Boletim do MST – Especial 50 anos do golpe

Para rememorar os 50 anos do golpe civil-militar, a Página do MST traz uma série de artigos, entrevistas e matérias ao longo dessa semana, que relacionam o papel da Reforma Agrária e das lutas sociais do campo em torno do golpe de 1964. Veja a seguir alguns deles.
Dênis de Moraes: Reforma Agrária foi o que mais preocupou as classes dominantes.
“Goulart apontou reformas de base em várias áreas, mas uma das que mais preocupava as classes dominantes eram as medidas em relação à Reforma Agrária e as grandes linhas para o desdobramento da democratização do campo”. Em entrevista à Página do MST, Dênis de Moraes analisa o papel das lutas sociais no campo durante o governo Goulart, no período da ditadura militar e a diferença na luta pela terra daquele período com as de hoje”.
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Reforma Agrária e o Golpe de 1964: imaginar o passado para projetar o futuro
A paisagem monótona aos lados da maioria das estradas brasileiras, marcada pela monocultura de commodities agrícolas, com quase nada de vegetação nativa, amplos desertos verdes monocromáticos desprovidos de gente, poderia ser diferente se há 50 anos o destino do país não fosse golpeado por uma ditadura civil militar.
Hoje, não seríamos o país recordista em consumo de agrotóxico por cidadão, mais de 5,5 litros por ano. Certamente, também não estaríamos na vergonhosa posição de um dos países mais desiguais em termos de renda e distribuição de terras, nem deveríamos ser a quarta maior população carcerária do planeta.
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José Porfírio de Souza e a resistência camponesa contra a ditadura
José Porfírio de Souza foi um militante camponês que participou de revoltas no interior de Goiás, em Trobas e Formoso na década de 1950. Com o Golpe Civil-Militar de 1964, teve que entrar na clandestinidade.
Após denúncias de fazendeiros, foi capturado e torturado. Ao ser liberado, teve um encontro com sua advogada e, logo em seguida, desapareceu. Até hoje sua família luta para resgatar seus restos mortais.
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A política de ocupação militar na amazônia e o medo da Reforma Agrária
O ambiente político se radicalizou, pois o presidente João Goulart prometia fazer as reformas de base “na lei ou na marra”. Quando o golpe de estado aconteceu em 1964, as principais lideranças políticas do Pará, o então governador Aurélio do Carmo e o prefeito de Belém, Moura Carvalho, não estavam em território amazônico. Estavam no Rio de Janeiro, que a rigor ainda funcionava como centro político, onde ocorria a reunião do Partido Social Democrata (PSD).
Até a década de 60, o Brasil desconhecia a região amazônica. A primeira “grande” política foi a realização do processo de colonização da região por meio de grandes projetos, organizados pelo primeiro presidente da ditadura, o general Castelo Branco.
O Pará, pelo seu potencial energético e mineral, passou a ser foco de atenção. Os planos de desenvolvimento a todo custo para a região amazônica faziam parte da ideologia da ditadura militar, para preservar e legitimar o próprio regime.
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Ato em Brasília pede revisão do número de vítimas da ditadura no campo
O reconhecimento dos 1196 camponeses assassinados entre 1964 e 1989 como vítimas da ditadura e a devida punição dos culpados foram as principais reivindicações que os camponeses brasileiros, liderados pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), levaram às ruas de Brasília, nesta segunda (31), véspera da data que marca os 50 anos do golpe que deu início à ditadura civil-militar.
Em ato simbólico, militantes do movimento cravaram no gramado do Congresso Nacional 1.196 cruzes, representando as vítimas já identificadas por estudos preliminares, e queimaram bonecos batizados com os nomes dos torturadores mais conhecidos do regime, como os coronéis Brilhante Ustra, diretor do Doi-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974, e o major Sebastião Curió, que atuou na repressão à Guerrilha do Araguaia.
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A Reforma Agrária no Discurso de João Goulart, em 13 de março de 1964

“Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da Supra. Assinei-o, meus patrícios, com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior de nossa pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos. Ainda não é a reformulação do nosso panorama rural empobrecido. Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado. Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro.
O que se pretende com o decreto que considera de interesse social, para efeito de desapropriação, as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais, e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subtilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.
Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, que se apoderam das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não deve beneficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim do povo.
Não o podemos fazer, por enquanto, trabalhadores, como é de prática corrente em todos os países do mundo civilizado: pagar a desapropriação de terras abandonadas em títulos da dívida pública e a longo prazo.
