Câmara dos Deputados ignora CNE e convoca seminário sobre BNCC

A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados ignora a lei e convoca um seminário para debater a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O evento foi convocado pelo deputado federal e 2º vice-presidente da Comissão de Educação, Damião Feliciano (PDT-PB), e será realizado nesta terça-feira (31/5), às 9h, no Plenário 10, do Anexo II da Câmara dos Deputados.
A diretoria colegiada do Sinpro-DF comparecerá ao local do evento para protestar contra esse tipo de ação deliberada em desfavor da educação pública, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada – uma concepção que a categoria defende – e denuncia que não é competência da Câmara dos Deputados e de sua Comissão de Educação debater, elaborar e determinar as bases nacionais comuns do currículo escolar do país.
“Essa competência está definida no Plano Nacional de Educação (PNE), que foi aprovado pelo Congresso Nacional há 2 anos, o qual determina que quem tem a competência para elaborar uma proposta curricular de base comum é o Ministério da Educação (MEC) e, após isso, deve enviá-la para o Conselho Nacional de Educação. Ou seja, o PNE, aprovado pela própria Câmara dos Deputados, prevê que a competência para discutir e definir a BNCC é do Conselho Nacional de Educação”, avisa Marta Vanelli, secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
Professores (as) e lideranças sindicais do setor de educação receberam a notícia da realização desse seminário com surpresa e desconfiança, principalmente porque o 2º vice-presidente da Comissão de Educação não convidou as entidades que representam os interesses da categoria docente e de defesa da educação pública.A dirigente sindical da CNTE afirma que “não é a Câmara dos Deputados que irá determinar e aprovar qual será a base nacional curricular a ser adotada no nosso país”, esclarece.
Na avaliação dela, a convocação do deputado Damião Feliciano causa estranheza porque, além de não ter convidado as entidades representativas da categoria, põe em questão o que os próprios deputados federais determinaram quando aprovaram o PNE, ao definirem que a competência para discussão e decisão sobre esta matéria é do CNE.
“Por isso não só estamos estranhando, mas estamos também receosos sobre o verdadeiro objetivo de a Câmara dos Deputados realizar um seminário desses. Não sabemos o que está por traz desse tipo de evento: se é de fato o projeto Escola sem Partido ou se é a Lei da Mordaça. Somos uma federação que representa mais de 1,1 milhão de profissionais da Educação de todo o país e é fundamental a nossa participação em debates sobre LDB, PNE, Base Nacional Comum Curricular etc.”, denuncia.
BNCC está sendo construída democraticamente
Berenice D’Arc, diretora do Sinpro, afirma que a BNCC tem sido construída há mais de um ano, ouvindo todos os segmentos da educação da rede pública e privada com o objetivo de construir um documento amplo. “Inicialmente, os debates ocorreram de forma muito rápida e, por isso, não alcançaram a dimensão do que poderia ter alcançado. No primeiro momento, professores (as) e comunidade escolar foram menos ouvidos”, disse.
Ela informa que, no primeiro momento, o governo incumbiu os especialistas a fazerem a discussão e a elaboração de um texto-base. “Essa decisão foi muito criticada, porém, após essa primeira fase, o governo abriu um leque de participação para a comunidade escolar. O documento inicial foi distribuído para todas as unidades da Federação. Cada estado discutiu e apresentou propostas que construíram o atual documento sobre a BNCC”.
O fato é que existe um documento resultante de discussões e elaboração das representações e segmentos da educação, o qual, apesar das críticas relacionadas ao primeiro momento, foi construído democraticamente. “Todavia, quando o deputado Damião Feliciano chama o seminário no momento em que a categoria e a população brasileira nem sequer reconhecem o ministro da Educação e muito menos o governo interino, isso é ruim para a educação”, analisa a diretora.
Ela acredita que a participação da categoria neste seminário, no sentido de pressionar o governo e também de desaprovar a ação da Câmara dos Deputados pela ingerência em temas que não fazem parte de sua competência e denunciar a ação do deputado Damião Feliciano é fundamental para marcar presença e mostrar que, enquanto o MEC deveria ouvir as entidades representativas dos trabalhadores da educação, ela atende a pessoas completamente exteriores, como o ator Alexandre Frota, gerando uma situação totalmente diferenciada.
“A gente sai de um governo no qual, apesar das dificuldades, havia uma discussão coletiva, e passa a um governo que elimina os setores da educação e se faz ouvido a pessoas completamente fora do tema da Educação, como o ator que integra um grupo denominado “Revoltados Online”, que nada tem que ver com o debate. Não que ele não possa. Todo mundo pode. Mas o que não pode é o governo privilegiar esse tipo de ação com pessoas exteriores ao debate e não convocar os setores da educação e desconsiderar a discussão acumulada pelos movimentos sociais”, afirma Berenice.
A diretora avalia que o seminário irá afunilar suas conclusões para uma posição fechada com o projeto Escola sem Partido. “Esse projeto não defende a nossa concepção de educação. Entendemos que a educação não consegue executar essa ideia de “educação sem partido” até porque as pessoas têm convicção, têm formação, são sujeitos de uma sociedade e elas trazem essa natureza como uma marca”.
Berenice lembra também que, “neste momento em que o ministro da Educação ouve Alexandre Frota, Revoltados Online e outras figuras completamente externas ao debate da educação, é importante a categoria se mobilizar porque, infelizmente, o que está por traz disso é um golpe ao que construímos em anos de debates democráticos, em anos de trabalho com temas, como o da diversidade, minorias, liberdade religiosa. Tudo isso está em risco neste debate promovido pelo deputado Damião Feliciano”, finaliza.
Para a diretoria colegiada do Sinpro-DF, professores (as) e orientadores(as) educacionais que quiserem comparecer, principalmente quem estiver em horário de coordenação, a presença irá reforçar a luta da categoria em defesa da escola pública, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada. Importante lembrar que a convocação deste seminário ocorre em momento delicado da conjuntura nacional, durante um governo interino e de várias ameaças à existência da escola pública no país.