BNCC: Desconfiem de Dias “D”

Em setembro de 2016 a comunidade educacional brasileira foi surpreendia com a edição da Medida Provisória 746/2016 que instituiu a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, alterou a LDB 9.394/6 e a Lei n.º 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Medida Provisória ilegítima pois não se promove alteração na LDB por essa via e também porque não refletiu o consenso necessário dos diversos atores sociais envolvidos na educação nacional.
Como conversão da MP, a Lei 13.415 de 16/02/2017, instituiu a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral e vinculada a essa política, a elaboração de uma Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio (BNCC), expressão mais recentemente elaborada de apropriação por grupos empresariais privados da gestão educacional, mais precisamente no que a escola tem de essencial – o conhecimento a ser trabalhado e sistematizado por meio do currículo escolar. Currículo que deve ser compreendido a partir da relação indissociável com a formação como experiência cultural e como processo de empoderamento de valores, saberes e culturasinvisibilizadas historicamente por padrões educacionais homogeneizantes.
É importante recuperar, que no Distrito Federal havia no ano de 2014, encaminhamentos da SEEDF/EAPE/UnB para se viabilizar o debate da BNCC, articuladamente ao Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (PNEM), que contemplaria a discussão da Base na formação continuada dos professores nos espaços da coordenação pedagógica. Esse processo foi interrompido, assim como o próprio PNEM, expressando a falta de abertura e disposição do governo federal em dialogar com os professores, sem os quais não se faz mudança alguma, muito menos reformas impostas! No debate da BNCC os professores foram substituídos por representantes dos interesses da privatização educacional. Não podemos esquecer também, que isso tudo, ocorre após a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. Isso significa que, no momento que deveria ser de cumprimento do PNE, passamos a ter retrocessos significativos na agenda e nas políticas públicas educacionais, envolvendo financiamento, avaliação, gestão, formação de professores e currículo.
Por quê agora um dia “D” para discussão de um documento extenso, polêmico e complexo como a BNCC do Ensino Médio? Nós sempre desconfiamos de dias “D”. Esses são usados como mecanismos para camuflar as reais intenções dos governantes na implementação de políticas públicas. Por outro lado, é fato, que a resistência dos educadores, entidades representativas, universidades e outras organizações progressistas da sociedade civil repercutiu na decisão “política” de anunciar um dia para discussão do texto da Base. Portanto, em que pese, a nossa desconfiança, entendemos que precisamos aproveitar esse tal dia “D” para denunciar os equívocos da BNCC, mas também para anunciar o que pensamos sobre a educação do nosso país.
Comecemos pelo questionamento sobre o porquê do interesse dos reformadores empresariais na educação básica pública. O Censo MEC de 2017, indica que mais de 80% das matrículas da educação básica estão concentradas no setor educacional público, e esse é um espaço disputado pelo setor privado mercantil e neoconservador. E precisamos ficar bem atentos, pois os empresários da educação não querem apenas lucrar mais, caso tenham sucesso na inversão do percentual de matrículas a favor do setor privado, o que por si só já seria um absurdo. Sim, pois o que está em jogo no debate da BNCC é a disputa pelo conteúdo da educação para um grupo significativo da população. Essa é uma disputa por projeto de educação e de sociedade para a qual se tornam funcionais o que se prevê na Base Nacional Comum Curricular. Por isso, a preocupação em definir competências gerais, competências dos componentes curriculares, recuperando a “velha pedagogia das competências”, o reforço à dualidade histórica de educação para a elite e educação aligeirada para os grupos populares, maioria nas instituições públicas.
Enfim, devemos aproveitar o dia 02 de agosto para reforçar a concepção de educação como ato político, em que a escola, como espaço de contradições e tensões, tem seus limites e potencialidades marcadas pela luta de classes que se dá no seio da sociedade em seu conjunto, onde a resistência passa a ser a palavra de ordem, notadamente em tempos de avanço de forças conservadoras como os que vivemos hoje, no Brasil. Desconfiem de dias “D”!
Edileuza Fernandes Silva
Professora da Faculdade de Educação – UnB
Francisco José da Silva
Secretaria de Educação – EAPE