Boaventura de Sousa Santos lança "A difícil democracia" no auditório do Sinpro-DF

O evento foi no sábado (29), mas ficará para sempre na história do Distrito Federal como um dos momentos de resistência da categoria dos professores do magistério público aos ataques contra direitos trabalhistas, sociais e humanos em curso. Sociólogo e professor da Universidade de Coimbra, em Portugal, Professor Honorário da Universidade de Brasília (UnB) e Cidadão Honorário de Brasília, Boaventura de Sousa Santos lançou a obra “A difícil democracia – Reinventar as esquerdas” no Auditório Paulo Freire, na sede do Sinpro-DF, nesse sábado. Com o auditório cheio de professores (as), orientadores (as) educacionais, professores(as) da UnB e personalidades políticas da cidade, o pensador português trouxe novidades e desafios. O livro é uma forma de se empoderar do debate para a luta contra a privatização de tudo. Confira a entrevista exclusiva que ele deu para a Secretaria de Imprensa e Divulgação do sindicato.
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 Entrevista

Sinpro-DF – Diante da situação que o Brasil e o Distrito Federal estão vivendo hoje de retirada de direitos trabalhistas e privatização de direitos sociais e humanos, que mensagem o senhor transmite à categoria docente da rede pública de ensino e à população DF?
Boaventura de Sousa Santos – Claro, é uma mensagem de solidariedade, antes de tudo. E dizer também que o que está a se passar no Brasil não é um caso único. Infelizmente, em várias partes do mundo encontramos, hoje, o mesmo tipo de ataque. E esse ataque a sindicatos dos professores é, particularmente, forte, sobretudo nos Estados Unidos e em outros países, precisamente porque eles são a garantia de uma escola pública, que foi uma das grandes conquistas aqui, da Constituição, e também nos outros países. E o modelo de desenvolvimento que neste momento domina está à procura, insistentemente, de áreas de rentabilidade do capital.
A educação, juntamente com a saúde, é uma dessas áreas, portanto, por um lado, o objetivo é privatizar a educação e, para isso, é preciso desarmar as estruturas consideradas obstáculos. E, naturalmente, professores e professoras e seus sindicatos são obstáculos, uma vez que eles e elas são acérrimos defensores da escola pública em muitos países. Por outro lado, tem uma situação inaugural acontecendo que traz alguma instabilidade porque muitos são funcionários do Estad, em que é muito mais difícil demiti-los e, portanto, as estruturas sindicais são o alvo preferido de todos os ataques neoliberais.
Assim, minha mensagem é que a categoria dos professores está numa luta de todo o mundo, neste momento, e esta luta tem tido êxito, muitas vezes. Sabemos quais são as suas causas, mas as suas consequências, suas causas, divergem de país para país, depende do nível de sindicalização, da estratégia do próprio sindicato. No Brasil, o Sindicato dos Professores e os professores (as) têm boas condições para resistir até porque podem contar, por vezes, com o apoio dos estudantes, que, neste momento, os do Ensino Médio, estão a ocupar as escolas e o fazem exatamente devido a uma medida provisória que não tendo nada de consulta democrática visa de fato a começar a destruir o sistema de educação pública.
Tanto é que uma aliança interessante que é preciso promover, e articular, e organizar é essa entre professores e estudantes.
Sinpro-DF – Professor, temos visto uma vasta produção de análises de conjuntura. Dentre elas, há as que focam na avaliação e comportamento do capitalismo. Se por um lado, algumas dessas análises dizem que o capitalismo nunca esteve tão bem como agora; outras, por sua vez, afirmam que apesar da retomada do neoliberalismo em vários países, o capitalismo vive uma crise estrutural.  Com base no livro que o senhor lança hoje, a democracia está vivendo uma crise ou o que acontece é uma crise estrutural do capitalismo?
