Câmara arrisca qualidade da educação e aposta na precarização do trabalho docente

A Câmara dos Deputados aprovou ontem (30) a PEC 169, de 2021, de autoria do deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos/AM). A proposta visa estender o acúmulo de cargos no magistério público para quem exerce quaisquer atividades na administração, que não em áreas de docência, técnica ou científica como estabelece atualmente o texto da alínea “b”, inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal.
O acúmulo de cargos é um fator sensível na educação brasileira, tendo sido criado no período de urbanização e industrialização do país, quando não se tinha professores suficientes e nem recursos vinculados para atender a enorme demanda escolar. Nas décadas de 1930 a 1950 menos da metade dos jovens e adultos era alfabetizada, e um grande esforço foi feito para qualificar a população para os desafios da vida urbana.
O que começou como projeto emergencial, porém, tornou-se regra constitucional e ainda hoje temos cerca de um terço da força de trabalho docente nas redes públicas de nível básico com acúmulo em dois ou mais cargos de magistério. E essa proporção tende a aumentar significativamente com a aprovação da PEC 169, atraindo diferentes profissionais das mais diversas áreas para a educação e possibilitando que os atuais professores busquem outros vínculos fora da educação.
A CNTE tem denunciado os impactos negativos que a PEC 169 representa para a educação e o trabalho docente, sobretudo suas contradições com as orientações contidas no relatório global da UNESCO sobre apagão de professores no Brasil e no mundo. Ou seja: ao invés de investir na formação inicial e continuada, em piso salarial, carreira, jornada e condições de trabalho para que professoras e professores trabalhem preferencialmente em tempo integral e numa única escola, a referida PEC aposta na precarização do trabalho escolar. E a situação só não será pior porque a CNTE denunciou e conseguiu retirar do texto a possiblidade de contratação de novos docentes nas redes de ensino como Microempreendedores Individuais (MEI). Essa aberração contratual retiraria direitos dos/as professores a piso, carreira, férias, 13º salário, contribuição previdenciária patronal, entre outros.
Embora a PEC 169 seja de autoria parlamentar e tenha sido aprovada na Câmara dos Deputados – ainda falta o Senado, onde a CNTE atuará para barrá-la –, causa grande estranheza o fato de o Ministério da Educação, na reta final da tramitação, ter mudado de posição e passado a apoiar a sua aprovação. Isso, por outro lado, expõe outras posições e contradições do Ministério, a exemplo da tímida abordagem sobre as políticas de valorização profissional no programa Mais Professores, de postergação na consecução dos debates envolvendo a reformulação da Lei do Piso do Magistério – emperrado há dois anos no Fórum do MEC –, ou mesmo a complacência com a tramitação do projeto de lei que regulamenta o piso salarial para os funcionários administrativos da educação, o qual não prevê aporte federal específico aos entes públicos, não atrai o Executivo para sua autoria ou, ao menos, exige a profissionalização dos/as trabalhadores para fazer jus a um “piso profissional.”
Assim sendo, a CNTE externa profunda discordância com a aprovação da PEC 169/2021 e indignação com o Ministério da Educação, que se juntou à tese da desvalorização da carreira docente, contradizendo tudo o que foi anunciado no lançamento da Carteira Nacional Docente, mais recentemente.
Ainda hoje, mais de um terço das redes municipais de ensino não pagam o piso nacional a seus professores e outras tantas descumprem a legislação nas mais variadas formas. E não será flexibilizando o acúmulo de cargos para o magistério que a categoria se sentirá mais respeitada e a educação valorizada. Pelo contrário! O foco na complementação de renda aos professores e a outras categorias que desejam acessar o magistério, fazendo da profissão um “bico”, denuncia o descaso do Poder Público com a valorização da profissão docente. Ser professor/a requer diferentes vivências e qualidades que compreendem a formação, o contato permanente com a comunidade escolar, a interação com a gestão democrática e o acompanhamento socioeducativo dos estudantes. E a PEC 169 não trata de nada disso. Ela desprofissionaliza a docência e investe no improviso barato.
Não à PEC 169!
Exigimos respeito e valorização do magistério e de todos/as os/as profissionais da educação!
Fonte: CNTE