Reforma Agrária com pagamento prévio do latifúndio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. Reforma agrária, como consagrado na Constituição, com pagamento prévio e a dinheiro é negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso de decreto da Supra não é a reforma agrária.
Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária autêntica. Sem emendar a Constituição, que tem acima dela o povo, poderemos ter leis agrárias honestas e bem intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.
Graças à colaboração patriótica e técnica das nossas gloriosas Forças Armadas, em convênios realizados com a Supra, graças a essa colaboração, meus patrícios, espero que dentro de menos de 60 dias já comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios ao lado das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reivindicação, aquela que lhes dará um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e sua família irão trabalhar para si próprios, porque até aqui eles trabalharam para o dono da terra, a quem entregam, como aluguel, metade de sua produção. E não se diga, trabalhadores, que há meio de se fazer à reforma sem mexer a fundo na Constituição. Em todos os países civilizados do mundo já foi suprido do texto constitucional aquela parte que obriga a desapropriação por interesse social, a pagamento prévio, a pagamento em dinheiro.
No Japão de pós-guerra, há 20 anos, ainda ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio do comando vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com 24 anos de prazo, juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o general Macarthur de subversivo ou extremista?
Na Itália, ocidental e democrática, foram distribuídos um milhão de hectares, em números redondos, na primeira fase de uma reforma agrária cristã e pacífica iniciada há 15 anos. Cento e cinquenta mil famílias foram beneficiadas.
No México, durante os anos de 1932 a 1945, foram distribuídas 30 milhões de hectares, com pagamento das indenizações em títulos da dívida pública, 20 anos de prazo, juros de 5% ao ano, e desapropriação dos latifúndios com base no valor fiscal.
Na Índia foram promulgadas leis que determinam a abolição da grande propriedade mal aproveitada, transferindo as terras para os camponeses. Essas leis abrangem cerca de 68 milhões de hectares, ou seja, a metade da área cultivada da Índia.
Portanto, não existe argumento capaz de poder afirmar que no Brasil, uma nação jovem, que se projeta para o futuro, não se possa também fazer a reforma da Constituição para a reforma agrária autêntica e verdadeira.
A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui, no Brasil, constitui a legenda mais viva da esperança do nosso povo, sobretudo daqueles que labutam no campo. A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver.
Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não têm dinheiro para comprar.
Assim, a reforma agrária é indispensável, não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas, também, para dar mais trabalho às indústrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano.
Interessa, por isso, também a todos os industriais e aos comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim, à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria, e no bem-estar do seu povo.
Como garantir o direito de propriedade autêntica quando, dos 15 milhões de brasileiros que trabalham a terra, no Brasil, apenas dois milhões e meio são proprietários?
O que estamos pretendendo fazer no Brasil, pelo caminho da reforma agrária, não é diferente, pois, do que se fez em todos os países desenvolvidos do mundo. É uma etapa de progresso que precisamos conquistar e haveremos de conquistar.
Esta manifestação deslumbrante que presenciamos é um testemunho vivo de que a reforma agrária será conquistada para o povo brasileiro. O próprio custo da produção, trabalhadores, o próprio custo dos gêneros alimentícios está diretamente subordinado às relações entre o homem e a terra. Num país em que se paga aluguéis da terra que sobem a mais de 50% da produção obtida daquela terra, não pode haver gêneros baratos, não pode haver tranqüilidade social. No meu estado, por exemplo, o estado do deputado Leonel Brizola, 65% da produção de arroz é obtida em terras alugadas e o arrendamento ascende a mais de 55% do valor da produção. O que ocorre no Rio Grande é que um arrendatário de terras para o plantio de arroz paga, em cada ano, o valor total da terra que ele trabalhou para o proprietário. Esse inquilino rural desumano e medieval é o grande responsável pela produção insuficiente e cara que torna insuportável o custo de vida para as classes populares em nosso país.
A reforma agrária só prejudica uma minoria de insensíveis, que deseja manter o povo escravo e a nação submetida a um miserável padrão de vida.
E é claro, trabalhadores, que só se pode iniciar uma reforma agrária em terras economicamente aproveitáveis. É claro que não poderíamos começar a reforma agrária, para atender os anseios do povo, nos estados do Amazonas ou do Pará. A reforma agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.”
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(Do MST)