Tema da redação do Enem retrata a desigualdade de gênero no país

Um problema social histórico de um país tão desigual quanto o Brasil é a invisibilidade das horas dedicadas ao trabalho doméstico e ao cuidado dos(as) filhos(as) por parte das mulheres, que é quase o dobro em relação aos homens, de acordo com a PNAD/IBGE (24 horas e 30 minutos semanais contra 13 horas e 24 minutos).

Esta invisibilidade afeta a participação econômica das mulheres e perpetua a desigualdade de gênero e de classe. É ótimo o Enem ter jogado luz para esta questão, sendo o tema da prova de redação da edição de 2023 (“desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”), para reacender o debate e que os homens cada vez mais tenham ciência de que cuidar da casa e dos(as) filhos(as) é trabalho e é algo que eles também precisam assumir, mas infelizmente é algo normalizado apenas para as mulheres.

“Fiquei muito feliz com o tema da redação. Ele é muito importante para as meninas, para as estudantes e para as mulheres brasileiras, porque ele fala de um trabalho invisibilizado, não remunerado, que todas nós vivemos desde a infância. Começamos desde cedo a ter pequenas obrigações, que só vão aumentando durante toda a vida. De secar a louça, colocar água na geladeira… Depois lavamos a louça, limpamos o banheiro… Quanto mais a mulher cresce, mais obrigações ela tem. E isso tira dela o tempo dela, inclusive de formação escolar. Enquanto o menino tem todo o tempo, toda a tarde livre para estudar e a noite para o lazer, a menina precisa dividir o tempo dela”, diz Mônica Caldeira, diretora do Sinpro em Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras .

Desde a infância, enquanto meninos se divertem com brinquedos de ação e aventura, as meninas já brincam de mamãe, dona de casa, cuidando de uma boneca (filha), espelho de uma sociedade machista e patriarcal. “Nós temos alunas que não vão para a escola quando o irmãozinho não tem creche, porque a mãe quando tem que trabalhar tem que deixar a filha mais velha com o irmão mais novo”, afirma a diretora.

Para ela, “é importante refletir que este trabalho invisibilizado mantém uma estrutura econômica e social do Brasil. Porque para poder trabalhar e estudar, os homens têm alguém para fazer alguma coisa para eles e esse alguém é uma mulher. Então esse valor que a gente dá pras profissões produtivas, que desenvolvem a economia do país, a base da ocupação destas pessoas tem sempre uma estrutura de uma mulher no trabalho de cuidados, fazendo a comida, limpando a casa, cuidando de quem fica doente. O trabalho de cuidados é a base que sustenta o trabalho no Brasil e as estudantes estão inseridas nisso”. 

O Brasil carece de políticas públicas para reconhecer e dar valor ao trabalho de cuidado, seja dos filhos, dos pais, ou de quem mais necessite, assim como mais creches para que as crianças tenham onde ficar. Em maio, o Governo Lula lançou o Grupo de Trabalho Interministerial, que é coordenado pelos Ministérios do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome  e também pelo Ministério das Mulheres. É um importante passo para a criação de uma Política Nacional de Cuidados. O Brasil precisa corrigir esta grave distorção social.

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