Saúde da mulher, exploração sexual e aborto: o Brasil precisa rever suas políticas

O enfrentamento pouco efetivo de temas como aborto, exploração da prostituição e acesso à saúde vem tornando o Brasil um país mais atrasado no âmbito internacional em relação aos direitos da mulher, contribuindo para a manutenção da desigualdade de gênero. Em relatório do Comitê da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Descriminação contra a Mulher (Cedaw), da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em fevereiro, foi constatado que o país pouco avançou nesse sentido e seguiu pouquíssimas recomendações da organização.
A Cedaw foi aprovada pela ONU em 1979 e, desde então, estabelece recomendações aos países em relação aos direitos da mulher e avalia o cumprimento dessas recomendações. Em 2014, o Brasil esteve reunido com a ONU e fez sua prestações de contas. Na ocasião, foram estabelecidos dois temas em especial para que o país se pronunciasse a respeito: tráfico de mulheres e exploração da prostituição e saúde da mulher, que inclui questões como o aborto.
Um comitê de monitoramento foi formado e avaliou essas questões no país ao longo de dois anos (2013 e 2014), com os resultados sendo apresentados em relatório no mês de fevereiro. A conclusão que se pode chegar ao analisar as recomendações é: o Brasil ainda é pouco eficiente na discussão e implantação de políticas públicas voltadas para as mulheres.
Tráfico de mulheres e exploração sexual: sem informação não há política
“Considere adotar uma lei abrangente contra o tráfico de pessoas a fim de assegurar que os responsáveis sejam julgados e as vítimas adequadamente protegidas e assistidas”, diz uma das recomendações da convenção. Para o comitê, o país implementou “parcialmente” a recomendação. Foi reconhecido o fato de que foram realizadas duas Comissões Parlamentares de Inquérito sobre o tema e que, na ocasião, foi instituída a lei 479/2012, que dispõe sobre a prevenção e punição ao tráfico interno e internacional. A lei, no entanto, não é abrangente e a falta de informação contribui para a carência de políticas eficazes.
“O país conseguiu dar algumas respostas, fez duas CPIs, construiu um comitê nacional…. Mas consideramos que ainda falta uma lei abrangente que vá ao encontro com a legislação internacional. A falta de dados estatísticos que possam dar a dimensão do problema dificulta a criação de políticas públicas”, afirmou Telia Negrão, jornalista, mestre em Ciência Política e membro do comitê de monitoramento.
“Uma grave cobrança que fazemos também é em relação ao treinamento para a identificação dos problemas do tráfico. Os agentes não estão adequadamente preparados para fazer esse trabalho”, completou.
Saúde da mulher: população pobre é sempre a mais atingida
A convenção da ONU prevê que o Estado invista em mecanismos para garantir o acesso da mulher à saúde e, assim, reduzir a mortalidade materna, por exemplo. Apesar de o país, nos últimos anos, ter reduzido esse número, a meta do milênio, que seria de reduzir essa mortalidade em 15% ao ano, não foi cumprida.
Para Telia Negrão, o maior problema é que as políticas de saúde materna não atingem a população mais vulnerável; isto é, mulheres negras, pobres e periféricas.
“A política nacional para a saúde das mulheres é uma política maternal e infantil, limitada. Não aborda todas as causas que levam as mulheres a morrer e não dá atenção para populações mais vulneráveis. As mulheres continuam morrendo por causas ligadas à gestação, por serem pobres, negras, viverem nas periferias. As mulheres engravidam e abortam e, na medida em que nós temos o aborto proibido, abortam de maneira insegura”, destacou.
Falando em aborto…
Congresso Nacional: a pedra conservadora no sapato de uma política responsável
Outra recomendação prevista na convenção da ONU é a revisão da legislação que criminaliza o aborto, com o intuito de eliminar as disposições punitivas às mulheres e, consequentemente, reduzir a mortalidade causada pelo aborto clandestino, que é uma realidade expressiva.
Neste ponto, não seria nem preciso citar que o país não só não cumpriu a recomendação como vem sinalizando um recrudescimento das políticas atuais relacionadas ao tema, que só visam criminalizar ainda mais a mulher.
“A Comissão está preocupada com os cerca de 30 projetos de lei que estão atualmente ameaçando os direitos das mulheres de interromper a gravidez, e propondo mecanismos de proibição total, com base no aumento da punição”, diz trecho do documento oficial que trata sobre o tema.
Fonte: Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFemea)
Para Negrão, esse tipo de situação só coloca o Brasil em um nível ainda mais atrasado em relação aos direitos humanos, tendo em vista que diversos países do mundo já reconheceram a importância de dar à mulher o que, simplesmente, é seu por direito: a autonomia.
De acordo com a cientista política, a principal pedra no sapato das mulheres no Brasil hoje é um Congresso Nacional cada vez mais conservador. “O presidente da Câmara dos Deputados [Eduardo Cunha (PMDB)] é de um campo conservador – para não dizer fundamentalista – e vem transformando a Câmara em um espaço de cultos evangélicos. Além de estar em franca oposição ao governo, assume um protagonismo de obstáculo para qualquer legislação que venha a ampliar os direitos humanos no campo da sexualidade e da saúde da mulher. Estamos frente a uma situação muito difícil”, reconhece.
Para Telia, que também é militante do coletivo Feminino Plural, a saída, nesse caso, é fazer pressão para que a pauta seja discutida com maturidade no Congresso e alerta para a necessidade de o governo federal articular suas bancadas para priorizar o tema. “Tem havido muita dificuldade na condição de estratégias junto ao Congresso pela falta de aliados que assumam o protagonismo sobre o tema. Hoje, no Brasil, trabalhar a temática do aborto, para os deputados, significa se aproximar de algo demonizado, e isso tira votos”, constatou.
A cientista política pontua ainda que, independentemente dos avanços, situações como essas afetam não só as mulheres mas a sociedade como um todo, que continuará desigual enquanto o empoderamento feminino não for, de fato, uma realidade. “É possível ver um avanço tão importante como o de escolaridade para as mulheres mas que não tem uma correspondência quanto à renda e nem aos postos ocupados pelos homens. Essas situações colaboram para a persistência de um cenário de desigualdade de gênero. Continuamos em uma sociedade injusta”, concluiu.
O relatório completo pode ser conferido aqui.
(Da Revista Forum)