Perguntas e respostas para entender a crise no Paraná
Submerso em uma crise política, financeira e ética, o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), assiste há 30 dias a uma greve de professores marcada por uma repressão violenta e é ameaçado pornovas denúncias de corrupção em sua campanha eleitoral.
Somado a isso, na segunda-feira 25 um grupo de juristas e professores universitários entregou à Assembleia Legislativa um pedido de impeachment. Entenda a crise em curso hoje no Paraná,os principais atores envolvidos e o que pode vir acontecer com o governo tucano.
Qual é o tamanho da crise no Paraná?
O Paraná vive uma crise financeira sem precedentes. A dívida vencida com fornecedores supera 1,6 bilhão de reais. Para cobrir o rombo, o governador reeleito,Beto Richa (PSDB), tomou uma série de medidas que pesaram no bolso dos paranaenses. Elevou as taxas do IPVA em 40% e aumentou a alíquota do ICMS de 12% para 18% ou 25% em mais de 95 mil itens.
Mexeu ainda no fundo de previdência dos servidores, transferindo um saldo superavitário de 8,5 bilhões de reais para o caixa do governo. O resultado pode ser mensurado pelo índice de inflação no Paraná ─ o maior do Brasil. Segundo o IBGE, em abril, enquanto a média nacional foi de 0,71%, no Paraná a taxa ficou em 1,46%.
Qual é a responsabilidade de Beto Richa nessa crise?
Além dos aumentos excessivos, sua primeira gestão foi ruim em diversas áreas. Na segurança pública, chegou a faltar dinheiro para abastecer as viaturas policiais. PMs foram flagrados nas ruas empurrando carros sem combustível. Em 2014, aconteceram mais de 20 rebeliões em presídios.
A saúde enfrentou sérios problemas: não foi construído um único hospital público em quatro anos. O mesmo se repetiu na educação. Enquanto isso, o governo estourou o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal em função dos aumentos de salário para os cargos comissionados. Nos quatro primeiros anos de governo, o índice de reajustes para os comissionados foi de 349%.
Por que os professores estão em greve?
No projeto enviado à Assembleia Legislativa em fevereiro, Richa propôs o fim de 2,2 mil turmas, principalmente nas áreas rurais, a dispensa de 33 mil servidores temporários, a subtração de uma série de direitos incluídos no Plano de Cargos e Salários da classe e a transferência de 8,5 bilhões de reais da previdência dos servidores para o caixa do governo.
Agora, o governo não quer conceder o reajuste da data-base de 8,1%, de acordo com o IPCA de maio. Propôs 5%, parcelados em duas vezes. Os professores não aceitaram e mantém a greve que já dura quase 30 dias.
Os problemas afetam só os professores?
Não. As medidas atingem todos os paranaenses, mas os servidores sentem mais. O reajuste vale para todos os funcionários públicos. Outras categorias (educação, saúde, agricultura, meio-ambiente, universidades estaduais e agentes penitenciários) começam a engrossar o movimento.
O que aconteceu naquele dia em que mais de 200 pessoas ficaram feridas?
Os professores pressionavam os deputados estaduais a não votar o projeto do Executivo que tratava da questão previdenciária. O número de manifestantes era pequeno, de 6 a 8 mil pessoas. Na ocasião, mais de 2.500 policiais militares, armados com balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio, gás de pimenta e cães, atacaram os manifestantes. Parte da tropa era composta por militares vindos do interior às pressas. Eram policiais de cidades pequenas, totalmente inexperientes e despreparados para enfrentar aquela situação.
Alguém foi punido pelos excessos?
Até o momento os secretários de Segurança, Fernando Francischini, da Educação, Fernando Xavier, e o comandante da Policia Militar, César Kogut, foram demitidos.
Qual é o quadro político no Paraná?
Richa cooptou setores do PMDB e do PDT em troca de favores políticos e, por enquanto, mantém uma base de apoio. No entanto, o desgaste do governo faz que com que essa situação tenha contornos diferentes de quatro meses atrás. Em janeiro de 2015, o bloco de oposição não somava mais do que sete votos na Casa. Na votação das mudanças na previdência, foram 21 votos contrários.
Beto Richa tem apoio do PSDB?
Sim. O governador tem o controle da executiva estadual do partido. A queda de braço pela disputa partidária é com o senador Álvaro Dias, mas Richa tem pleno controle da situação.
O PT e a presidenta Dilma Rousseff têm influência no Paraná?
Dos 54 deputados que integram a Assembleia Legislativa, apenas três são do PT. Em 399 municípios, o partido elegeu 41 prefeitos ─ a maioria em municípios com menos de 30 mil eleitores. O partido, como a presidenta Dilma, sofre o desgaste político pela conjuntura nacional. Assim, a influência de ambos é muito pequena nesse momento.
Qual a posição do prefeito de Curitiba?
O prefeito Gustavo Fruet (PDT) mantém-se alheio às discussões. Em 2012, foi eleito numa coligação com o PT, que indicou a candidata a vice Miriam Gonçalves. Seu ato de maior envolvimento com os fatos que marcam a crise foi transformar o hall de entrada da prefeitura de Curitiba num imenso pronto-socorro no dia em que os policiais atiraram nos manifestantes.
Qual a posição do senador Roberto Requião?
O senador Roberto Requião é um crítico contumaz do governo tucano. Na convenção do seu partido, em 2014, impôs uma derrota ao governador Richa e aos seus adversários internos que defendiam uma coligação com o PSDB. Disputou a eleição para o governo como candidato do PMDB, mas foi derrotado.
