Brasil é exemplo no combate ao trabalho infantil

No município do Cabo de Santo Agostinho – a 41 quilômetros de Recife – até meados da década passada era muito comum encontrar ao longo das rodovias famílias inteiras caminhando para os engenhos, com meninos de seis e 15 anos que iam cortar cana. Josenildo Francisco dos Santos, 16 anos, aluno da 5ª série do ensino fundamental, não gosta de falar do trabalho na enxada, no engenho São Salvador. Muito timidamente ele fala que já cortou cana com a família ajudando o pai, mas deixou o serviço desde que foi incluído no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), revelam Cássia Almeida e Letícia Lins.
O menino não gosta de lembrar “daquela época”. Reclama das dores nas costas que o trabalho na enxada ainda provoca. “Muitos meninos já trabalharam no corte de cana, mas hoje têm vergonha de dizer”, afirma ele.
Essa situação deixou de ser realidade para Josenildo e para mais de três milhões de crianças e adolescentes de 5 a 14 anos nos últimos 15 anos. Em 1992, 13% dessa faixa etária estavam no trabalho. Em 2008, essa parcela caiu para 5%. Mantida essa velocidade na redução do trabalho infantil, em 25 anos serão 340 mil frente ao 1, 7 milhão de hoje, segundo Ricardo Paes e Barros, autor do estudo inédito que será publicado no Boletim de Mercado de Trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), este mês.

Queda da pobreza respondeu por 20% – Em outro ponto do estudo, os pesquisadores — o trabalho é feito em parceira com Rosane Mendonça, professora da UFF — constataram que a redução da pobreza respondeu por apenas 20% da queda do trabalho infantil em 15 anos. “Mesmo no Nordeste, com pais analfabetos, houve redução do trabalho infantil. As políticas específicas como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e as condicionalidades impostas pelos programas de transferência de renda, como Bolsa Família, que exige a frequência à escola, foram mais eficazes para tirar as crianças do trabalho”, diz Paes e Barros.
Apesar de ter um ritmo menor na redução do trabalho infantil em comparação com a América Latina, o Brasil tem a quarta menor parcela de crianças no trabalho no continente. E comparando o Brasil com países que têm a mesma renda per capita, o trabalho infantil deveria atingir 7% das crianças nessa idade. “Isso significa que o Brasil é mais eficiente que países com a mesma renda no combate ao trabalho precoce”, explica Paes e Barros. E essa velocidade do Brasil em tirar as crianças do trabalho deve aumentar, segundo Mendes, da OIT.
Ele informou que, na última semana, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de emenda constitucional que torna obrigatório o ensino de 4 a 17 anos: — Será uma diferença gigantesca no combate ao trabalho infantil. O projeto tem boa aceitação também no Senado. Essa é uma pendência do Brasil com a OIT. Quando o país ratificou a convenção 138, que estabeleceu 16 anos como idade mínima para trabalhar, e se comprometeu a aumentar a frequência escolar obrigatória.
Mendes, porém, afirma que o ritmo diminuiu desde 2000. Para ele, a resposta está em outra conclusão do estudo de Paes e Barros. Essas crianças trabalhadoras representam o núcleo mais difícil de combater: na agricultura, nas casas das famílias — o trabalho infantil doméstico foi incluído na lista de piores formas de trabalho — e na informalidade urbana.

Mais trabalho entre pobres e negros – Paes e Barros constatou que nos grupos socioeconômicos mais vulneráveis, a prevalência do trabalho infantil é de 20%, cerca de quatro vezes a média nacional. Neste grupo no qual a chance de a criança trabalhar é maior, “71% das crianças são negras, contra 58% na população total; 69% vivem em áreas rurais, contra 18% na população total; 68% vivem na região Nordeste, contra 33% na população total. Além disso, neste grupo de alta incidência do trabalho infantil, a renda per capita é apenas 44% da média para todas as famílias com crianças”.
Erivaldo Ferreira, com 18 anos, era atendido pelo Peti até os 16 anos e ainda tenta esquecer os tempos do corte de cana em Pernambuco: “Trabalhei como clandestino. Nunca vou esquecer. Todo dia tinha dor na coluna e no braço”.

Matéria de Cássia Almeida e Letícia Lins