Artigo: "10 anos da Lei Maria da Penha: avançamos, mas temos muito o que lutar"

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Vilmara Carmo, coordenadora da Secretaria para Assuntos e
Políticas para Mulheres Educadoras do Sinpro-DF

Neste domingo (7), a Lei nº 11.340/06, Lei Maria da Penha, completa 10 anos. O que temos a comemorar? Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) dão conta de que, apesar de ainda termos muito o que avançar, temos muito o que comemorar. Um dos estudos do Ipea, intitulado “Avaliando a Efetividade da Lei Maria da Penha” e assinado pelo técnico de planejamento e pesquisa Daniel Cerqueira, mostram que a lei diminuiu em cerca de 10% a taxa de homicídios domésticos, desde 2006, quando entrou em vigor.
O estudo confirma que a Lei Maria da Penha “teve impacto positivo na redução de assassinatos de mulheres, em decorrência de violência doméstica”. O estudo mostra que, embora seja um valor pequeno, temos sim o que comemorar. Ele revela que, enquanto a taxa de homicídios de homens ocorridos em casa continuou aumentando, a de mulheres permaneceu praticamente no mesmo patamar.
O Brasil foi o 16º país latino-americano a criar uma lei de combate à violência doméstica. Reconhecidamente, assim como nos demais países do mundo que aplicaram leis para acabar com a violência de gênero e doméstica, no Brasil, a Lei Maria da Penha foi um dos principais instrumentos de enfrentamento a essa situação subalterna e violenta a que a mulher – de todas as idades – estava (e ainda está) submetida.
Como disse, ainda falta muito para conseguirmos erradicar essa doença social. Porém, já avançamos. Na publicação do Ipea, o pesquisador afirma que ” a Lei Maria da Penha teve papel importante para coibir a violência de gênero, uma vez que a violência generalizada na sociedade estava aumentando. Ou seja, num cenário em que não existisse a Lei Maria da Penha, possivelmente as taxas de homicídios de mulheres nas residências aumentariam”, informa a publicação.
O estudo comprova com números os efeitos positivos da lei. “A taxa de homicídios de mulheres dentro de casa era de 1,1 para cada 100 mil habitantes, em 2006, e de 1,2 para cada 100 mil habitantes, em 2011. Já as mortes violentas de homens dentro de casa passaram de 4,5 por 100 mil habitantes, em 2006, para 4,8, em 2011. Nesse caso, estão incluídos vários fatores, além de violência doméstica”, indica. Na época que lançou esse trabalho, em 2015, o estudioso afirmou que “se não tivesse havido a Lei Maria da Penha, a trajetória de homicídios de mulheres no Brasil teria crescido muito mais. Homicídios como um todo aumentaram [no país], mas, na contramão dessa direção, a Lei Maria da Penha conseguiu conter os homicídios de mulheres dentro de casa”.
Uma das leis mais populares da história do país, a LMP popularizou o debate feminista na sociedade brasileira e revelou que o machismo é mesmo um problema cultural na nossa sociedade. A lei mudou comportamento, intimidou criminosos, empoderou mulheres, trouxe a sensação de segurança necessária para impulsionar uma onda de denúncias contra a violência doméstica jamais vista no Brasil.
As mulheres brasileiras perceberam que, agora, podem se desvencilhar da opressão machista. Entenderam que muitos dos crimes contra elas eram e são decorrentes de uma doença social denominada “cultura patriarcal”, a qual é alimentada pela desigualdade de gênero, pela misoginia e pela opressão ao feminino. Por isso, mais do que um instrumento de punição dos crimes contra a mulher, a Lei Maria da Penha representou um despertar para uma sociedade mais justa, uma conscientização de que um dos maiores problemas que geram a violência contra a mulher é a desigualdade de gênero e estimulou um encorajamento definitivo e sem retrocesso das mulheres para que busquem seus direitos e a igualdade de oportunidades em todos os espaços públicos e privados.
A LMP reforçou o consenso de que a mulher não deve ser vítima da opressão masculina e deve combater a naturalização das violências físicas, psicológicas, verbais, patrimoniais. Os estudos e indicadores sobre essa violência geraram indignação e também uma conscientização que reforçou a luta pela Lei do Feminicídio, sancionada e efetivada pela presidenta da República, Dilma Rousseff, em março de 2015, por ocasião das comemorações do Dia Internacional da Mulher.
