Morre aos 86 anos o jornalista e escritor Alberto Dines, mestre das redações


Jornalista inovador e obstinado, crítico da imprensa, escritor, professor e rebelde, morreu ontem em São Paulo, aos 86 anos, Alberto Dines, em decorrência de uma pneumonia. Ele estava internado no Hospital Albert Einstein, no Morumbi, na Zona Sul da capital paulista. Deixa viúva, a jornalista Norma Couri, e quatro filhos. O sepultamento de seu corpo está marcado para as 13h30 de amanhã, no cemitério de Embu das Artes.
Dines foi responsável pela consolidação do Jornal do Brasil, onde trabalhou de 1962 a 1973, como o mais importante veículo de comunicação da América Latina, valendo-se de criativas estratégias para driblar o regime militar e denunciar a censura imposta à imprensa.
Ditadura – O jornalista também foi crítico e analista da imprensa por décadas, lançando o “Observatório da Imprensa”  e inspirando gerações de jornalistas e cidadãos na defesa da liberdade de expressão e da democracia. Pensava que “o leitor não é consumidor, mas cidadão. O jornalismo é serviço público, não espetáculo.”
Como na promulgação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), em 1968, quando coordenou a edição da primeira página do JB, valendo-se de termos da meteorologia para denunciar a mão forte da censura que chegava: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos…”.
Ou quando, mediante a proibição de noticiar no alto da capa do jornal o golpe e a morte do presidente chileno Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973, decidiu eliminar a manchete e publicar o texto inteiro na capa.

O pensamento de Alberto Dines
As frases abaixo foram retiradas de alguns dos artigos escritos por Alberto Dines nos 22 anos do Observatório da Imprensa.
“A supremacia do marketing hoje imperante na mídia constitui uma das grandes ameaças à própria lisura com que é praticado o jornalismo. O sensacionalismo exacerbado é uma destas ameaças, oriunda do empenho em vender mais exemplares sem atentar para a qualidade e o compromisso com a veracidade da informação”.
“O jornalismo pátrio hoje é basicamente reativo. Da política à cultura, passando pela economia. E o recurso mais efetivo faz-se fora do jornalismo – com pesquisas apressadas, metodologicamente levianas, concebidas e realizadas por profissionais que obedecem a uma ética diametralmente oposta à dos jornalistas”.
“A cobertura da morte do cantor country Leandro evidencia e confirma uma realidade: nossa imprensa tornou-se irremediavelmente monotemática e monocórdia. A combinação da notícia-espetáculo com a cobertura saturada e intensiva desenvolvidas num ambiente onde impera o mimetismo e se abomina a diversificação está criando uma das mais gritantes distorções do nosso processo informativo”.
“O que existe, sim, em nossa mídia, é uma confraria às avessas, processo inconsciente de imantação para ocultar as falhas, deficiências e vícios de um sistema que já foi incomparavelmente melhor e hoje está perigosamente comprometido”.
“As grandes empresas de mídia brasileiras não querem que o seu poder seja enfrentado por um contrapoder, mesmo que social ou público. As grandes empresas de mídia brasileiras não querem que o seu formidável poder de indução seja sequer arguido. As grandes empresas de mídia brasileiras estão na contramão do processo democrático baseado na equação poder-e-contrapoder”.
“Os 100 líderes comunitários das favelas cariocas assassinados nos últimos anos mereciam reportagens menos burocráticas do que as publicadas na última semana. Os favelados onde atuavam os conheciam. Mas o resto da sociedade precisa conhecer esses 100 caídos: gente simples, incapaz de teorizar, disposta a melhorar o mundo com o seu exemplo”.
“O jornalismo fiteiro consiste na transcrição pura e simples de grampos (legais ou ilegais), fitas (em áudio ou vídeo) e dossiês, entregues por ‘fontes secretas’ a um jornalista (ou intermediário) desde que haja o compromisso da imediata divulgação sem recorrer a qualquer suporte investigativo.
