8 DE MARÇO | “Toda grande mudança social passa pela escola”
Neste 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, professoras e orientadoras educacionais da rede pública de ensino do DF, organizadas pelo Sinpro, se somaram à marcha “Pela vida de todas as mulheres, contra o machismo, o racismo e o fascismo. Sem anistia!”. No centro de Brasília, elas afirmaram que a educação pública de qualidade, guiada pela equidade de gênero e racial, provoca mudanças estruturais na sociedade.

“Toda grande mudança social passa pela escola. A educação é e sempre foi terreno onde se trava a batalha entre a dominação e a emancipação. É por isso que existem projetos como o Escola Sem Partido, uma roupagem do fascismo. Quando se silencia a professora e o professor, quando a produção do conhecimento de forma livre é atacada e reprimida, impede-se a percepção de que há diferenças de gênero, de classe de raça”, afirma a coordenadora da Secretaria de Mulheres do Sinpro, Mônica Caldeira.
A dirigente sindical explica que “políticas que seguem a ‘cartilha’ do Escola Sem Partido não são apenas de cunho técnico ou de costume”. “São políticas ideológicas, uma ideologia que é contrária ao enfrentamento da desigualdade, sobretudo a de gênero e raça.”
Antirracista
Organizadas entre o Palácio do Buriti e o Congresso Nacional com centenas de outras trabalhadoras, professoras e orientadoras educacionais também apontaram a educação como mecanismo indispensável para o combate ao racismo.
Regina Célia, diretora do Sinpro, avalia que, embora a eliminação do racismo dependa de um esforço coletivo, a educação viabiliza a conscientização sobre esse processo.
“A educação tem a capacidade de fazer com que as pessoas percebam a necessidade de combater o racismo. Isso não é algo impositivo, mas um processo que considera, sobretudo, a conscientização. A educação, quando é emancipadora, promove pensamento crítico. E se há pensamento crítico, há luta contra o racismo, contra o machismo e contra todas as opressões”, afirma Regina Célia.
No campo da educação, o combate ao racismo não depende apenas de um currículo escolar que inclua essa perspectiva, mas exige o direito de meninas e mulheres negras poderem usufruir do pleno direito à educação.

De acordo com dados de 2024 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2022, mulheres dedicaram, em média, 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas, enquanto os homens gastaram 11,7 horas. Entretanto, as mulheres pretas ou pardas dedicaram 1,6 hora a mais por semana nessas tarefas do que as brancas.
Isso impacta diretamente no acesso à educação. Ainda de acordo com o IBGE, naquele ano, a participação de mulheres nos bancos escolares mais que dobrou se comparado ao ano de 2016. Entretanto, o avanço se deu no grupo de mulheres brancas, indo de 37,7% para 39,7%. A taxa de frequência escolar das mulheres negras caiu de 28,6% para 27,9%.
Para a diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) Berenice Darc, que também é diretora do Sinpro, a educação é imprescindível para que mulheres que ficaram anos distantes das políticas de financiamento e de inclusão possam ser beneficiadas.
“O Brasil tomou novos rumos quanto à promoção de políticas sociais. Mas as consequências de um governo avesso a qualquer tipo de melhoria social ainda traz marcas. Neste sentido, a política de alfabetização, por exemplo, é uma das principais políticas que chegam às nossas mulheres, as mulheres trabalhadoras, negras, que estão fora da escola porque precisam trabalhar, cuidar de casa, sustentar a família. É a partir daí que elas poderão se reerguer e caminhar rumo à própria autonomia. A educação transforma a vida das mulheres, e isso transforma o Brasil”, diz.
Violência de gênero nas escolas
Embora a educação seja um dos principais instrumentos para romper definitivamente com a violência de gênero, a prática machista que fere as mulheres também é reproduzida dentro das escolas.
Presente na marcha das mulheres deste 8 de março, a diretora do Sinpro Silvana Fernandes disse que já foi vítima de violência de gênero no ambiente escolar.
“Sofri violência na sala dos professores, quando eu fui chamada de pir4nh#. Isso porque, em um passeio, eu falei para os estudantes descerem do ônibus para conhecerem o Catetinho. Uma colega disse que não era para descer, e levou isso para a escola. Então, um professor disse: Por que aquela pir4nh# desceu os alunos? E quando fui reclamar, falaram assim: ‘aquela’ pir4nh#, porque se acha bonitinha, desceu os alunos”, conta a dirigente sindical.

Para Silvana Fernandes, estar na marcha das mulheres é também lutar para que o machismo reproduzido dentro das escolas seja eliminado. “Na educação, a maioria é mulher. Somos nós que sofremos com o machismo, inclusive dentro das escolas. E isso não pode acontecer mais. Por isso, temos que lutar”, afirma.
Investimento
No DF e em todo o Brasil, as mulheres são maioria no magistério público. O setor, entretanto, é um dos que recebe menos investimento dos governos estaduais.
No DF, durante o governo Ibaneis Rocha, o investimento em educação teve queda progressiva. Em 2019, o percentual da educação sobre o orçamento total era de 17,9%, e caiu para 14,4% em 2024. Em comparação com 2024, o orçamento destinado à educação em 2025 apresenta redução acentuada de rubricas para ações essenciais à qualidade do ensino público, tendo algumas delas atingido quase 100%.

Para a professora aposentada do DF e diretora da CNTE Rosilene Corrêa, o desinvestimento em educação “sinaliza a manutenção da desigualdade de gênero”.
“Se no magistério somos majoritariamente mulheres, quando não se investe na educação, desvaloriza-se um percentual importante de mulheres trabalhadoras. Por isso, quando lutamos pela valorização da educação, estamos também fazendo um movimento que coloca as mulheres em um outro patamar de igualdade com os homens”, explica.
A secretária de mulheres da Central Única dos Trabalhadores (CUT-DF), Thaísa Magalhães, que também é professora da rede pública do DF, afirma que o mesmo fenômeno acontece em outras categorias que são compostas majoritariamente por mulheres.
“Atividades ligadas ao cuidado, como a educação infantil, a enfermagem, o trabalho doméstico, em uma sociedade machista e capitalista, são vistas como ‘extensões naturais’ da mulher, não como profissão. É dessa forma que lucram com a exploração das mulheres trabalhadoras, como nós, professoras”, afirma.
Ela ainda afirma que não há qualquer espaço da sociedade em que não haja reprodução do machismo. “Por isso, nós da educação, que também sofremos com a violência, com a desvalorização, com a subalternização, temos que nos conscientizar da necessidade de combater o machismo. E essa é uma tarefa que, sim, tem que passar pela sala de aula.”