Sem monitores, estudantes com necessidades educacionais especiais têm sensação de abandono

Ausência de monitores é um dos principais problemas impostos à comunidade escolar neste ano letivo. Ao mesmo tempo, 14 mil profissionais desse segmento aprovados em concurso público aguardam ser chamados. A Secretaria de Educação do Distrito Federal reconhece o déficit, os prejuízos que ele causa e concorda com as reivindicações de pais e profissionais do magistério. Mas não age. A situação imposta aos estudantes com necessidades educacionais especiais (ENEEs) e seus familiares gera uma sensação de abandono nunca antes percebida na história do DF. É o que relatam ao Sinpro-DF mães, pais e responsáveis desses estudantes.

Dados da própria SEEDF divulgados pelo portal Metrópoles dão conta de que o sistema público tem 15.927 ENEEs, que são atendidos por 571 monitores e 2.667 educadores sociais voluntários (ESVs) neste ano letivo – em 2021, eram 4.482 ESVs.

A ausência de profissionais para auxiliar estudantes leva o caos completo ao chão da sala de aula do DF. Muitas mães e pais não têm outra saída a não ser deixar os filhos em casa, o que gera perdas pedagógicas, muitas vezes, irrecuperáveis.

Numa escola de Sobradinho, uma professora temporária cuja filha, aluna na mesma escola, tem síndrome de Down conta que a direção solicitou à regional de ensino 13 monitores para cuidar de 32 crianças e jovens com necessidades educacionais especiais. A escola tem apenas três monitores, que precisam se desdobrar com tarefas como trocar fralda e fazer higienização dos alunos, acompanhar as crianças e jovens ao banheiro e dar de comer e beber. “Sou professora de classe especial que também precisa de monitor, e o monitor que atua comigo é constantemente requisitado por outras turmas”, reclama.

Embora o trabalho dos educadores sociais voluntários seja extremamente relevante no dia a dia da escola, principalmente naquelas com alunos com necessidades educacionais especiais, as famílias argumentam que o mais adequado é o acompanhamento dos estudantes por monitores.

A moradora de Sobradinho Cléo Bohn relata que os educadores sociais voluntários trabalham na escola de sua filha até as 17h, mas as aulas vão até as 18h. Nesse intervalo, a menina de 12 anos, com Down, e a coleguinha, com Down e transtorno do espectro autista, ficam sem monitoramento. “Precisamos de monitores, e não de voluntários. Os monitores criam vínculos com a escola, os alunos e as famílias”, diz Cléo.

“Os educadores sociais voluntários estão submetidos a relações de trabalho precarizadas. Eles não são remunerados, recebem apenas ajuda de custo. Não há vínculos, tampouco obrigações trabalhistas nem do empregador em relação ao empregado, nem do empregado em relação ao empregador. Se um ESV, por algum motivo, não puder ir trabalhar, a escola fica desamparada. É triste perceber que esses profissionais poderiam ser concursados e criar vínculos com escola, colegas de trabalho, estudantes e famílias. O trabalho desenvolvido por essas pessoas é essencial, mas a situação imposta a elas e, consequentemente, à comunidade escolar, é completamente inadequada”, afirma a diretora do Sinpro Luciana Custódio.

T21 desamparados
Estudantes com síndrome de Down (T21) apresentam diversos níveis de dependência de monitores. Há desde o caso de crianças muito pequenas que ainda usam fraldas e não conseguem abrir a mochila ou comer sozinhas, até os que possuem algum grau de independência.

O filho de Eliane estuda num jardim de infância do Guará. O menino tem quatro anos e está em uma turma de educação infantil superlotada, com outros 18 coleguinhas. São quase 20 alunos em sala. O filho de Eliane tem T21, e outros dois coleguinhas de turma têm transtorno do espectro do espectro autista. Na primeira semana de aula, diante do excesso de estudantes, a professora não percebeu que o menino queria ir ao banheiro, e só viu o que aconteceu quando ele já estava todo sujo.

“Meu filho voltou pra casa limpo, mas a prova do descaso do governo para com ele veio num saco plástico amarrado, dentro da mochila dele: sua calça toda suja”, reclama a mãe, que entende que o corpo docente da escola não deve ser responsabilizado pela situação: “a professora não consegue realizar um bom trabalho com as salas cheias. Ou auxilia os alunos com deficiência ou dá atenção aos outros alunos”.

TEAs sem acompanhamento
Estudantes dentro do transtorno do espectro autista estão sem monitores, e muitos se ressentem disso. É o caso do filho de Mirian Silva, aluno do ensino médio da regional de Ceilândia. “Todos os dias ele me pergunta o porquê de não ter uma pessoa para auxiliá-lo, pois não conhece ninguém.”