12. Na Alemanha, 1933, quando os nazistas tiraram os disfarces e começaram a escalada de terror, os poupados diziam “não é comigo, é com os outros”. Esta resignação e esta incapacidade de enxergar as grandes ameaças fazem parte de um fenômeno chamado “não-me-importismo”. Enquanto não são vítimas todos seguem suas vidas. Depois é tarde demais”.
“O juízo sobre a informação tornou-se tão importante quanto a própria informação. O território da crítica expandiu-se de forma tão extraordinária que os críticos tornaram-se criticados e a matéria criticada tão importante quanto aquela tida como acrítica. A internet consagrou-se imediatamente como canal alternativo para fugir dos impasses produzidos pelos grupos de pressão na grande imprensa”.
“Quando se fala em prejulgamento da imprensa, não se deve pensar apenas na cobertura de crimes e casos passionais. A grande imprensa costuma exibir os seus preconceitos em outras questões, inclusive no debate sobre mídia. Foi o caso da criação da TV Pública. Antes mesmo de se conhecer o seu formato, os grandes grupos de mídia comercial já manifestavam desaprovação. Foi um caso de desamor à primeira vista. Como se uma TV Pública não fosse necessária ao próprio desenvolvimento da TV privada”.
“Todo Jornalismo é investigativo, ou não é Jornalismo. Donde se conclui que o que lemos, ouvimos e vemos todos os dias na imprensa não é Jornalismo”.
“Eu sabia que haveria consequências, mas não imaginava que fosse ser preso. Temos que arriscar. São desafios que a vida profissional oferece e temos que saber aceitá-los, porque senão ficamos à margem da vida.”
Vida e carreira
Alberto Dines nasceu no Rio de Janeiro em 19 de fevereiro de 1932. Iniciou sua carreira no jornalismo em 1952 na revista “A Cena Muda” e, no ano seguinte, mudou-se para a revista “Visão” para cobrir assuntos ligados à vida artística, como teatro e cinema. Logo depois, passou a fazer reportagens sobre política.
Em 1957, ele trabalhou para a revista “Manchete”, até se demitir da empresa. Em 1959, assumiu a direção do segundo caderno do jornal “Última Hora”, de Samuel Wainer. Já em 1960, colaborou para o jornal “Tribuna da Imprensa”.
Em 1960, convidado por João Calmon, dirigiu o jornal “Diário da Noite”, dos “Diários Associados”, de Assis Chateaubriand. Já em 1962 tornou-se editor-chefe do “Jornal do Brasil”, no qual ficou por 12 anos. No jornal, ele coordenou uma grande reforma gráfica e criou novas seções.
Segundo Manuel do Nascimento Brito, diretor do “Jornal do Brasil”, com “a entrada de Dines, a reformulação do jornal foi afinal consolidada, pois ele sistematizou as modificações que levaram o JB a ocupar outra posição na imprensa brasileira”.
Desde 1963, Dines também era professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Ele criou as disciplinas de Jornalismo Comparado e de Teoria da Imprensa.
Em 1994, fundou o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), junto com os professores Carlos Vogt e José Marques de Melo. O objetivo era criar um centro de pesquisa e acompanhamento crítico da mídia. A partir de 1999, o Labjor passou a oferecer um curso de pós-graduação de Jornalismo Científico.
Entre os principais livros publicados por Alberto Dines estão “Morte no Paraíso – A tragédia de Stefan Zweig”, “Diários Completos do Capitao Dreyfus”, “Por que não eu?”, “O papel do jornal e a profissão de jornalista” e “A imprensa em questão”.
Observatório da Imprensa
O Observatório é uma entidade civil, não-governamental, não-corporativa e não-partidária que acompanha o desempenho da mídia brasileira. Funciona como um fórum que permite debates diversos sobre coberturas jornalísticas.
Como site, nasceu em 1996, por iniciativa do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) e projeto original do Labjor, da Unicamp.
Em maio de 1998, o Observatório da Imprensa ganhou uma versão televisiva, produzida pela TVE do Rio de Janeiro e TV Cultura de São Paulo, e transmitida semanalmente pela Rede Pública de Televisão.
Com informações do Jornal do Brasil e do Observatório da Imprensa