A LMP trouxe avanços para o campo jurídico-criminal e está forçando uma nova forma de relacionamento na sociedade, na qual prevaleça o combate à desigualdade de gênero. Contudo, tanto essa luta quanto as leis e instrumentos criados nos últimos 10 anos para enfrentamento da violência contra a mulher estão sob ameaça de retrocesso. O golpe de Estado aplicado contra o Brasil, em abril deste ano, reduziu ainda mais os investimentos financeiros no combate e no enfrentamento da violência contra a mulher.
Além de ter retirado o status de ministério da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), retirando dela uma rubrica própria do Orçamento da União em nome da Lei de Responsabildiade Fiscal (LRF) – criada nos governos neoliberais da década de 1990 para desviar grandes quantidades de dinheiro público para bancos privados e estrangeiros –, o governo ilegítimo em curso modificou a concepção de enfrentamento da violência ao levá-la para o Ministério da Justiça e voltando a tratar esse tema como questão meramente policialesca.
Os ataques contra as leis, instrumentos e ações de combate à violência contra a mulher se pulverizou nestes últimos dois anos nas três esferas da União e nos Três Poderes do Estado. Desde o início de 2015, os políticos conservadores e fundamentalistas constroem ataques duros contra a política pública de enfrentamento da violência e de combate à desigualdade de gênero por meio do projeto Escola sem Partido – uma ardilosa lei da mordaça em andamento para impedir o debate sobre gênero nas escolas públicas.
O Sinpro-DF tem se posicionado veementemente contra a lei da mordaça Escola sem Partido. E tem esclarecido os efeitos nefastos que ela irá trazer para a sociedade e, sobretudo, para os (as) professores (as). O nosso sindicato foi uma das primeiras entidades a instituir uma secretaria própria para a questão da mulher educadora. As nossas diretorias dos últimos 10 anos entenderam que é preciso investir recursos financeiros em políticas sindicais e em atividades políticas e pedagógicas de enfrentamento da violência contra a mulher. Em 2006 instituímos a Secretaria para Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras.
Hoje, temos uma secretaria consolidada, com verba e planejamento próprios, dedicada a levar à categoria docente do Distrito Federal novos conhecimentos, esclarecimentos, apoios e material acadêmico, pedagógico e jornalístico sobre a questão da mulher. Imprimimos e divulgamos largamente uma Cartilha sobre a Lei Maria da Penha, em parceria com a CUT-DF. Nosso periódico anual, a Revista Sinpro Mulher, traz reportagens e artigos aprofundados com sugestões pedagógicas sobre o tema.
Entendemos que é preciso haver participação da categoria, a qual é majoritariamente feminina: 80% dela é formada por mulheres. Assim, nesta data de comemoração dos 10 anos da Lei Maria da Penha, um instrumento tão importante de enfrentamento à violência contra a mulher e de emancipação feminina, convocamos todas as professoras e orientadoras educacionais, e também os professores e orientadores educacionais, a participar intensamente da luta contra a violência contra a mulher, de combate à desigualdade de gênero e contra a lei da mordaça Escola sem Partido.
No início deste segundo semestre, no período em que irá ocorrer o planejamento pedagógico, convidamos as (os) professoras (es) para adotarem o tema do enfrentamento da violência e o da questão de gênero como assuntos relevantes a ser lecionado. Importante trazer estes dois assuntos em virtude dos ataques à liberdade de expressão da (o) professora (or) no exercício do magistério e da proibição do debate de gênero nas escolas públicas pela lei da mordaça intitulada Escola sem Partido. Em relação aos 10 anos da LMP, importante criar também momentos para se debater esse tema na escola.
Para subsidiar a todas e todos que optarem por trabalhar essas temáticas, o Sinpro-DF põe à disposição da categoria, por meio de sua Secretaria para Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras, as três edições da revista Sinpro Mulher e a revista Mátria, da CNTE. Informamos também que a Secretaria está à disposição para subvencionar essa atividade na escola. Para isso, basta entrar em contato conosco pelo telefone 3343-4206 (falar com Shirlei).
Vilmara Carmo.
Coordenadora da Secretaria para Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras do Sinpro-DF