Ataques às escolas: a democracia responde à violência

Uma série de movimentações de autoridades nesta semana, para combater, mitigar e conter os ataques e as ameaças de ataques às escolas. Depois do anúncio da portaria 350 do ministério da Justiça, na terça-feira (18/4) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com diversas autoridades. Na quarta-feira (19/4), foi a vez de a Comissão de previdência, assistência social, infância, adolescência e família da Câmara Federal realizar audiência pública para debater os recentes atos de violência ocorridos nas escolas e creches do brasil.

O Sinpro-DF está, desde o início dessa onda de ataques às escolas, acompanhando, relatando e fazendo a cobertura crítica da questão, que é bem complexa e, por sua própria natureza, demanda soluções igualmente complexas. Não existe solução simplista.

 

Megarreunião de Lula com outras autoridades

Na terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu no Palácio do Planalto representantes de governos de estados e prefeituras, além de membros do Poder Legislativo (Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso Nacional) e Judiciário (Ministra Rosa Weber, presidenta do Supremo Tribunal Federal, e ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral), mais os ministros da Casa Civil, Rui Costa, da Educação, Camilo Santana, da Saúde Nízia Trindade, e da Justiça, Flávio Dino.

Nesse encontro, o presidente Lula buscou juntar esforços coordenados de todos os Poderes da República, e de todas as instâncias de poder (municipal, estadual e federal). Anunciou um programa de fomento de implantação de ações integradas de proteção do ambiente escolar, infraestrutura, equipamentos, formações e apoio na implantação dos núcleos psicossociais.

Nas ações emergenciais anunciadas, Lula informou que o MEC destinará R$ 3 bilhões para segurança nas escolas, programa no qual o dinheiro vai direto para as escolas. Essa medida faz parte do conjunto de ações desenvolvidas pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), coordenado pelo MEC, para o desenvolvimento de medidas preventivas e imediatas de proteção do ambiente escolar.

Boa parte dessas medidas foram destrinchadas no dia seguinte, em audiência pública da Comissão de previdência, assistência social, infância, adolescência e família da Câmara Federal. Quem vai decidir onde o dinheiro vai ser investido é a comunidade escolar, diretamente. Essa verba poderá ser usada para atos que vão desde a contratação de profissionais de psicologia até aquisição de equipamentos e equipes de segurança. Decisões que precisam de gestão democrática nas escolas para serem tomadas.

 

Audiência pública: com a palavra, os pesquisadores

Foto Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

A audiência, convocada pelo deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL/RJ) e pela deputada Ana Paula Lima (PT/SC), trouxe uma série de pesquisadores e estudiosos do assunto, que são também integrantes do governo federal encarregados de tomar as devidas providências para combater a onda de violência contra as escolas.

Daniel Cara,  professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo o coordenador do grupo de estudos que entregou ao governo de transição um relatório, em novembro do ano passado, apontando a tendência de recrudescimento dos ataques contra as escolas, é o ponto de conexão entre todos os especialistas.

Em sua apresentação na audiência pública, o professor atualizou os números de seu relatório. Desde o início dos anos 2000 foram perpetrados 18 ataques contra escolas (eram 16 em dezembro de 2022), com 40 mortos (eram 35 mortos) e 82 feridos (eram 72). Cara enfatizou que a violência não é mais NA escola, e sim CONTRA a escola e tudo o que ela representa, estimulada por grupos extremistas neonazistas e neofascistas que se mobilizam nas redes sociais – até 2018, esses grupos se mobilizavam na deep web, de mais difícil acesso; agora, a mobilização é feita às claras, resultado de 4 anos de incentivo político à violência., ainda de acordo com Cara e vários outros pesquisadores.

Daniel Cara apontou a série de medidas indicadas pelo relatório e que estão sendo levadas a cabo por vários grupos de trabalho no governo. Essas medidas devem ser consistentes, e devem orientar as ações a serem tomadas da creche à faculdade.

 

Cartilhas e cursos de formação

Yann Evanovick e Cybele Oliveira, representantes do MEC na audiência pública, apresentaram a cartilha com Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar, que você pode baixar clicando aqui.

A partir do dia 24 de abril, o MEC oferece cursos de formação para professores e gestores escolares. Esses cursos serão oferecidos ao vivo e também estarão disponíveis on-line, para serem acessados a qualquer momento. O curso vai oferecer trilhas formativas relacionadas a família, bullying, questões étnico-raciais.

