Nota de repúdio ao Promotor de Justiça do RS por agressão verbal à vítima de estupro

Se por alguma razão precisássemos de uma única pessoa que simbolizasse as vítimas de estupro no país, ela seria uma menina na puberdade que foi abusada por um parente. Podem aumentar o policiamento, até colocar todo o exército nas ruas, mas isso não vai parar os estupros. Talvez até piorem. Penas mais severas, castração química, o armamento da população… Nada disso terá qualquer efeito enquanto as autoridades simplesmente ignorarem um simples fato: uma legião de crianças e adolescentes está sendo violentada entre quatro paredes e o seu agressor está pedindo segredo.” (Manifesto A Proteção que Queremos assinado peloComitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, Artemis, Childhood Brasil e Think Olga.)
A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação – CNTE representa em torno de quatro milhões de profissionais da educação básica do Brasil, possuindo 50 entidades filiadas em todo o país, vem a público manifestar total repúdio à agressão verbal do promotor de justiça do Rio Grande do Sul Theodoro Alexandre da Silva Silveira à menina que foi abusada pelo pai e conseguiu na Justiça o direito de fazer um aborto.
A agressão verbal de alguém que deveria promover a justiça para população no Rio Grande do Sul, a uma menina de 14 anos estuprada por alguém que deveria protegê-la, seu próprio pai, evidencia de forma gritante a necessidade de promoção da educação e do entendimento do que seja consentimento e as condições em que isso acontece, para o enfrentamento da cultura do estupro. Revela a necessidade de preparação humanizada e qualificada dos agentes do Estado para a escuta e acolhimento das vítimas de estupro.
Mas nem a educação e nem a formação de agentes públicos, por si só erradicarão essa mazela da humanidade. Se não houver um firme questionamento às posições e declarações deseducadoras e antiéticas de parte do judiciário ao tratar dessas questões, que evidenciam que o Estado não está preparado para lidar com as vítimas, criminalizando-as, deixando impunes os criminosos e legitimando a cultura do estupro, a violência contra o corpo das mulheres e meninas continuará sendo naturalizada.
O golpe de estado que vivenciamos, impulsionou o avanço do conservadorismo e ataque aos direitos conquistados, em especial pelas mulheres. Mulheres e meninas são agredidas e violentadas todos os dias, sem que sequer isso chegue aos noticiários e os casos que chegam, acabam por criminalizar as vítimas e invisibilizar os agressores, estupradores. Apenas 4% a 6% dos estupradores denunciados, chegam a ser punidos e as vítimas que com todo constrangimento e dor denunciam, recebem o tratamento misógino e machista de autoridades – com honrosas exceções.
A orientação sexual como questão educativa, para a cidadania, saúde e direitos sexuais e reprodutivos, a formação para a escuta humanizada e qualificada das vítimas, de nada adiantará se a cultura do estupro continuar institucionalizada, na contramão do processo civilizacional.
Reafirmamos a necessidade da cultura da paz, da tolerância, do respeito, da solidariedade e da laicidade nas escolas e em todos os espaços públicos e privados.
Nenhuma mulher ou menina merece ser estuprada. Nenhuma mulher ou menina merece tratamento misógino, machista e monstruoso dos representantes do Estado que deveriam protegê-la.
Diretoria Executiva da CNTE