Equidade e “qualidade” perpassam os 19 objetivos do Plano Nacional de Educação
Na terceira reportagem da série sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE), o Sinpro destaca dois eixos que estruturam o Plano Nacional de Educação e atravessam seus 19 objetivos: equidade e “qualidade”. O conceito de qualidade que perpassa o texto do PNE, no entanto, ainda levanta discussões e disputa de valores, ao estabelecer relações de consumo, e não cidadania, no processo de educação proposto.
O princípio da equidade atravessa os 19 objetivos do PNE e, pela primeira vez, há metas focadas na redução de desigualdades entre grupos sociais. Pelo menos no papel, até meados da próxima década o Brasil deverá ter todos os seus cidadãos e cidadãs em pé de igualdade educacional, a despeito de e respeitadas todas as suas diferenças.
Na educação infantil, por exemplo, uma das metas é reduzir a desigualdade de acesso à creche pelo recorte de renda. Pela primeira vez, há um objetivo específico no PNE para garantir o acesso e a permanência em todos os níveis, etapas e modalidades na educação escolar indígena, na educação do campo e na educação escolar quilombola. A ideia é assegurar “padrões nacionais de qualidade” nessas modalidades.
O objetivo 10 do PNE prevê a garantia de acesso, permanência, oferta de atendimento educacional especializado de qualidade e aprendizagem dos estudantes público-alvo da educação especial (PAEE) e público-alvo da educação bilíngue de surdos (PAEBS).
Nesse objetivo, há a previsão de atendimento especializado para 80% do público da educação especial em 5 anos, e 100% até o fim do período, e de salas de recursos multifuncionais em 100% das escolas com atendimento de educação especial. Pra crianças surdas, a alfabetização em libras até o primeiro ano, e em português escrito até o segundo ano do fundamental.
EJA e educação profissional em três objetivos diferentes
Mais uma vez, o Plano Nacional de Educação prevê a superação do analfabetismo em 10 anos. No objetivo voltado para a educação de jovens, adultos e idosos (EJA), as metas são universalizar o ensino fundamental e médio para a população entre 15e 29 anos e elevar para 75% o percentual da população maior de 18 anos com ensino médio completo. A EJA deverá atender a 20% da população acima de 18 anos sem educação básica completa, com atendimento de 100% da demanda manifesta, e integração da EJA com a educação profissional para 25% das matrículas em 5 anos, e 50% em 10 anos.
“Mas nada disso é novidade, essa política começou no Brasil em 2007, com a implementação de programas como o ProEJA”, explica a professora Dorisdei Valente Rodrigues, coordenadora do Grupo de Trabalho Pró-Alfabetização (GTPA Fórum EJA).
A meta do atual PNE era de 25% das matrículas da EJA integradas à educação profissional. Em números de 2020, não alcançou nem 2% de cumprimento, de acordo com os dados do Inep.
Na educação profissional, A ideia é expandir a educação profissional técnica de nível médio, integrada ou concomitante, para atender 50% dos estudantes, e elevar para 10% a população de 18 a 24 anos com formação de nível técnico e alcançar 3 milhões de matrículas anuais em cursos de qualificação profissional de curta duração (160h).
A EPT é tema de dois objetivos do PNE. O Objetivo 13 prevê “qualidade e adequação” da formação às demandas da sociedade, do mundo do trabalho”. Um conceito de qualidade relacionado a padrões de excelência que atendam a demandas de mercado.
Qualidade da educação: conceito em disputa
O que o Plano Nacional de Educação entende por “qualidade”? É um conceito que pressupõe uma relação social entre instituições e cidadãos, como prevê a Constituição Federal nos 10 artigos que tratam da educação, ou é um conceito corporativo, empresarial, que pressupõe “fornecedores e clientes” numa relação em que o dinheiro tem poder superior sobre todos?
“A proposta de PNE que tramita na Câmara Federal não adotou integralmente as orientações da Conae 2024, e assim temos em disputa no país dois projetos sobre o conceito de qualidade da educação. De um lado, a qualidade socialmente referenciada, defendida desde a Conae 2010. Esse conceito tem base em valores constitucionais, por entender que, uma vez determinado por lei que a educação é um direito de todos os cidadãos e cidadãs, a qualidade deve pressupor a plena equidade, inclusão social e sustentabilidade. O outro conceito, importado do chão de fábrica, traz valores empresariais e superficiais, que entendem que o objetivo da escola não é formar cidadãos, mas sim limitar-se a atender às exigências do mercado”, avalia Júlio Barros, coordenador do Fórum Distrital de Educação.
