Reforma trabalhista que tramita no Senado legitima “bico”

A regulamentação dos contratos de trabalho intermitentes é um dos pontos polêmicos da reforma trabalhista que agora tramita no Senado Federal como PLC 38/17. A sua implementação no Brasil como lei tornará realidade um sonho do patronato que é poder contratar por períodos de demanda e pagar por hora trabalhada – regime que, invariavelmente, beneficia o empresário e precariza a condição do empregado, além de estimular a rotatividade no mercado de trabalho, um problema já grave no país.
Esta modalidade está prevista no artigo 443 do projeto da reforma. Define trabalho intermitente como a prestação de serviços não contínua, ocorrendo com alternância de períodos e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses. O contrato deve conter especificamente o valor da hora de trabalho e a convocação deve ser feita com pelo menos três dias de antecedência.
Isso somado às mudanças também previstas na Justiça do Trabalho, que impõem dificuldades aos trabalhadores que reivindicam seus direitos junto ao empregador, cria-se um ambiente de vale-tudo nas contratações que vai favorecer o crescimento de empregos de má qualidade e mal pagos. Para os sindicalistas, a medida é uma forma de legitimar o “bico” e deverá se estender a outras modalidades hoje protegidas.
Segundo estudo do advogado Paulo Roberto Fernandes, divulgado pelo jornal Valor, há no projeto “uma flexibilização alarmante do princípio protetor, transferindo os riscos da atividade econômica para o trabalhador”. A modalidade de trabalho intermitente existe em outros países, como Itália, Portugal e Alemanha, mas a legislação contém dispositivos protetivos aos direitos dos contratados. São regulações por faixa etária, categoria profissional, tempo de contrato e intervalo obrigatório entre as contratações.
Na Itália e em Portugal, por exemplo, há a previsão de pagamento de uma compensação pelo período de inatividade e só setores com períodos de maior demanda podem adotá-lo – como o de alimentação e hotelaria. Em Portugal, a legislação prevê que a prestação de serviço não pode ser inferior a seis meses por ano, dos quais pelo menos quatro meses devem ser consecutivos.
“O contrato intermitente é negativo para os empregados com vínculos empregatícios formais, tendo em vista que há um elevado risco de não haver um aumento dos postos de trabalho formais, mas uma simples troca de contratos do art. 2o da CLT por trabalhadores intermitentes, podendo se tornar uma evidente forma de precarização”, anota Fernandes, em seu estudo.
Insegurança
Nenhuma destas medidas protetivas estão previstas no projeto de lei brasileiro, mas ainda há a possibilidade disso ser revisto agora na tramitação no Senado. O professor da Unicamp, Cláudio Dedecca, diz em artigo no Estadão que estudos demonstram que o trabalhador que tem emprego intermitente abandona a função assim que encontra um emprego melhor. “Trata-se de uma insanidade para o trabalhador, principalmente para setores que possuem horários de pico, como transporte urbano e supermercados,”
Na mesma linha, o diretor do Dieese, Clemente Ganz, diz que a proposta legaliza práticas de precarização das condições de trabalho e de flexibilização de formas de contratação, estabelecendo a submissão real e formal dos trabalhadores ao capital. “No limite, o trabalhador ganha por hora trabalhada e ponto – trabalho intermitente, jornada parcial, teletrabalho, home office, terceirização, etc. Saúde e segurança são reduzidas ao custo mínimo e o trabalho explorado ao máximo, com grávidas em locais insalubres, longas horas extras, jornada de trabalho estendida para 12 horas”, afirma.
Para Souto Maior, medidas como o trabalho intermitente, a prevalência do negociado sobre o legislado e a regulamentação da terceirização vão levar as relações de trabalho no Brasil de volta ao século 19. “Teremos empregador negociando com trabalhadores intermitentes e/ou terceirizados que não se socializam, não sindicalizam e vão negociar sem limites legais. A soma disso é o fim total dos direitos”, disse.
(do Portal Vermelho)