das populações tradicionais, oferece segurança jurídica e garante o acesso à terra. Para continuar mantendo as Resex, as comunidades não podem deixar de se engajar e se organizar socialmente. Além disso, as Reservas precisam produzir de forma sustentável para que exista qualidade de vida, e os crimes e ataques às Resex, como desmatamento e roubos de recursos naturais, precisam ser cada vez mais coibidos e mitigados”, avalia.
Fonte: WWF Brasil