A culpa não é da pandemia. É política econômica neoliberal

Há cinco dias, o noticiário mostrou dezenas de famílias se amontoarem em uma fila num açougue de Cuiabá para pegar ossos que estavam sendo distribuídos gratuitamente. Isso aconteceu, por incrível que pareça, na capital do agronegócio e do estado maior produtor de gado bovino do Brasil. Outra cena chocante é a que mostra, nos últimos meses, famílias inteiras buscando nas gôndolas dos mercados pacotes com farelo de arroz, alimento destinado ao consumo animal.

 

No mesmo dia em que a mídia liberal e alternativa mostraram as cenas de brasileiros(as) famélicos(as) atrás dos ossos de Cuiabá, em 17 de julho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu, como política econômica de combate à crise social e aos crescentes índices de insegurança alimentar no País, a destinação de restos de comida de restaurantes às populações pobres e vulneráveis. “Aquilo dá para alimentar pessoas fragilizadas, mendigos, pessoas desamparadas. É muito melhor que deixar estragar”, afirmou, durante participação virtual em evento promovido pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

 

O ministro da Economia, o governo Jair Bolsonaro (ex-PSL) e os intelectuais e políticos de direita gostam de dizer que a pandemia do novo coronavírus é a causa da extrema pobreza, da vulnerabilidade alimentar e da volta do Brasil ao Mapa da Fome. Usam a Covid-19 para esconder que a culpa dessa situação é da política econômica neoliberal: única responsável pela tragédia social e sanitária que o Brasil atravessa.

 

A fome, a pobreza, o desemprego, a desesperança e centenas de mortes por doenças e problemas resultantes da fome e da depressão que a falta de emprego e renda provocam começaram muito antes das mortes provocadas pela recusa deliberada do governo federal de combater a pandemia. Desde 2017 a Organização Não Governamental (ONG) ActionAid alerta para o fato de que a soma das desigualdades da sociedade brasileira com o crescimento do desemprego e os cortes nos programas sociais apontam para o aumento da fome.

 

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam os alertas da ONG. É por isso que o governo Jair Bolsonaro cortou, este ano, 90% do orçamento do Censo Populacional, um dos principais instrumentos do Estado e uma das atividades realizadas pelo IBGE para identificar problemas sociais e aperfeiçoar e investir dinheiro público nas políticas que beneficiam os(as) brasileiros(as). O Orçamento federal, apresentado pelo relator-geral, senador Marcio Bittar (MDB-AC), cortou R$ 1,76 bilhão do Censo, ante previsão anterior de R$ 2 bilhões para realização da pesquisa. O Censo Populacional é revela e denuncia as mazelas dos governos de plantão.

 

Outros dados mostram que a culpa é da política neoliberal do governo Bolsonaro. No início da pandemia, em março do ano passado, o ex-diretor-geral da FAO (agência da ONU para a erradicação da fome e combate à pobreza), José Graziano da Silva, já estimava que, em julho de 2020, os números de insegurança alimentar grave chegariam a 6,6% da população brasileira, com cerca de 15 milhões de pessoas passando fome. Os dados e os fatos deixam explícito que quem trouxe a fome, a pobreza, o desemprego, o desalento, a falta de políticas públicas de saúde de volta ao Brasil foi economia neoliberal, reimplantada à força pelo golpe de Estado de 2016 e aprofundada pelas eleições fraudadas por fake news de 2018.

 

Uma observação de Graziano, na época, aponta para essa conclusão: “É fundamental ressaltar que a crise político-econômica, que se aprofundou a partir de 2015, gerou e vem gerando forte impacto sobre os mais pobres, pelo crescimento do desemprego, pela perda de direitos trabalhistas e pela queda nas rendas domiciliares. Paralelamente a isso, reduções orçamentárias dos programas de segurança alimentar e assistenciais vêm desativando mecanismos de proteção social não só necessários, mas essenciais, nessa difícil conjuntura”.

 

Os dados mostram também que o agravamento da pandemia do coronavírus é consequência dessa política econômica. A história recente do País comprova tudo isso. Em 2001, aos 7 anos do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), do PSDB, uma criança morria de fome a cada 5 minutos no Brasil.  Essa denúncia foi feita pelo Jornal Nacional, em junho de 2001, por meio de uma série de reportagens intitulada “Fome no Brasil”, apresentada pelos jornalistas Marcelo Canellas e Lucio Alves. Eles revelaram essa tragédia social justamente no período denominado pelos intelectuais, banqueiros e políticos de direita de “milagre neoliberal”.

