60 anos depois do golpe militar, educação pública ainda é alvo do autoritarismo

1º de abril de 1964. O presidente João Goulart era deposto pelos militares. Iniciava ali o período de ditadura militar no Brasil, que durou até 1985. A forma de governo virou o país de cabeça para baixo, inclusive quando o foco é a educação pública. Sessenta anos depois, o setor continua sendo disputado por frentes conservadoras formadas não só por militares, mas também por fundamentalistas religiosos e reacionários de plantão.

Para os militares de 64, era essencial que o sistema de ensino convergisse com as necessidades do momento: o desenvolvimento capitalista. Para qualificar tecnicamente a mão de obra, foram ampliadas as vagas nas escolas públicas para universalizar o ensino de 1º grau (equivalente ao atual Ensino Fundamental). Era necessário que os trabalhadores fossem minimamente letrados, com noções básicas de operações matemáticas.

Acervo do Instituto Vladimir Herzog

“Os militares e seus apoiadores quiseram e querem fugir das piadas do 1º de abril, apontando o regime ditatorial como o regime da mentira. Por isso ainda se discute se o golpe de 64 se deu em 31 de março ou 1º de abril. Isso importa pouco. O que importa mesmo é que, realmente, esse foi um regime da mentira. Um exemplo é essa ampliação das vagas nas escolas, tão capitalizada por quem ainda acha que a ditadura militar foi um período próspero. Por não ter nenhum investimento vinculado, a ampliação dessas vagas nas escolas marcou o início da precarização da educação, um verdadeiro câncer que vivemos até hoje”, explica a diretora do Sinpro Márcia Gilda.

Ao mesmo tempo em que, teoricamente, se abria mais espaço nas escolas públicas, uma força-tarefa se formava para cortar pela raiz o Programa Nacional de Alfabetização do governo João Goulart, coordenado por Paulo Freire, lançado meses antes do golpe.

A educação, dessa forma, não seria mais uma ferramenta de formação do pensamento crítico, de emancipação, mas um equipamento do Estado para depositar nos estudantes as coordenadas de um “cidadão de bem”, passivo ao sistema e obediente às hierarquias.

Mais de seis décadas depois, a educação pública continua sendo disputada por frentes reacionárias. Os objetivos são basicamente os mesmos: formação da mão de obra adequada ao atual modelo de desenvolvimento e a formatação de uma sociedade obediente e submissa.

Em pleno regime democrático, a investida que remonta à ditadura é feita de forma organizada e potente, via projetos e propostas como o Escola Sem Partido e, mais recentemente, a caça ao Plano Nacional de Educação 2024-2034.

Aprovado em janeiro, na Conferência Nacional de Educação, o PNE tramita no Congresso Nacional. Entre um dos maiores opositores à proposta construída coletiva e democraticamente, está o atual presidente da Comissão de Educação, Nikolas Ferreira. Como bagagem, o deputado tem sua atuação marcada pela aprovação de lei proibindo a linguagem neutra nas escolas de Belo Horizonte, quando vereador da cidade, e como deputado, o apoio fiel à educação domiciliar (homeschooling).

Nikolas engrossa o grupo que atua principalmente pelo WhatsApp com a distribuição de cartilhas que afirmam que se o PNE for aprovado como está, “crianças serão estimuladas à iniciação precoce da sexualidade” e estudantes em geral sofrerão uma “doutrinação ideológica da esquerda”. Quem relata o caso é a Agência Pública.

Conferência Nacional de Educação, de forma plural e democrática, aprova PNE 2024-2034

Mais grave, o PNE não é a única proposta na mira dos representantes do boi, da bala e da bíblia. Segundo levantamento do Instituto de Estudos da Religião, apontado em matéria da Agência Pública, “os parlamentares de direita são autores da maior parte das propostas relacionadas à educação”, e os subtemas mais abordados são segurança nas escolas (por meio de violência), além da oposição completa ao debate sobre gênero e tudo que gira em torno disso (como o uso da linguagem neutra).

“É inquestionável que a educação pensada no período da ditadura militar no Brasil foi formatada para servir ao mercado, ao mesmo tempo em que tentava formar cidadãos sem senso crítico. O mais surreal é constatar que, 60 anos depois, essa herança maldita continua embrenhada no nosso dia a dia”, avalia a diretora do Sinpro Mácia Gilda.

Para ela, professores(as), orientadores(as) educacionais e a sociedade em geral têm papel fundamental na defesa da educação pública de qualidade socialmente referenciada.

“Educação deve emancipar. Uma escola inclusiva e diversa é direito nosso. Nós do Sinpro lutamos por uma sociedade com cidadãos críticos, autônomos e atuantes. É por isso que repudiamos não só os 21 anos de ditadura militar no Brasil, mas toda forma em que ela se manifesta nos dias de hoje”, diz Márcia Gilda.

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