Quais devem ser os próximos capítulos desta crise?
Ainda é cedo para qualquer diagnóstico eleitoral visando 2018. A única certeza é que o desgaste do governador Beto Richa é enorme, sem paralelo na história política do Paraná. Em dezembro, 64% dos eleitores paranaenses apoiavam seu governo, mas, em fevereiro, antes de eclodirem as denúncias de corrupção e dos excessos contra os professores, sua rejeição era de 76%. Os candidatos a prefeito de Curitiba que até então brigavam por seu apoio, recuaram. O mesmo deve acontecer em outros municípios do interior do Paraná.
O movimento “Fora Beto Richa” tem força real?
Será preciso aguardar o resultado final das investigações promovidas pelo Ministério Público. Até então, o que havia eram denúncias com evidências de corrupção. Nos últimos dias, um dos auditores presos pelo Gaeco, Luiz Antonio de Souza, em acordo de delação premiada com o MP, afirmou que a campanha para reeleição de Richa recebeu 2 milhões de reais oriundos de recursos extorquidos de empresários e que todo esse esquema de arrecadação era de conhecimento da cúpula tucana.
Souza apresentou ainda uma nota fiscal da compra de material de campanha que não foi declarada à Justiça Eleitoral, o que comprovaria a existência de Caixa 2. Um grupo de sete parlamentares já impetrou na Procuradora Eleitoral o pedido para instauração de inquérito pela Policia Federal.
Qual a posição da Assembleia Legislativa?
O governador ainda mantém o apoio da maioria dos deputados. No entanto, após a repressão violenta dos professores e a negativa em conceder o reajuste de 8,1% aos servidores, Richa viu sua base encolher. Alguns parlamentares que ainda votam com o governo já admitem não aprovar um reajuste menor que o exigido pela data-base, ou seja, de 8,1%.
O pedido de impeachment protocolado por juristas, professores universitários e que conta com mais de 6 mil assinaturas, tem chances reais de acontecer?
A medida está fundamentada na ação da polícia militar contra os professores, ocorrida em 29 de abril, quando mais de 200 servidores foram feridos por bombas de gás lacrimogêneo, pimenta e balas de borracha. Como se trata de um processo político, protocolado junto à presidência da Casa que conta com uma maioria absoluta de parlamentares da sua base de apoio, neste momento as chances da ação ser votada em plenário são pequenas. O presidente da AL, aliado do governador, pode optar pelo arquivamento da matéria.
Mas Richa sofre um enorme desgaste político. Ou seja, à medida que surgirem novas denúncias contra o governo, somada a pressão da sociedade organizada, a base de apoio pode enfraquecer ainda mais. O desenrolar desse processo depende fundamentalmente da pressão popular, que fatalmente irá repercutir no plenário da Assembleia Legislativa.
Por onde anda o primo de Richa que foi preso por corrupção?
Luiz Abi Antoun, o primo de Richa, está em prisão domiciliar por força de um habeas corpus. Nega ter sido favorecido em casos de licitações fraudulentas, assim como sua influência na escolha de amigos para ocupar cargos no governo do Paraná. Mas já foi indiciado como réu pelo Ministério Público. O delator Luiz Antônio de Souza reiterou que Abi está envolvido em todo esse processo de corrupção.
O governador está envolvido em mais algum caso de corrupção ou algo semelhante?
Não há nenhuma prova material ou documental que atinja o governador Beto Richa. A delação premiada do auditor, contudo, poderá trazer novidades. Uma denúncia anônima divulgada pela imprensa na última sexta feira, 22, incrimina a mulher do governador, Fernanda Richa, secretária do Trabalho e Desenvolvimento Social.
Segundo essa versão, ela teria exigido 2 milhões de reais dos auditores fiscais da Receita Estadual para que o governador assinasse o decreto de promoção da classe. Ela, obviamente, nega. No entanto, em uma publicação do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita do Estado do Paraná (Sindafep), de maio de 2014, a classe agradece “o empenho da esposa do governador Beto Richa (PSDB) e secretária da Família e Desenvolvimento Social, Fernanda Richa, nas promoções de auditores fiscais da Receita Estadual”.
Como tem sido a cobertura da crise pela mídia paranaense?
A mídia age segundo os interesses políticos e econômicos. A Rede Massa, afiliada ao SBT, de propriedade do apresentador Ratinho, cujo filho é deputado estadual e secretário de estado, mantêm apoio incondicional ao governador Beto Richa. O mesmo acontece com a imprensa das cidades de pequeno e médio porte do interior, onde predomina a propaganda custeada por verbas oficiais. Em Curitiba, dois jornais diários ligados ao mesmo grupo empresarial dominam praticamente 100% do mercado, além de sete emissoras de televisão afiliadas da Rede Globo em todo o estado. A cobertura diária da mídia tem veiculado os fatos acontecidos, mas os espaços para o debate ou crítica dos problemas estruturais que afetam o Paraná é pouco relevante. Ademais, há uma guerra de bastidores entre os grupos SBT e s afiliada da Rede Globo pelas verbas do governo para a propaganda. A força política do deputado Ratinho Jr faz com que o bolo orçamentário influencie a linha editorialdo grupo RPC/Gazeta do Povo, afinal, por aqui, a fidelidade tem seu preço.
(Da Carta Capital)