 

Com a volta do neoliberalismo, o Brasil voltou também ao Mapa da Fome. Há provas de que desde o dia em que Jair Bolsonaro entrou no Palácio do Planalto, a mesa dos pobres ficou cada vez mais vazia. O preço dos alimentos disparou. No acumulado de um ano até maio de 2021, produtos significativos da cesta básica, como o óleo de soja subiu 82%; o arroz, 56%; a carne, 35%; o botijão de gás, 21%, no período. Dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP), mostram que o preço do litro do leite apresentou alta acumulada de 34% entre janeiro e junho deste ano. A situação é alarmante quando se constata que até mesmo o direito ao tradicional prato de arroz com feijão foi retirado o povo brasileiro.

 

A fome e o desemprego voltam mais de uma década depois de o Brasil ter conseguido reduzir a pobreza em 50%, na Era Lula. Ou seja, 4 anos após o golpe de Estado de 2016, a miséria explode no País governado por Jair Bolsonaro. A cena da fome, no entanto, não voltou em 2020, como causa da crise da pandemia do novo coronavírus, como gostam de dizer o governo federal, o próprio Jornal Nacional e demais mídias liberais. Além disso, fome, desemprego, desalento etc. são instrumentos de um projeto político em curso no País pelas mãos de quem está hoje no comando do Poder.

 

Neoliberalismo: ossos aos pobres; picanhas e uísques 12 anos aos militares; trilhões aos banqueiros

 

Enquanto em Cuiabá centenas de famílias disputam ossos, o dinheiro público é usado para alimentar banqueiros, empresários, políticos, militares, governos estrangeiros, entre outros. Em 2020, os militares encheram a geladeira com mais de 700 toneladas de picanha com o dinheiro público. Compraram 1,2 milhão de quilos de filé mignon; 438 mil quilos de salmão; 140 mil quilos de lombo de bacalhau e 9,7 mil quilos de filé do peixe.

 

Para regar os nababescos almoços e jantares, também com o dinheiro público, compraram 80 mil cervejas e 10 garrafas de uísque 12 anos, um dos mais caros, todas destinadas ao comando do Exército. Também adquiriram com os recursos financeiros públicos, 660 garrafas de conhaque, para o comando da Marinha. A lista de gasto do dinheiro público com comida e bebida caras para a elite não para por aí:  o governo gastou, por exemplo, R$ 2,2 milhões com a compra de chicletes.

 

Em 2020, em plena pandemia, Bolsonaro gastou R$ 1,8 bilhão para forrar os convescotes (piquenique) do governo e das Forças Armadas. Só com refrigerantes o gasto foi de R$ 31,5 milhões; com iogurtes naturais, R$ 21,4 milhões; com leite condensado, R$ 15,6 milhões; com bacon defumado, R$ 7,1 milhões; e com vinhos, R$ 2,5 milhões. A festa não terminou: o  governo Bolsonaro/Paulo Guedes também alimentou a fome de dos banqueiros e distribuiu aos bancos 11 vezes mais dinheiro do que à população pobre.

 

O lucro das quatro maiores instituições financeiras do Brasil cresceu 18%, em 2019, com a economia brasileira estagnada, acumulando R$ 81,5 bilhões. Bolsonaro deu R$1,2 trilhão aos bancos, mas reduziu os salários dos trabalhadores com a reforma trabalhista, em 2017, e vários projetos de leis e medidas provisórias, em 2020, a título de pandemia. Apenas uma das MP do governo federal permitiu que as empresas cortassem até 70% dos salários dos empregados.

 

Enquanto passava a boiada nas riquezas minerais, nos patrimônios nacionais, no Orçamento público, criando, inclusive, uma ilegalidade denominada Orçamento paralelo, e demolia a soberania do Brasil, o governo Bolsonaro agiu rápido para liberar dinheiro público aos bancos. Justamente esse setor, que mais ganha dinheiro no Brasil, recebeu, em março do ano passado, das mão do ministro Paulo Guedes, uma “ajuda” de R$ 1,2 trilhões, por meio do Banco Central, para “fazer caixa” e “dar liquidez” aos bancos.

 

Guedes usou a chegada da pandemia para injetar essa generosa ajuda aos bancos e, ao mesmo tempo, proibiu o uso do dinheiro público para aquilo que o Estado de bem-estar social foi criado: assegura a vida da população. Ele negou a ajuda emergencial aos trabalhadores em situação mais vulnerável, aos micros e empreendedores individuais. A esse setor da população, o ministro da Economia reduziu o reajuste do salário mínimo, limitou o auxílio emergencial em R$ 200 por mês e travou qualquer investimento do Estado no combate à pandemia.

 

Depois de muita luta, deputados e senadores do campo da esquerda agiram com rapidez e rejeitaram a proposta, conseguindo aprovar um auxílio emergencial que variava de R$600 a R$1.200 por família. No entanto, em dezembro de 2020, esse auxílio foi reformulado, muita gente excluída e seu valor reduzido para R# 300 reais. Hoje, julho de 2021, o salário mínimo, para quem está empregado, está R$ 1.100 e a cesta básica em R$ 1.060.

