Em votação pequena e sem participação de estudantes, CELAN é militarizado

Mesmo com as péssimas experiências de militarização nas escolas da rede pública do DF vindo à tona, especialmente nas últimas semanas, e com a manifestação do Ministério Público do DF, que derrubou a legalidade desse processo, o Governo do Distrito Federal encaminhou o processo de militarização do Celan (CEF 01 do Lago Norte) no último sábado, 04 de junho.

Em reunião esvaziada – foram 135 votos diante de uma comunidade que conta com cerca de 840 estudantes e mais de 50 profissionais do Magistério*, sem contar os servidores da carreira assistência e terceirizados -, 111 votantes manifestaram seu apoio ao projeto de militarização.

Os estudantes foram praticamente excluídos da tomada de decisão. Em convocação enviada à comunidade, definiu-se que os e as estudantes só poderiam votar se tivessem mais de 16 anos. Vale destacar que se trata de um Centro de Ensino Fundamental, ou seja, a escola trabalha com adolescentes até o 9º ano.

Estudantes de fora

A exclusão dos(as) estudantes chama a atenção também porque dois professores do Celan encaminharam uma pesquisa que revelou que a ampla maioria dos(as) adolescentes é contra a militarização. Na mesma pesquisa, cujo questionário foi aplicado pelos próprios estudantes, os entrevistados disseram conhecer o assunto, e acreditam que para a escola melhorar é preciso mais professores, não mais militares. Confira AQUI o resultado completo da pesquisa.

O professor Pedro Lucas Gracie, um dos elaboradores da pesquisa, afirma que, embora a repercussão dos resultados na escola tenha sido positiva, ela não surtiu o efeito necessário, pois os estudantes continuaram silenciados no processo decisório. “Nós queríamos ampliar o debate, trazer mais elementos para a discussão, afinal, o processo todo foi muito rápido”, conta Pedro.

O primeiro debate sobre o tema na escola, envolvendo o grupo de professores(as) e orientadores(as) educacionais, aconteceu em 18 de maio. Na ocasião, foram apresentados questionamentos quanto aos resultados do processo de militarização de outras escolas – dados de evasão escolar, índices de desempenho, número de pedidos de transferência, por exemplo -, mas não houve resposta. Alguns professores também falaram das carências no quadro do Celan, que não poderiam ser supridas por policiais militares, mas sim, por profissionais de educação.

“Pela pesquisa, a esmagadora maioria dos estudantes acredita que o Celan precisa mais de professores que de policiais, e nossa escola tem mesmo sofrido com a falta de profissionais”, destaca o professor Anderson Magalhães, parceiro de Pedro da elaboração e implementação da pesquisa. Segundo ele, em debate com a escola, a Secretaria de Educação não se comprometeu com a solução desse problema.

Para Ana Cristina Machado, diretora do Sinpro que acompanha o Celan, a postura faz parte da mesma concepção que promove a militarização: “No Celan, faltam professores, faltam servidores, faltam monitores… Devido à falta de recursos humanos, a escola tem dificuldade para funcionar, e a SEDF finge que a militarização é uma ‘tábua de salvação’, o que é uma falácia”, considera Ana. “Como todos os órgão públicos e a sociedade em geral, as instituições de ensino precisam de segurança, mas isso se faz com o Batalhão Escolar na porta da escola”, completa ela.

O professor Pedro concorda. “A gente quer o batalhão na escola sim, o problema não é a instituição PM”, destaca ele. “Mas compartilhar a gestão da escola com a polícia deturpa tanto o conceito de escola pública quanto o de gestão democrática”, afirma Pedro.

Pressa para definir por um lado

Menos de três semanas depois daquele primeiro debate, a chamada audiência pública foi convocada e o Celan se tornou a primeira escola militarizada do Plano Piloto. A votação, além de excluir os estudantes, não levou em consideração o resultado da pesquisa realizada com eles. O quórum do encontro foi baixo, conforme já apontado no início desta matéria. Se considerarmos um pai/mãe/responsável por estudante, somando esse número ao de estudantes e profissionais da escola, chegaríamos a um universo de quase 1.800 pessoas. A votação no Celan reuniu apenas 135, menos de 10% dessa comunidade.

Lara Cardoso, professora da Sala de Recursos do Celan, acredita que o processo encaminhado com tanta rapidez prejudicou o debate democrático. Foi ela quem fez a fala contrária à militarização na audiência. “Num universo de 840 alunos, a gente teve menos de 60 pais decidindo o futuro da escola”, aponta ela. “Teriam sido necessárias mais audiências, mais debate, pois só com informação e exposição ao contraditório a comunidade poderia ter sua opinião formada para fazer a melhor escolha”, considera Lara.

A diretora do Sinpro Márcia Gilda esteve no Celan na manhã da audiência. Ela e outros foram impedidos de distribuir panfletos que questionavam o processo de militarização de escolas no DF. “Infelizmente, após quase dois anos de atividades remotas, ao retornar para o ensino presencial, a Secretaria de Educação não apresentou um projeto de recomposição das aprendizagens, e pior, falta o indispensável numa escola que é o professor e a professora”, diz Márcia. “Na contramão de um projeto político-pedagógico emancipador, que garanta o protagonismo de nossas alunas e alunos, o que se vê é uma cortina de fumaça chamada militarização das escolas, para desviar a atenção da sociedade do sucateamento da Educação Pública do DF”, conclui.

MP revoga legalidade da militarização

Em vigor no DF desde janeiro de 2019, o projeto de militarização de escolas implementado por decreto pelo governador Ibaneis Rocha teve revogada sua legalidade a partir de nota técnica do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), publicada no último dia 10 de maio.

A nota técnica do MPDFT apresenta como um dos embasamentos para revogar a legalidade do projeto de militarização os direitos constitucionais ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao pluralismo político. Na prática, pelo projeto de militarização das escolas implementado pelo Governo do Distrito Federal, o exercício desses direitos configura falta disciplinar. Sem contar o risco que o projeto representa à gestão democrática.

A nota técnica elaborada pelo MPDFT aponta também a ausência de dados que comprovem o sucesso da proposta de militarização das escolas públicas.

>>> Saiba mais: MINISTÉRIO PÚBLICO DERRUBA LEGALIDADE DE ESCOLAS MILITARIZADAS 

* Dados da SEDF