Aposta do governo para 2014, pacto para ensino médio gera desconfiança

Após sucesso de programa para alfabetização, governo tenta repetir fórmula; entidades reclamam de falta de diálogo e metas pouco claras

O Ministério da Educação lançou mais um pacto com gestores estaduais na última semana. Agora, os professores do ensino médio serão alvo de programa de formação com o objetivo de melhorar indicadores de qualidade da última etapa da educação básica. Entidades, professores e estudiosos do tema, no entanto, questionam se as ações serão realmente eficazes. As dúvidas surgem, em grande parte, porque o ministério não discutiu o programa com entidades de docentes e pesquisadores.
A fórmula do novo pacto é bastante semelhante à criada para outra etapa educacional, a alfabetização. Mas, diferentemente do que ocorre desta vez, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), inspirado em um programa cearense, foi discutido durante três anos antes de ser lançado, no ano passado. Assim como pretende fazer com o Pnaic, o Planalto espera poder usar o novo pacto para o ensino médio como mais uma bandeira para a campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff, no ano que vem.
Desde que começou a ser implantado, o Pnaic conquistou a aprovação de professores, secretarias, universidades. O governo, por sua vez, prometia há tempos lançar um programa que tentasse resolver o nó que se tornou o ensino médio: não atrai mais os estudantes, possui alto índice de evasão e vive uma crise de identidade entre o preparo para o trabalho e para a faculdade.
“Quando o ministro falou que estava pensando em fazer isso (o pacto), discordamos. Queríamos discutir propostas mais profundas e não nos chamaram. O professor não tem que viver de bolsa. Precisa de piso, jornada de trabalho, planos de carreira”, critica o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Leão.
As críticas de Leão se estendem ao formato. “A gente tem de parar com essa história de pacto. É um pacto para cada coisa agora. Precisamos de uma proposta que dê conta de enfrentar os desafios da educação como um todo. Não podemos perder a visão sistêmica do processo”, ressalta.
O que queremos?
O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio foi lançado na última segunda-feira pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Em entrevista coletiva na semana passada, ele disse que o plano havia sido negociado com os secretários estaduais de Educação e que as ações de formação continuada beneficiariam 495 mil professores.
Segundo o programa, eles receberão R$ 200 por mês e terão encontros semanais de, no mínimo, três horas, para fazer a formação proposta pelos orientadores (que, por sua vez, serão formados por 40 universidades em todo o país) a partir de materiais pedagógicos disponíveis nos tablets entregues aos educadores. Entre os temas, estão currículo e práticas pedagógicas.
Outra dúvida entre os especialistas é a definição de objetivos e metas para um pacto de uma etapa ainda incompreendida pelos gestores, professores e os próprios estudiosos. “O que se sabe é que o pacto quer melhorar a formação do professor. Mas para qual ensino médio? Ainda não definimos o que queremos para o ensino médio. Em todo o mundo, ainda há debates sobre quais seriam as melhores estratégias para essa fase”, comenta Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Helena Freitas, presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), comenta que a juventude precisa ser incluída nos debates e suas necessidades mais amplas – lazer, cultura, esporte, trabalho – serem preocupações de quem a educa. “Iniciativas de formação continuada são interessantes, mas eu não faria o pacto assim. Precisamos pensar em outra fórmula para a formação”, defende.
Para ela, as formações oferecidas no pacto não deveriam partir de materiais pré-definidos. “Os dilemas que eles vivem em sala de aula não estão definidos nos materiais. O foco da formação continuará sendo o aspecto cognitivo, que não é nosso problema atual. Temos de pensar é na questão curricular, na organização escolar que obriga o professor a ter 300, 400 alunos. A escola está chata”, critica.
Helena lembra que a valorização do professor precisa ser o foco dos programas. “A formação continuada é apenas um desses aspectos da valorização”, reforça. A professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) acredita que é preciso olhar de forma ampla para os problemas que o professor enfrenta: jornada e condições de trabalho, formação inicial, formação continuada, salários.
A lógica do trabalho com os adolescentes e as crianças, alvo do pacto da alfabetização, também é diferente. Por isso, a pesquisadora não acredita que a mesma fórmula possa ser bem sucedida. “Não houve discussão prévia sobre o programa e os profissionais da educação deveriam ser os dirigentes dessas propostas. O tempo fora da sala de aula tem outra dimensão no ensino médio. Se não repensarmos a lógica escolar, não dará certo”, diz.
Mudanças de rumos
Para Daniel Cara, a recorrente troca de políticas também prejudica o processo. A preocupação com o futuro do ensino médio, e a pouca qualidade do ensino, existe há muito tempo, é discutida por diferentes entidades, mas as propostas não avançam. “A proposta do ensino médio inovador estava mais próxima da necessidade do ensino médio brasileiro, mas ficou só no modelo. Ele precisava ser mais avaliado, mas foi deixado de lado”, lamenta.
O pacto atual, segundo ele, parece mais oportunista do que assertivo como política pública, porque foi pouco dialogado com a sociedade e não define claramente o que o país alcançará com ele. “O principal acerto da proposta do ensino médio inovador era se dedicar a definir o que queríamos do ensino médio. Isso ainda não está claro. O governo ainda não percebeu que dialogar num país tão diverso como o Brasil significa aumentar o grau de eficácia do programa e ter economia de recursos”, critica.
As entidades também se perguntam se o interesse dos professores no programa será grande. Eles podem escolher participar ou não. Como muitos utilizam o tempo disponível para trabalhar em mais de um emprego e complementar a renda, elas acreditam que os docentes não se interessarão de forma maciça pelo projeto. “Qualquer reforma precisa vir junto com melhorias da condição de trabalho e das condições da escola”, argumenta Leão.
 
Portal iG-Brasília