 

O problema é que, só nos últimos 30 dias, o Brasil incluiu 489 mil novos desempregados(as) nas suas estatísticas de desemprego. Com esse número, o País acumula 14,761 milhões de trabalhadores desocupados, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), divulgada, no dia 30 de junho deste ano, pelo IBGE. Só no trimestre de fevereiro a abril de 2021, o índice de desemprego se manteve em 14,7%, o maior desde o início da série histórica do IBGE, iniciada em 2012. Comparado ao do trimestre anterior (de novembro a janeiro), o número de pessoas sem emprego aumentou de 3,4%. Ou seja, há, hoje, no País, quase 15 milhões de pessoas que não ganham nem sequer o salário mínimo.

 

A culpa não é da pandemia. Brasil voltou ao Mapa da Fome em 2017

 

Como dizia a marchinha de carnaval sucesso em 1955: “recordar é viver”. O Brasil voltou ao Mapa da Fome da Organização Mundial de Saúde (ONU) em 2017, apesar de um relatório da ONU dizer que isso ocorreu em 2018. A culpa é da política econômica adotada com o golpe de 2016 e aprofundada com a eleição, em 2018, pelo mesmo grupo de políticos e empresários que deram o golpe no Brasil 2 anos antes.

 

Um relatório da ONU sobre segurança alimentar, divulgado em julho de 2019, quase 6 meses antes de ocorrer o primeiro caso de Covid-19 na China, já mostrava que o avanço neoliberal trouxe a fome de volta ao Brasil e à América Latina e Caribe. O documento mostrou que a fome associada à subnutrição atingiu 42,5 milhões de pessoas na região, em 2018, e que isso era resultado da paralisação de investimentos em políticas sociais.

 

Na época, o diretor adjunto de Economia do Desenvolvimento Agrícola da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Marco Sánchez Cantillo, declarou que, na América do Sul, a desnutrição saltou de 4,6%, em 2013, para 5,5%, em 2017, um ano após o golpe de Estado liderado por Michel Temer (MDB), mantendo o índice em 2018.

 

“Durante os primeiros 15 anos deste século, a América Latina e o Caribe cortaram a subnutrição pela metade. Mas, desde 2014, a fome vem aumentando”, disse o Representante Regional da FAO, Julio Berdegué. A coincidência é que, em 2014, o grupo que aplicou o golpe de 2016 e fraudou, com fake news, a eleição de 2018, começou a desestabilizar o governo Dilma Rousseff (PT) para aplicar o golpe contra o Brasil em 2016.

 

Em 2018, a mídia alternativa alertou para o problema. O presidente da República eleito naquele ano deveria ter continuado com as políticas de segurança alimentar e nutricional com a mesma prioridade que o governo petista as colocou na agenda federal. A fome, o desemprego, a falta de políticas do Estado e a pobreza andam juntas. Em 2018, quase 25% da população, cerca de 50 milhões de pessoas, vivia em situação de pobreza, e, aproximadamente a metade disso, 12,5% do total de brasileiros(as), viva na extrema pobreza.

 

Isso significa que um quarto das pessoas no País sobreviviam com R$ 387,07 mensais, quando pobres, e com R$ 133,72 por mês (valores da época), quando extremamente pobres. Outro estudo, divulgado em abril de 2021, mostrou que mais de 125,6 milhões de pessoas não se alimentaram como deveriam ou já tinham algum tipo de incerteza quanto ao acesso à alimentação no futuro durante a pandemia de coronavírus.

 

Intitulado “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, o estudo foi realizado entre novembro e dezembro de 2020 e divulgado na primeira quinzena de abril de 2021. Ele mostrou que mais da metade da população brasileira sofre com algum grau de insegurança alimentar e pelo menos 15% convive com a falta diária e constante de ter o que comer.

 

Esse levantamento foi coordenado pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e com a Universidade de Brasília (UnB), e revelou que 59,4% dos domicílios do Brasil apresentaram algum grau de insegurança alimentar entre os meses de agosto e dezembro de 2020.  No grupo, 44% também diminuíram o consumo de carne e, 41%, o de frutas.

 

“É por isso e outras coisas que reafirmamos que a culpa não é da pandemia, e sim do neoliberalismo. Diante dessa tragédia social, destacamos a importância do voto nas eleições de 2022. Seu voto pode mudar tudo isso. Cada voto conta para a democracia e, votar sem consciência prejudica a Educação, a Saúde e o Brasil”, afirma a diretoria colegiada do Sinpro-DF.

 

Confira aqui no Folha do Professor nº 208, digital, em que o Sinpro-DF faz um levantamento das novas leis e reformas e um resgate histórico dos prejuízos que o voto em políticos neoliberais provocaram , nos últimos 5 anos, e continuam provocando na vida de cada brasileiro(a).

 
 

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