Artigo: "Programa Escola sem Partido está do lado do retrocesso"
Talvez influenciada pelo acirramento político, a proposta de inclusão do Programa Escola sem Partido na LDB é um conjunto de medidas contrárias a uma suposta doutrinação política e moral empreendida por professores em sala de aula. Faço algumas críticas à iniciativa que tramita no Senado.
A primeira advém do fato de impor à escola que ensine a educação religiosa e moral da família. De qual família? Se a moral familiar provém, na maioria das vezes, da opção religiosa, é um equívoco supor que no país predomine um segmento. Mesmo nas denominações cristãs a heterogeneidade é a marca. A questão revela a contradição de um programa que diz defender “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico”.
Na escola as diferenças se encontram e os jovens refazem seus valores ao se depararem com outros. Desse encontro surge uma sociedade mais tolerante que a dos nossos pais. Basta verificar o avanço sobre o papel da mulher, no enfrentamento do racismo e da homofobia.
O programa também implica riscos para o livre trabalho do docente e abre brecha para práticas macarthistas. No Art. 8º está previsto que “o ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato”.
Um problema de partidarização do conteúdo, algo bem diferente do debate político, não deveria ser resolvido na própria escola? A apropriação coletiva não teria efeito pedagógico ao propiciar que a comunidade escolar estabelecesse limites?
Outra dúvida: as escolas foram consultadas? A Associação Brasileira das Escolas Particulares, que reúne colégios com excelentes desempenhos em rankings, criticou em nota o Escola Sem Partido, afirmando que “o diálogo franco e aberto é sempre o melhor recurso para a correção de eventuais desvios”.
Ademais, tal proposta subestima o senso naturalmente crítico dos jovens. Eles adoram discordar mesmo concordando. Adicionalmente, há tantos acessos a vloggers, sites, Wikipedia, que eles se informam e debatem qualquer posição. Levam novidades para a aula, o que enriquece o debate com professores.
Não por acaso, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, em nota técnica ao Congresso, concluiu pela inconstitucionalidade da proposta. A Carta estabelece que o ensino deve ter por fundamentos o princípio da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”. Restringir a liberdade de cátedra significa impedir o direito de aprender com o embate livre e plural de ideias.
O Escola sem Partido tem partido: o do retrocesso. Além de se situar na contramão da visão contemporânea de família, quer proibir o debate da dimensão de gênero. Num país com 13 milhões de analfabetos em que 40% dos jovens não concluem o ensino médio, tal proposta é, no mínimo, inoportuna.
OS DEVERES DO PROFESSOR, SEGUNDO O PROJETO
1 – O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
2 – O professor não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
3 – O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
4 – Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria.
5 – O professor respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
6 – O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.