"Olha o respeito! Valorização do professor não é favor", por Guilherme Perez Cabral
Nesses tempos em que professores que reivindicam direitos apanham da polícia, vale parar e pensar um pouco nas (in)competências do Poder Público, em matéria de valorização do docente.
Valorização que não quer dizer outra coisa senão respeito ao profissional, reconhecendo a importância do papel social por ele exercido. Isso envolve bastante coisa: remuneração digna; condições adequadas para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem; espaço escolar seguro, limpo, sem goteiras, provido de recursos necessários (carteira, lousa, computador, etc.). Demanda tempo para estudar, para preparar aula, para se dedicar aos alunos e às suas particularidades.
Mas a história não é nova. Sempre volta e tem se repetido, ultimamente, de forma preocupante. Temas sociais, ligados ao acesso a direitos fundamentais, são tratados como problema de segurança pública, caso de polícia. Tem se discutido a redução da maioridade penal, enrijecimento de penas, criminalização de tudo. Chamou atenção, dia desses, no Paraná, professores recebidos, pelo Governo do Estado, com bordoadas.
Não parece que essa solução (a truculência), aparentemente rápida, seja, de fato, uma solução. Não parece que haja soluções rápidas para problemas de longa data, que tanto afetam a população, no caso, a precariedade de nosso sistema público de educação. Exigem, sem dúvida, políticas cujos efeitos não são tão imediatos como os de gás lacrimogêneo.
Ao direito de todos à educação corresponde um conjunto de deveres do Poder Público, repartido com a família e a sociedade civil. No exercício de suas competências, cumpre à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios prestar educação e zelar por sua qualidade. E, para tanto, cumpre-lhes valorizar o profissional da educação. Trata-se de um princípio constitucional. Está no Artigo 206 da nossa Constituição.
Nesse cenário, a valorização já aparecia como objetivo e prioridade do Plano Nacional de Educação (Lei no 10.172/2001). Tendo vigorado até 2010, previa, como parte dela integrante, a garantia de condições adequadas de trabalho, incluindo tempo de estudo e preparação de aulas, salário digno e carreira de magistério. Está presente, agora, como diretriz e em meio a estratégias, no novo Plano (Lei no 13.005/2014), a vigorar até 2023.
Voltando à Constituição, ela faz referência, ainda, em sua parte final – o denominado Ato das Disposições Finais Transitórias –, à remuneração condigna dos trabalhadores da educação (sim, isso é verdade), prevendo a manutenção de um Fundo com recursos públicos para esse fim.
Abaixo do texto constitucional, com suas Emendas e Disposições Finais Transitórias, e junto com os Planos Nacionais, vem um amontoado de leis e regulamentações prometendo direitos e garantias no campo da educação. Aliás, a Constituição do Estado do Paraná – os Estados (e Municípios) têm, também, suas constituições próprias – assegura o direito à educação de qualidade, projetando a valorização dos profissionais do ensino.
Mas tudo isso, evidentemente, não basta. A lição extraída da poesia Drummond merece mais atenção. As leis não bastam / Os lírios não nascem da lei. Apesar dessa estrutura legislativa – tanta norma, tantos direitos e deveres –, quando se olha para a realidade, o que se vê, ainda, é desrespeito e incompetência do Poder Público. No descompasso entre o que a lei proclama e o que, de fato, os governantes pretendem, o professor do Paraná (que apanhou na manifestação), o de São Paulo, o do Brasil inteiro continua ganhando pouco. Muito pouco.
Sem a valorização docente não haverá educação de qualidade. Se nosso objetivo é trazer o projeto constitucional para a prática do cotidiano, precisamos fazer mais. Os professores estão reivindicando. Não é um pedido. Não é um favor. Muito menos assunto de polícia.
*Guilherme Perez Cabral é advogado especialista em direito educacional, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito.
(Do Uol)