O objetivo da cartilha é dar mais eficácia aos programas de prevenção, intervenção e posvenção de atos de violência nas escolas e nas universidades. 

Esse documento apresenta orientações distintas para os entes federados, para as redes e instituições de ensino. Também informa os canais de denúncias criados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Operação Escola Segura, iniciada em 6 de abril; e pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que disponibilizou um número de WhatsApp exclusivo para denúncias, além do Disque 100.

 

Famílias também são parte da comunidade escolar

Foto Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

A presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime-SE), Josevanda Franco, lembrou na audiência pública na Câmara dos Deputados que É preciso que a sociedade compreenda de uma vez por todas que o artigo 227 da Constituição Federal determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. “Precisamos construir pessoas com a capacidade de compreender o outro, as diferenças e as vocações individuais. Crianças e adolescentes precisam ser monitorados, pois são indivíduos em desenvolvimento, e como tal precisam da orientação de adultos.”

A ausência de orientação ou monitoramento familiar foi destaque não só da fala de Josevanda, que relatou que 97% das ameaças de ataques nas redes sociais eram apenas “uma brincadeira”, como também de Romano Costa, membro da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, que basicamente relatou os resultados da portaria 350. Costa informou, ainda, que os pais dos jovens que efetuaram os ataques às escolas não sabiam que seus filhos cultuavam nazistas.

Daniel Cara, em sua fala, avisou que uma das medidas a serem tomadas no combate aos ataques às escolas é justamente a realização de campanhas de conscientização contra a sectarização de jovens, e de conscientização para o assédio de grupos neonazistas e neofascistas aos jovens.

 

Armamentismo é o problema, e não a solução

A jornalista e pesquisadora Letícia Oliveira, uma das 11 coautoras do relatório liderado por Daniel Cara e última a falar na audiência pública, relatou resultados do monitoramento que vem realizando há anos em agrupamentos de extrema direita, e foi taxativa: “os ataques contra as escolas são e sempre foram promovidos pelo extremismo de direita”.

Oliveira apresentou dois relatórios realizados nos últimos meses, e trouxe um dado curioso: foram identificados dois fenômenos diferentes ocorrendo concomitantemente e que convergem entre si. Ao analisar o conteúdo descrito no relatório, nota-se que as ameaças iniciadas no dia 9 de abril são coordenadas e têm claro intuito de causar pânico, pois não condizem com o padrão das ameaças típicas dos grupos neonazistas. Esse comportamento foi percebido pelos próprios membros dessas comunidades.

A professora Catarina Almeida, da Faculdade de Educação da UnB, que também é coautora do relatório liderado por Daniel Cara, lembrou que em nenhuma das situações anteriormente relatadas de ataques às escolas, a segurança armada não foi capaz de evitar os ataques: “Segurança armada é uma visão que assusta e intimida. Espaços em que as pessoas se sentem ameaçadas tendem a promover o aumento da violência, e não seu controle.

A ideia de que a escola se torne uma prisão, com muros altos, cercas elétricas ou um espaço de vigilância atenta contra o que é ser uma escola”, alertou. Catarina e mais uma das especialistas que afirma que a gestão democrática das escolas, que ocorre com a participação das famílias e da sociedade, é parte da solução para combater a violência contra a escola. “Dentro dessa realidade, é importante promover o ensino de matérias de humanas, como filosofia e sociologia, justamente as matérias que o ‘Novo Ensino Médio’ vêm reduzindo da grade curricular”, lembrou.

 

Escola e mundo

Catarina falou também que é preciso combater aquilo que violenta a escola. “A escola é nosso espaço comum, e é nesse ambiente que as diferenças se encontram e convivem. As diferenças nos educam. É no espaço público que fazemos isso. Para que a gente se eduque, é preciso nos juntarmos. Assim se dá o processo de ensino-aprendizagem. Nessa troca, ganham as famílias e ganha a escola.”

Josevanda Franco trouxe à discussão a ideia de Paulo Freire, de que a escola é um lugar onde podemos começar e melhorar o mundo. “Então, temos que ter a certeza de que esse espaço precisa ser acolhedor e emocionalmente equilibrado.

A diretora do Sinpro Luciana Custódio afirma que, ao fim e ao cabo, a necessidade é de se investir em profissionalização da educação: “Toda esta realidade dramática que a gente vive é resultado, é sintoma de uma ausência do Estado com relação à importância e à urgência de investimento na educação pública, e falar em investimento na educação é falar, também, em investimento nos profissionais que nela atuam”.

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