Marx foi um jornalista a serviço da classe trabalhadora

Uma informação pouco divulgada da vida do pensador alemão Karl Marx é a sua atuação como jornalista. Foi exatamente essa face do filósofo que o professor Rodrigo Castelo, da Escola de Serviço Social da Unirio, destacou em sua comunicação apresentada no 20º Curso Anual do NPC. Ele participou da mesa “A construção social das ideias” e esteve ao lado dos também professores Ladislau Dowbor e José Arbex Jr., dos cursos de economia e de jornalismo da PUC-SP respectivamente.
Castelo lembrou, em sua intervenção, que Marx escreveu para jornais como a Gazeta Renana, a Nova Gazeta Renana e o New York Daily Tribune. Em entrevista ao NPC, o professor, que também é dirigente sindical da Adunirio, ressaltou que, apesar de ser um trabalho assalariado, o jornalismo de Karl Marx foi militante, a serviço da classe trabalhadora. E defendeu que jornalistas também se enxerguem como produtores de conhecimento, e não apenas difusores.
Por Sheila Jacob – NPC
Uma das primeiras ideias apresentadas em sua fala foi aquela famosa frase de Karl Marx, que diz que “as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante”. Apesar de dita no século XIX, você acha que permanece atual?
Sim, continua válido em pleno século XXI. As ideias dominantes hoje em dia ainda são as ideias da classe dominante, tendo em vista que elas controlam tantos os meios de produção da ideologia quanto os de difusão. E estes estão cada vez mais concentrados em grandes oligopólios do capital financeiro. Uma coisa interessante que eu tentei resgatar na minha apresentação foi que os trabalhadores fazem, desde seu nascer enquanto classe, movimentos para romper com esse monopólio das ideias. Devemos resgatar sempre as resistências a essa dominação do capital, principalmente os momentos em que nós, da classe trabalhadora, nos colocamos na cena política na ofensiva, e colocamos eles na defensiva. São momentos raros, as chamadas “revoluções”, que muitas vezes não fracassam, mas são derrotadas pela “contrarrevolução”, ou “revolução passiva”.
É tarefa dos trabalhadores, desde aquele tempo até hoje, produzir essa resistência. A perspectiva foi resgatar isso desde o Marx, como um dos primeiros sinais dessa luta contra o monopólio do saber formal que a burguesia ou os sistemas feudais detinham. Embora hoje em dia temos visto um desmonte dos nossos aparelhos de formação política e até mesmo de comunicação em nossos sindicatos e partidos políticos, ainda há embriões de resistência importantes.
Você apresentou para os participantes do 20º Curso Anual do NPC uma face pouco conhecida de Karl Marx, que é sua atuação como jornalista. Pode falar um pouco mais sobre esse assunto?
A primeira questão é que o jornalismo foi uma fonte de sobrevivência para o Marx. Ele dizia que não há consciência se não houver matéria física. Mas ele sempre conjugou essa necessidade biológica com os interesses da sua fantasia, ou seja, da sua consciência. Ele trabalhava como jornalista sim, mas num jornalismo militante. Era, portanto, um trabalho assalariado, mas não alienado. Muito pelo contrário: a serviço da classe trabalhadora.
Um segundo elemento que quis trazer foi o esforço que ele fazia para se comunicar com a classe trabalhadora sem rebaixá-la, tanto na sua linguagem quanto no seu conteúdo. Ele tem uma frase interessante: “a linguagem é a prática da consciência”. Para ele, portanto, a forma é estratégica. É ela que vai fazer com que o conteúdo ganhe vida para além da mente dos intelectuais. E pensou nisso sem fazer um curso formal. Podemos dizer que a faculdade de Marx foram os jornais do movimento operário, o contato com os trabalhadores onde ele dava palestras etc.
O que você quer dizer com rebaixar?
Sem subestimar os trabalhadores e sem deixar de falar o que era necessário só porque era uma novidade. Ele partia do conhecimento dos trabalhadores, mas não se limitava a isso. Sabia que tinha que ir além, levar o novo.
Ao falar sobre os aparelhos privados de contra-hegemonia, você lembrou do NPC. Pode explicar melhor essa relação?
A que o NPC se propõe? A ajudar na produção não somente de um novo jornalismo, mas de novos jornalistas. Ou seja: a formação de intelectuais que entendem qual é sua função social e que as ideias não são neutras. Elas sempre têm um lado na luta de classes. Em relação aos jornais tradicionais que ainda se colocam como neutros, é interessante lembrar o que dizia a Joan Robinson. Segundo ela, nada mais ideológico do que a ideia que afirma que não tem ideologia. O NPC não somente explicita que o jornalismo que está ao lado dos dominantes tem um interesse, como diz que os jornalistas ligados aos interesses das classes populares devem buscar, da forma mais objetiva possível, produzir conhecimento a favor de uma classe e contra outra. Esse é um trabalho sistemático de formação profissional, com dimensão técnica, mas também de discussão do conteúdo de classe. Para além disso, o NPC tem tido um trabalho permanente, que vai além dos cursos anuais. Vito, Claudia e outros companheiros estão sempre indo aos sindicatos no Brasil inteiro para fazer trabalho de formação. Além disso há a produção de agendas de divulgação da cultura da classe trabalhadora, das revoltas brasileiras, da luta dos subalternos, da América Latina, das mulheres… Há ainda a produção de cartilhas sobre o 1º de maio, o 8 de março e estou torcendo para vir uma sobre o 20 de novembro, por exemplo. É a isso que o NPC se propõe: conquistar o mundo. E espero que continue se propondo e lutando por isso por outros 20 anos e muito mais.
Quais você acha que podem ser as lições de Marx para os jornalistas sindicais de hoje?
Vou recorrer agora ao Gramsci, que falava do jornalismo integral. É importante pensar que o jornalista é produtor de conhecimento, e não somente reprodutor. Me parece fundamental os jornalistas se entenderem enquanto intelectuais, produtores e difusores de conhecimento. A exemplo dos professores, os jornalistas também poderiam lutar por uma carga horária que garanta os estudos na rotina de trabalho, para não ficar dependente de quem produz. Como nós vimos, a Academia não é o espaço de produção de conhecimento necessário para a luta contra-hegemônica que queremos empreender aqui no Brasil. Então são necessários outros espaços de produção de conhecimento, e os jornalistas são fundamentais nesse processo.
Fonte: Blog do 20º Curso do Núcleo Piratininga de Comunicação