Mirian cobrou na ouvidoria do GDF a presença de um monitor de turma capacitado para acompanhar o filho. Na resposta, a ouvidoria não falou em monitores, mas em educadores sociais voluntários. O GDF afirma à mãe: “o quantitativo de ESV para atender aos estudantes da Educação em Tempo Integral, da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e da Educação Especial, matriculados na Coordenação Regional de Ceilândia, é de 481. A regional de ensino é composta por 97 unidades escolares e o número de educadores não é suficiente para a demanda”.

A resposta da ouvidoria reconhece a necessidade do estudante, mas afirma categoricamente que “não tem como suprir essa necessidade em virtude de não ter banco reserva”, e que a escola do rapaz não foi contemplada “por seus estudantes não fazerem parte do público alvo” estabelecido em portaria específica.

Mirian acionou a Promotoria de Educação (Proeduc) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que lhe avisou que “não atua de forma individual e as questões referentes ao assunto serão tratadas no âmbito coletivo”.

Estratégia de Matrícula e consequências
Além de impor a superlotação das salas de aula, a Estratégia de Matrícula de 2022, elaborada unilateralmente pela Secretaria de Educação, não previu a destinação de nenhum profissional auxiliar (monitor ou ESV) para estudantes de ensino médio neste ano letivo. Isso exclui o acompanhamento dos estudos do Karlos Henrique, de 17 anos, que foi para o CEM 01 de São Sebastião cursar o primeiro ano do Ensino Médio, e ainda não tem monitor. Por isso, ainda não conhece a escola nova.

Karlos Henrique tem hidrocefalia e mielite. É cadeirante, tem dificuldades para escrever, e seu laudo recomenda “adequação de grande porte”. O chão defeituoso da escola faz com que a cadeira de rodas do rapaz trave numa das canaletas, o que já lhe causou uma queda. Por isso, ele se recusa a movimentar sua cadeira sem auxílio de um monitor.

A mãe de Karlos Henrique, Sinharinha Lopes, é também professora da rede pública do DF. Ela traz na ponta do lápis todas as leis que garantem os direitos de seu filho e dos outros quase 16 mil estudantes do DF com algum tipo necessidade educacional especial, o que inclui a presença de profissional especializado no suporte necessário às necessidades dos alunos.

De fato, não é por falta de lei que estudantes brasileiros não são amparados. Da Constituição Federal até o Plano Nacional de Educação, passando pela Lei Brasileira de Inclusão, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB), toda a legislação brasileira ampara e garante ao(à) estudante brasileiro(a) com necessidades educacionais especiais uma série de direitos de inclusão e socialização. Mas a Secretaria de Educação do Distrito Federal parece ignorar a lei. Por isso, Sinharinha diz que é “lei morta”. “As aulas começaram dia 14 de fevereiro, e meu filho ainda não conhece sua escola nova. Não posso enviá-lo para a aula sem monitor”.

Esforço sobre-humano
A Secretaria de Educação do DF aponta carência de 3 mil monitores nas salas de aula do DF, mesmo com 14 mil monitores aprovados em concurso público, válido até 2023, aguardando convocação.

Diante do cenário, professores de Salas de Recurso são obrigados a se dividir entre duas escolas. É o caso de Jessika Valentine, que trabalha na regional de Planaltina. De manhã, ela responde pela Sala de Recursos do CEF Rio Preto, onde cuida de nove alunos até as 11h30. Às 12h30 começa seu turno como professora de Artes do CEF São José, que fica a 20 Km do Rio Preto. Jessika deve percorrer 20 Km e almoçar em menos de uma hora. “Como profissional da Sala de Recursos, eu deveria ficar na escola à tarde para ajudar os professores em coordenação com adaptação de atividades e adequação curricular, por exemplo, mas sou obrigada a me deslocar a outra escola”, reclama.

O cenário dramático que prejudica o conjunto de estudantes com necessidades educacionais especiais e suas famílias é condenado pelo Sinpro-DF. A diretora do sindicato Luciana Custódio lembra que “a legislação garante a inclusão e a socialização de todos e todas, mas a Secretaria de Educação parece não entender isso”. “Aos estudantes, resta a sensação de abandono; aos profissionais concursados, resta o esgotamento físico e mental com a sobrecarga de trabalho. Aos pais e mães, fica o desalento e o desamparo do poder público”, lamenta.

Assembleia
O Sinpro-DF continua insistindo com o governador Ibaneis Rocha a apresentação de soluções aos problemas da educação, como o déficit de monitores. Esse e outros temas, como a recomposição salarial, a superlotação das salas de aula, a realização de concurso público para a carreira do magistério e a insuficiência do número de escolas serão tratados em assembleia geral com paralisação no dia 27 de abril, com possibilidade de antecipação.