Bolsonaro ataca políticas afirmativas para excluir população do Orçamento do Estado

O candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, volta a atacar nordestinos, negros, mulheres, LGBT e chama de ”coitadismo” todas as políticas afirmativas de inclusão social, durante entrevista à TV Cidade Verde, do Piauí. As declarações preconceituosas foram ditas nessa terça (23). O presidenciável prometeu extinguir as ações afirmativas – instituídas no Brasil para compensar desigualdades estruturais sociais – com a desculpa de que essas ações reafirmam o preconceito e dividem a sociedade.
Esse discurso com lógica inversa da adotada nos países que usam as ações afirmativas para superarem as desigualdades sociais e econômicas tem um objetivo: o de justificar a política de Estado mínimo contida no seu programa de governo. “É o discurso de quem pretende aprofundar a supressão de direitos sociais e fundamentais e de enraizar os pressupostos da Emenda Constitucional 95, de 2016, que congelou por 20 anos os investimentos do Estado brasileiro no setores sociais”, alerta a diretoria colegiada do Sinpro-DF.
Ele afirmou, na entrevista, que a maioria dos negros que entra na universidade está ”bem de vida”, portanto, a política estaria equivocada. “Ao dizer isso e prometer o fim das políticas afirmativas, Bolsonaro demonstra falta de conhecimento sobre o perfil da população negra que ingressou nas escolas e nas universidades brasileiras nos últimos anos por meio das políticas de cotas e perversidade no seu caráter”, declara a diretoria.
1/4 dos países do mundo adota políticas afirmativas para reduzir desigualdades e combater discriminação
A atualização dos dados país por país dos programas de ação afirmativa para estudantes no ensino superior em todo mundo, publicado na revista International Higher Education, edição 77, dá conta de que um quarto dos países do mundo adota políticas afirmativas para reduzir as desigualdades sociais, econômicas, educacionais e de gênero.
Nessa atualização, identificaram três tendências que emergiram dos dados coletados. A primeira é a de que as políticas de ação afirmativa têm se expandido, globalmente, no último quarto de século. A segunda, é a constatação da relevância de gênero nesse tipo de política. A terceira tendência é a de que as instituições de ensino superior e os governos têm experimentado políticas de ação afirmativa neutras em raça ou noções multifacetadas de desvantagem em resposta a ameaças legislativas, desafios legais ou crítica social.
O levantamento indica ainda que o gênero, um conceito perseguido pelo Programa Escola sem Partido do qual Bolsonaro é partidário e defensor, é a categoria demográfica mais proeminente usada nos países para elegibilidade de ação afirmativa, raça, etnia e classe / renda. No estudo da revista, verificou-se que as nações do mundo que usam ações afirmativas para reduzir desigualdades adotam algum tipo de política para admissão de estudantes no ensino superior.
Esses países combinam categorias distintas de políticas afirmativas para compensarem o racismo ou outras formas de xenofobia a fim de complementar as ações de enfrentamento das desvantagens econômicas. Embora em algumas nações, como Índia, Tanzânia e Estados Unidos, hajam políticas de ação afirmativa e programas há mais tempo, a maioria dos países que adota programas para estudantes no ensino superior iniciou essas ações nas décadas de 1990 ou 2000.
A diretoria colegiada do Sinpro-DF informa que as ações afirmativas são medidas de caráter social que visam à democratização do acesso a meios fundamentais – como emprego e educação; moradia e saúde –,  sobretudo pelos segmentos sociais de baixa renda e historicamente excluídos do Orçamento do Estado e de combate à discriminação por motivos étnicos, raciais, sexuais, entre outros.
Vários estudos mostram que um dos principais objetivos das ações afirmativas é, diferentemente do da meritocracia, o de promover condições para que todos(as), na sociedade, possam competir igualmente pela conquista de tais meios. Em 2007, o Brasil tinha apenas alguns programas de ações afirmativas representados essencialmente pelas cotas por meio da reserva de vagas. Atualmente, vários foram eliminados por causa da EC 95/2016 e de outros ataques do governo ilegítimo de Michel Temer aos direitos sociais, mas alguns ainda persistem, como as cotas para ingresso na universidade e no serviço público.
EUA e as ações afirmativas: um pouco de história
As ações afirmativas surgiram nos Estados Unidos da América (EUA), em 1935, no Ato Nacional de Relações de Trabalho, para monitorar e proibir os empregadores de exercer qualquer forma de repressão contra um membro de sindicato ou de seus líderes. O objetivo era o de acabar com a discriminação com o uso de ações afirmativas (affirmative action) para recolocar as suas vítimas naquela posição que teriam alcançado se não houvessem sido discriminadas.
os EUA levaram em conta as desigualdades advindas da escravidão, no período colonial, para adoção de ações afirmativas raciais, no ano de 1960, para buscar a igualdade de direitos civis entre negros e brancos por meio da Executive Order 10.965, assinada pelo ex-presidente da República, John Kennedy.
Contudo, a expressão “ação afirmativa” se consolidou 5 anos depois, com a publicação da Executive Order 11.246, de 1965. Assinada pelo então ex-presidente da República Lyndon Johnson, a EO 11.246 definia que a celebração de contratos com a administração pública só era possível se a empresa a ser contratada atuasse em prol da diversidade e da integração de minorias historicamente discriminadas e excluídas socialmente.
Outra ação afirmativa dos EUA que deu origem à do Brasil foi a reserva de cotas para o ingresso de pessoas negras em universidades como forma de combate à discriminação. Na Índia, na década de 1940, foram desenvolvidas políticas afirmativas para possibilitar que o parlamento passasse a ser constituído por representantes das castas consideradas inferiores.
A natureza jurídica das ações afirmativas
Um estudo do administrador com MBA em gestão pública, Thobias Junior, dá conta de que existem duas correntes no direito que reconhecem, defendem e sugerem aprofundamento das políticas de ações afirmativas para redução das desigualdades sociais no país: a Teoria Jurídica Compensatória e a Justiça Distributiva.
Junior diz que, em relação à natureza das ações afirmativas, a corrente de caráter compensatório segue a doutrina da necessidade de ressarcimentos pelos prejuízos causados no passado a determinados grupos e, a corrente de caráter distributivo, por sua vez, pela distribuição de direitos e vantagens aos social e historicamente excluídos.