Golpe atinge migrantes e deve ampliar restrição no país

A ascensão dos golpistas resulta em mudanças de rumos nas políticas do país em diversos aspectos, entre eles, a relação com países vizinhos. Com a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil experimentou a proximidade com nações historicamente ignoradas por seus antecessores.
Os negócios e parcerias com África do Sul, China, Rússia e países que passaram a compor o Mercosul ganharam em importância em comparação com a relação quase unilateral com os Estados Unidos adotada pelos antecessores de Lula. Cenário que deve mudar com Michel Temer a frente do processo golpista e com a retomada do neoliberalismo.
Durante uma das mesas do VI Fórum Social Mundial das Migrações, que ocorreu na última semana, em São Paulo, representantes da CUT e outras lideranças sindicais da América do Sul discutiram como a América do Sul deve ser afetada por essa situação e quais caminhos para fortalecer a integração dos povos e barrar o golpismo.
Secretária de Políticas Sociais da CUT, Jandyra Uehara, apontou que todos os governos na contramão do neoliberalismo na América Latina estão sob ataque e que no Brasil os golpistas têm três objetivos centrais: afastar o país do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e do Mercosul e realinhá-lo aos EUA.
Na outra frente, a ideia é a redução dos direitos sociais dos trabalhadores em geral, fator que afeta ainda mais os migrantes, habituais vítimas de exploração e flagrantes de trabalho escravo.
“Há um cenário de crescimento do neoconservadorismo que vem junto com o neoliberalismo, no país e no mundo. E que traz junto o machismo e a xenofobia que, no Brasil, se traduz em racismo, porque aqui o imigrante europeu é bem-vindo”, avaliou.
Para ter uma ideia do que o golpe tem a oferecer aos migrantes de fora dos Estados Unidos, a secretária de Mobilização e Relação com Movimentos Sociais da CUT, Janeslei Albuquerque, lembrou que no dia seguinte ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff, o representante do PSDB no processo, José Serra, viajou aos EUA para prestar contas.
“O ataque radical à democracia ocorre porque nem esse modelo imperfeito e inconcluso interessa ao neoliberalismo no momento. Devido à sua incapacidade de formar maiorias, porque o plano de governo que tem jamais seria aprovado no processo eleitoral, um plano de entrega do patrimônio público e do petróleo, só um golpe torna possível chegar ao poder. O que está em jogo é a revogação a Constituição cidadã aprovada após o fim do golpe de 1964.”
Herança racista
Jandyra lembrou também que o tratamento aos migrantes não europeus é herança direta da seletividade oficializada no início do século passado no país.
“Até 1930, a política para migrantes era centrada na substituição do trabalho escravo. Quando Getúlio Vargas assume, em 1930, não interessa mais o critério econômico, mas sim o étnico, escolha que tinha como objetivo principal o ‘branqueamento’ da raça. Tanto que o Estatuto de Estrangeiro é da década de 1980 e baseado na ideologia militar que encara o estrangeiro como uma ameaça nacional”, ressalta.
Janelesi observou ainda que esse processo foi construído de maneira estratégica e sempre sob a ótica da exploração. “O Brasil foi o último país da América Latina a abolir escravidão, mas mantém processo de discriminação desde sempre. Isso é herança de um processo em que a abolição não incluiu nenhuma política de sobrevivência para os ex-escravos. Quem construiu a base econômica do país passou a ser considerado vagabundo e ocioso”, criticou.
Para a CUT, explicou a dirigente, é preciso ir na contramão dessa ideia para adotar uma política plena de igualdade de direitos entre nacionais e imigrantes, a começar pelo direito ao voto e pela construção de uma política migratória.
Seremos a nova Argentina?
Representante da CTA (Central de Trabalhadores da Argentina) e do grupo de trabalho de migrações da CSA (Confederação Sindical das Américas), Rodrigo Borras, lembrou que o Brasil passa por um processo semelhante ao argentino. Como lá, aqui também busca-se um ‘salvador’ para um período de crise que custa caro aos trabalhadores.
Segundo ele, o governo de Mauricio Macri tem tomado medidas “ferozes”. Ele explica que a economia foi abalada e o peso argentino sofreu grande desvalorização com o dólar subindo mais de 40%.  “Isso afetou a classe trabalhadora e os serviços públicos de maneira geral, como os preços da luz e do gás”, explicou.
Para ele, mais do que nunca, a luta deve ser popular e intercontinental, já que a articulação para derrubar democracias e avanços sociais é internacional.
“Essa luta, diante da atual conjuntura brasileira, não deve ser individual ou apenas de solidariedade argentina, mas, acredito, deve ser internacional. Reconhecemos a batalha que a CUT tem travado nesse sentido e acredito que a resposta dos trabalhadores também deve ser de unidade contra o neoliberalismo que segue avançando contra governos populares e contra a América Latina”, defendeu.
Posição semelhante a adotada pelo Secretário de Relações Internacionais da CUT-Chile, Andrés Aguilera. O filtro da grande mídia, ressalta, impede que experiências neoliberais fracassadas cheguem aos brasileiros da forma como realmente aconteceram, como é o caso do modelo educacional chileno.
“Depois de 35 anos, e só recentemente, é que estamos tratando de mudar a educação para que seja gratuita. Um dos nichos em que mais se ganha direito no Chile é o da educação, de boa qualidade, mas caríssima. Então, os filhos de trabalhadores e trabalhadoras comuns não têm acesso a esse direito e muitas vezes vemos que é citada como referência aqui, sem que as pessoas conheçam realmente o que houve”, disse.
Dificuldade na unidade
A dificuldade em unificar laços de resistência não é apenas uma questão geográfica ou de línguas, ressaltou o argentino, mas colide com a cultura neoliberal de individualização dentro da sociedade para facilitar o controle.
“Os modelos neoliberais não têm relação apenas com a economia, mas com a cultura, com a integração e com um modelo de consumismo e com uma lógica de que o que acontece com o outro não tem a ver comigo. Quanto ao modelo que queremos, não devemos mudar apenas nossos locais de trabalho, mas temos que contribuir em nossas relações familiares para que nossos filhos se acompanhem, se ajudem. A unidade não deve ser construída apenas em termos econômicos, mas afetivos, de cuidado”, falou.