PEC 55: o financismo na Constituição

A decisão de enviar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tratar de uma dificuldade conjuntural, com o intuito de encontrar alguma saída para a atual crise fiscal, carrega consigo um significado profundo. Estamos frente a um risco muito mais grave e abrangente do que simplesmente a recomendação de se aumentar ainda mais a já elevada dose de austeridade na condução da política econômica.
A aprovação da PEC 241 pela Câmara dos Deputados e sua renumeração como PEC 55 no trânsito pelo Senado Federal têm o sentido exato de introduzir a lógica de dominância do financismo no interior mesmo do texto de nossa Constituição Federal. Uma sandice! As diretrizes constitucionais mais gerais para o tratamento das contas públicas não estabelecem hierarquia entre os diferentes tipos de receitas ou despesas. Esse tipo de orientação recebeu delegação do constituinte para ser contemplada na legislação infraconstitucional.
Assim, por exemplo, ocorreu no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando ele encaminhou ao Congresso Nacional uma proposição legislativa tratando das finanças públicas, tal como previsto no art. 163 da CF. Após tramitação, a matéria terminou aprovada, em maio de 2.000, sob a forma da Lei Complementar nº 101, – a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Naquele texto, pela primeira vez, foi incorporado como determinação legal um certo procedimento diferenciado para a apuração do resultado das contas públicas.
“Resultado primário” entra na legislação
Ao longo dos 75 artigos da LRF, a expressão “resultado primário” comparece em cinco oportunidades, quase sempre na companhia de seu contraparente – o “resultado nominal”. À primeira vista esse fato pode ser visto apenas como mais uma das múltiplas manifestações dessa nossa busca insana pelo detalhismo e pelo particularismo nas definições legais. No entanto, as consequências graves advindas de tal engessamento merece uma análise mais detalhada. Nesse âmbito, nada costuma ocorrer de forma gratuita ou desatenciosa.
Afinal, colocar o singelo adjetivo “primário” logo depois do substantivo “resultado” guarda implicações muito severas do ponto de vista do resultado da política econômica que se pretende implantar. Isso significa que todo o esforço realizado na obtenção do saldo superavitário entre receitas e despesas públicas não vai se importar com aquilo que venha a ocorrer com os gastos de natureza financeira. Isso, por definição. Pois entende-se por despesa primária toda aquela que não seja do tipo de gasto com pagamento de juros da dívida. As despesas financeiras não entram na lógica da contenção. Muito pelo contrário, elas podem até crescer enquanto os gastos de natureza social são reduzidos. E ponto final.
À época da elaboração da LRF, tal inovação obedeceu às pressões exercidas pelo “establishment” financeiro nacional e internacional para que as prioridades na formulação e condução da política econômica fossem atribuídas à esfera da finança. O objetivo era introduzir no texto de uma lei superior à legislação ordinária a lógica do ajuste conservador e ortodoxo, com a ameaça potencial e latente de responsabilizar criminalmente as autoridades públicas (federal, estadual ou municipal) por eventual desrespeito a tais determinações.
A incorporação da racionalidade subjacente ao conceito de superávit primário como elemento “natural” na abordagem das finanças públicas remonta ao período de eclosão das crises das dívidas externas dos países do terceiro mundo, a partir da década de 1980. Com o aval do FMI e demais organizações multilaterais, os acordos de renegociação das dívidas envolviam os famosos “procedimentos de ajuste”. Era a época de ouro do neoliberalismo e os pressupostos do chamado “Consenso de Washington” se impunham de forma absoluta. Como contrapartida da “ajuda” oferecida, tais entidades financeiras internacionais exigiam um sem número de condições para que os governos dos países endividados lograssem resolver seus respectivos problemas de liquidez internacional.
Prioridade para o sistema financeiro