Boaventura de Sousa Santos – É claro que é uma crise da relação entre democracia e capitalismo. O capitalismo não está em crise. Nós, do pensamento crítico, anunciamos a morte do capitalismo prematuramente durante muitas vezes e o capitalismo continua de boa saúde. Portanto, não prevejo nenhuma crise final para já do capitalismo. O que está neste momento não é em crise, é em transformação, é a relação que havia entre a democracia e o capitalismo.
A democracia sempre teve uma relação muito tensa com o capitalismo porque o capitalismo quer acumulação, o capital e a rentabilidade sem limites. E a democracia quer ou exige alguma distribuição social por via dos direitos universais, no caso, é a social-democracia; ou medidas compensatórias, como no caso do Brasil, com o Bolsa Família e outras. Essa tensão existiu sempre. Como essa compatibilidade se realizou durante muitos anos? Por meio do Estado que ia buscar dinheiro a quem podia pagar, os ricos, para distribuir a quem não podia pagar, os pobres, e precisava de serviços públicos.
Isso foi feito por intermédio da tributação, dos impostos. Desde 1980, este modelo de desenvolvimento capitalista, chamado de neoliberalismo, tem vindo a fazer uma guerra total contra os impostos, isto é, no sentido de que o Estado não deve tributar e, sobretudo, não deve tributar aos ricos. Como vê, temos um candidato às eleições nos Estados Unidos, Donald Trump, que se vangloria de nunca ter pago impostos federais, um grande empresário.
Portanto, mostra que os ricos deixaram de pagar impostos e, portanto, o Estado teve de se endividar. Obviamente, durante algum tempo teve, aqui no Brasil, um rendimento que lhe vinha dos preços das commodities, como chamamos os grãos e os minérios, e esses preços baixaram. Com isso, o Estado ficou numa situação perigosa porque a única solução para aguentar as políticas sociais, na saúde e na educação, é a tributação, a cobrança de impostos.
Como isso não é possível politicamente, o Estado se endividou e, no momento em que se endivida, perde muito de sua autonomia e, por conseguinte, o capital começa a ficar nervoso, e foi o que aconteceu recentemente no Brasil, de que o Estado pode, porém, causar a rentabilidade do capital, precisamente por meio do dinheiro que dedica à educação e à saúde. Daí a PEC 241, que é exatamente uma caricatura, no meu entender, grotesca, porque não vi nunca em nenhum país se fazer uma restrição constitucional para vigorar durante 20 anos, que visa exatamente isso, e, portanto, disso é que surge a crise porque vemos que no sistema político os políticos estão a responder mais às necessidades do mercado e dos investidores do que às dos cidadãos e cidadãs.
No momento em que a democracia olha mais para os mercados e para os investidores e, propriamente, para as necessidades deles do que para as necessidades dos cidadãos, a crise está instalada. É essa a crise deste momento. Não é uma crise da democracia. É uma crise da relação entre a democracia e o capitalismo e a democracia representativa enfrenta uma guerra com o capitalismo.
Sinpro-DF – O título do livro do senhor é “A difícil democracia – Reinventar as esquerdas”. Por que esse título e o que é preciso para se reinventar as esquerdas?
Boaventura de Sousa Santos – Ela é difícil exatamente porque a democracia não é possível sem haver condições para a democracia. As condições para a democracia não são apenas financeiras. É preciso ter vontade e partidos políticos que a promovam e, para isso, é preciso ganhar as eleições. No Brasil, esses partidos contrários ao aprofundamento da democracia não tiveram paciência de esperar mais 4 anos e, portanto, promoveram um golpe parlamentar judicial, que é exatamente o que tem neste lugar e, portanto, neste momento, a difícil democracia, que é encontrar a vontade política e os recursos financeiros necessários para repor o mínimo de distribuição social nas áreas de saúde, educação e previdência numa das sociedades mais desiguais do mundo, na qual 4.165 bilionários detêm 35% da riqueza do Brasil. Isso significa que é um país muito desigual. É difícil a democracia porque ela tem de conquistar alguma distribuição e as condições para fazê-la exigem uma mudança política e, neste momento, iniciamos uma mudança política muito austera.
Confira algumas imagens: