SUS chega aos 35 anos como símbolo de equidade, cidadania e justiça social

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O Sistema Único de Saúde (SUS), que completou 35 anos em 19 de setembro de 2025, é hoje um dos maiores e mais complexos sistemas públicos de saúde do planeta. Sua trajetória reflete uma transformação profunda de um modelo restrito e excludente para a consolidação da saúde como direito universal e dever do Estado.

“O SUS, hoje, é a maior política pública do Brasil. Ele está presente em tudo, desde a água que bebemos até um transplante de órgãos. Não é só consulta médica, é todo um sistema que beneficia todos os brasileiros e brasileiras, de forma direta ou indireta. Hoje 76% da população — mais de 150 milhões de pessoas — dependem diretamente do SUS para consultas, exames, tratamentos e internações”, contouMauri Bezerra, diretor-executivo do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (Sindsaúde-SP) e secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social da CUT (CNTSS-CUT).

Esse alcance, no entanto, foi resultado de um processo histórico marcado por embates políticos, pressões sociais e crises econômicas que expuseram as limitações do antigo modelo previdenciário de saúde.

Um país em colapso

No início dos anos 1980 o Brasil atravessava uma conjuntura dramática. O fim do “milagre econômico” e a crise do petróleo empurraram o país para uma recessão profunda, com inflação superior a 200%, desemprego em massa e dívida externa crescente. A deterioração da infraestrutura atingiu em cheio os serviços públicos, entre eles a saúde, ainda longe de ser universal.

Embora, à época, houvesse avanços científicos como a produção nacional da vacina contra o sarampo, persistiam deficiências graves no campo da saúde, com doenças negligenciadas como leishmaniose visceral e Chagas, que seguiam endêmicas.

Em 1986, o surto de dengue foi classificado pela revista Súmula como uma “epidemia anunciada”, consequência direta da falta de políticas preventivas.

Paralelamente, especialistas apontavam problemas estruturais: uso indiscriminado de antibióticos, explosão de cesarianas, infecções hospitalares em alta e desnutrição infantil alarmante.

Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) chegou a mostrar como a recessão afetava especialmente os mais pobres, escancarando o contraste entre o avanço da medicina e a incapacidade do Estado em oferecer atendimento básico.

A crise era múltipla — econômica, sanitária e institucional. O país chegava a um impasse: reformar o sistema de saúde ou aprofundar desigualdades históricas.

O caminho para o SUS

O embrião do SUS surgiu no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), criado em 1977, ainda sob a ditadura militar. Restrito a trabalhadores formais e financiado por contribuições previdenciárias, o modelo acumulava críticas de exclusão, burocracia e corrupção.

A concentração de recursos nas regiões industrializadas acentuava desigualdades regionais. Em 1985, denúncias de desvios bilionários em hospitais expuseram a falência do sistema.

A resposta, a esse turbilhão de desalento, veio, em 1986, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, considerada uma “pré-Constituinte da saúde”. Foi nesse encontro que se consolidou a defesa do atendimento universal, da descentralização da gestão e da participação social.

A construção institucional

A criação do SUS não se deu de forma imediata, mas em etapas articuladas entre sanitaristas, gestores e movimentos sociais:

  1. Constituição de 1988 – O Movimento da Reforma Sanitária conseguiu incluir o artigo 196, que reconheceu a saúde como direito de todos e dever do Estado, base legal para o novo sistema.
  2. Lei nº 8.080/1990 – Regulamentou a promoção, proteção e recuperação da saúde, instituindo oficialmente o SUS.
  3. Extinção do Inamps em 1993 – Pela Lei nº 8.689, suas funções foram transferidas ao SUS, sob coordenação do Ministério da Saúde.
  4. Princípios estruturantes – Universalidade, integralidade e equidade, aliados à descentralização da gestão, tornaram-se pilares do novo modelo.

“O SUS nasceu de muitas lutasde médicos, trabalhadores e da sociedade. É uma conquista do povo brasileiro. Hoje é considerado um dos sistemas de saúde mais completos do mundo, baseado em três princípios: atender a todos, oferecer cuidado em todas as áreas da saúde e dar mais atenção a quem mais precisa”, disse Mauri Ribeiro.

O legado

Desde a Constituição de 1988o Sistema Único de Saúde (SUS) consolidou-se como um dos pilares da democracia brasileira. Criado no contexto da redemocratização, transformou a saúde em direito de cidadania, garantindo acesso universal e elevando-a à condição de direito humano fundamental. Essa estrutura rompeu com a lógica de privilégio e passou a sustentar a dignidade e a inclusão social como valores centrais da instituição.

Além do acesso amplo, o SUS incorporou a participação popular por meio de conselhos de saúde em diferentes níveis, mecanismo que fortalece o controle social e aproxima a gestão pública da população. Também introduziu o princípio da equidade, que busca corrigir desigualdades sociais e regionais Mais do que serviços médicos, o SUS representa o dever do Estado de assegurar a saúde coletiva e de proteger a vida, reafirmando a democracia ao ampliar direitos, garantir justiça social e promover inclusão.

Enfim, ao longo de 35 anos, o SUS consolidou-se como referência de cidadania e justiça social, responsável por serviços que vão da atenção básica a procedimentos de alta complexidade. Mais do que memória institucional, revisitar sua história é reafirmar a importância de um sistema que, apesar dos desafios, permanece como símbolo de direito democrático.

Na próxima reportagem, vamos detalhar os avanços alcançados durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Roussef, com o Programa Mais Médicos e os desmontes ocorridos nas gestões de Michel Temer (MDB-SP) e Jair Bolsonaro, chefe da quadrilha, como chamou o Supremo Tribunal Federal (STF), da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

Fonte: CUT