ARTIGO | O STF precisa cumprir seu papel

*Fernando Penna
Projetos como o Escola sem Partido e suas variações tramitam na Câmara dos Deputados no Congresso Nacional e também já foram apresentados em mais de 10 estados e mais de 150 municípios. Os poucos projetos que foram aprovados dentre todos estes vêm sofrendo reveses definitivos em tribunais regionais e em decisões provisórias do STF. Em pelo menos cinco estados, leis que proibiam menções à temática de gênero foram suspensas. A única aprovação de um projeto convertido em lei estadual se deu em Alagoas, com o nome de “Escola Livre”, um nome bastante enganador uma vez que a lei cerceia a liberdade de professores e alunos.
A Lei nº 7.800/2016, de Alagoas, foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal e o ministro Barroso concedeu liminar para suspender sua integralidade, identificando nela uma grave ameaça à educação emancipadora prevista na Constituição Federal. Essa liminar seria levada a referendo do Plenário na próxima quarta-feira (28/11). No entanto, o ministro Dias Toffoli incluiu outro processo na sua frente e o julgamento pode ser adiado indefinidamente. Esse adiamento é gravíssimo e representa um enorme perigo para a educação brasileira, considerando que avança no Congresso Nacional a tramitação dos projetos de lei ligados ao movimento Escola sem Partido.
Uma das principais ameaças à educação hoje encontra-se nos projetos que tramitam na Câmara do Deputados, na Comissão Especial que discute o PL 7180 e nove outros projetos de lei apensados. Apesar de apenas um dos projetos ser explicitamente nomeado Escola sem Partido (PL 867/2015), toda comissão ficou conhecida com esse nome, que passou a representar todas essas iniciativas similares. Todos esses projetos foram reunidos em um único texto substitutivo, que contém a proibição da doutrinação ideológica em sala de aula (sem nunca definir o que isso seria) e do uso do termo “gênero” nas escolas. Tudo indica que este substitutivo será votado na próxima quinta-feira (29/11).
As ameaças, no entanto, não se limitam às discussões no Legislativo e no Judiciário e se espalham para a sociedade como um todo, impactando severamente o cotidiano das escolas e universidades. Um dos projetos de lei propõe a criação de um canal de denúncia anônimo e direto entre os alunos e as secretarias de educação. Mas, independentemente da aprovação do projeto, muitos políticos já vêm criando por sua própria iniciativa canais com essa finalidade. O incentivo a uma cultura do denuncismo e o apelo à representação dos professores como criminosos vêm colocando alunos contra professores e minando ainda mais o respeito a uma categoria profissional profundamente desvalorizada no Brasil.
A página do Movimento Escola sem Partido na internet compara professores com sequestradores intelectuais. O criador da proposta chegou a compará-los com estupradores em uma audiência pública na Câmara dos Deputados. Essa verdadeira campanha de ódio aos professores tem contribuído assustadoramente para o aumento da violência contra a categoria docente. Professores estão sendo ameaçados de todas as formas, inclusive de morte, apenas por trabalhar conteúdos previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais e em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
E qual é a relação disso com o adiamento do julgamento da ADI no STF? O Ministro Dias Tofolli vem adotando, como uma das diretrizes da sua presidência, não pautar questões polêmicas que possam gerar atritos com o Legislativo. O presidente do STF estaria deixando a discussão para o Congresso, uma vez que um julgamento reafirmando a inconstitucionalidade poderia sepultar a tramitação na Câmara por adiantar o entendimento do STF sobre a matéria. A questão é que conhecer o entendimento do STF sobre a matéria seria essencial para evitar um longo processo de tramitação, recheado de polêmicas, de uma matéria que será, muito provavelmente, considerada inconstitucional no futuro. Existe um estímulo escancarado à perseguição de professores que se dá, muitas vezes, baseada nas premissas de um projeto que ainda nem se tornou lei. O julgamento do STF sobre a lei Escola Livre de Alagoas ajudaria a evitar essa perseguição e o gasto de tempo e recursos com a tramitação de projetos que devem ser considerados inconstitucionais no futuro. O STF precisa se posicionar.
Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Movimento Educação Democrática*