Foram 7 anos de luta; vencemos', diz líder da aprovação do PNE após sanção

Ele é teimoso, perseverante e preciso. Essas são as principais características que traduzem um pouco da personalidade de Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Paulistano e corinthiano de carteirinha, Daniel é a principal liderança dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil que pressionaram o Congresso e o Governo Federal para que fosse aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE).
A sanção do plano pela presidente Dilma Rousseff – prevista para ser anunciada nessa quarta-feira (25) – foi comunicada oficialmente nesta quinta (26). Não houve vetos. O PNE – que tramitava no congresso há quase quatro anos -, traça objetivos e metas para melhoria do ensino no País em todos os níveis (infantil, básico e superior) para serem cumpridos nos próximos dez anos. O plano prevê ainda a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a área.
Mas para entender como ele se transformou no “representante oficial da luta pelo PNE” é preciso fazer uma viagem ao passado. Foi na juventude que a paixão pela educação foi mais nitidamente percebida. E uma das principais pessoas que o ajudou nessa descoberta foi a sua mãe, Isabel Maria, ou simplemente dona Belinha.
“Ela é educadora popular. Mesmo sem ter o curso superior, durante muito tempo, ela deu aulas de alfabetização para jovens e adultos”, explica Cara. Segundo ele, a mãe “nasceu para a educação”. “Ela tem um certo olhar. Ela gostava de construir conhecimento pelo diálogo, sempre de forma ponderada. Além disso, em termos educativos, ela é bem perfeccionista”, diz.
Do pai, seu Clóvis, Daniel fala que sua sensibilidade “extrema” o ajudou na definição de rumos para sua vida, além de contribuir para o desenvolvimento de alguns dos aspectos de sua personalidade, como a perseverança e o respeito ao outro. “Ele é uma graça. Além de ser sensível e dedicado, ele é muito tímido. Também pudera, ele perdeu o pai aos dois anos e passou a ser arrimo de família aos oito”.
Tal timidez é recordada de forma emblemática por Daniel. “No ensino médio, eu passei na terceira chamada para entrar na Etesp [Escola Técnica Estadual de São Paulo]. Meus pais precisaram me acompanhar na leitura da lista de aprovação, que era seguida de uma pré-matrícula. Eu estava no início da lista, mas tinha a possibilidade de não entrar. Ele tremia de ansiedade e tinha dificuldades nesses momentos para se expressar. Mas deu certo, eu consegui a vaga. Naquele momento, toda a família se emocionou. Ele e minha mãe, que descobriram a Etesp, ainda mais”.
Daniel não era o melhor estudante da casa. Suas outras duas irmãs, Beatriz e Mariane, se saiam melhor que ele nos estudos. “A primeira era mais estudiosa e Mariane, a mais criativa. No ensino médio, como elas já estudavam em uma boa escola pública, eu precisava entrar em uma escola boa também. E graças a Deus – e à pesquisa de dona Belinha -, consegui”, lembra.
Divisor de águas
E foi a entrada na Etesp que mudou toda a vida dele. Segundo Cara, a escola foi uma espécie de “divisor de águas” de seu olhar, de sua formação política, na criação de fortes laços de amizade e na visão sobre a importância da educação na formação humana.
“A escola técnica foi a melhor época educativa que tive em todos os tempos. Foi na Etesp que tive a melhor experiência de formação política da minha vida. Lá, participei ativamente do grêmio da escola e tive acesso a uma educação pública de qualidade e com gestão democrática”, lembra.
Da Etesp, Daniel guarda recordações especiais de uma de suas professoras, Márcia Xavier, que ensinava matemática e lógica. “Como aluno, eu não devo ter sido marcante para ela [risos], mas ela foi marcante para mim. Gostava dela porque ela nivelava a turma por cima e sabia envolver os alunos no conteúdo. Sempre cobrava muito, mas, ao mesmo tempo, ela não deixava de incentivar os alunos a estudar e a chegar ´lá´, mesmo se fosse no período de recuperação”, diz.
Muito próximo de sua irmã Beatriz na adolescência, Daniel sempre gostava de acompanhá-la na preparação para o vestibular. Em uma atividade promovida pelo cursinho da irmã, conheceu a Ciência Política. “Sempre gostei de política, nas eleições de 1985, decorei todos os jingles de campanhas, tinha apenas sete anos. Sempre conversava com meu pai sobre política. Também participava de tudo o que podia na escola. E em debates sobre cursos universitários, descobri que gostava também de Antropologia”, fala Daniel.
Constatado isso, o caminho seguinte foi a graduação em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP). “Foi bem legal. O curso da USP é excelente”, fala Daniel. Mas, como sua paixão era mesmo a política, em seguida, ele partiu para o Mestrado em Ciência Política, feito também na USP.
Logo após a conclusão do mestrado, Daniel assumiu a coordenação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Com sua posse, duas importantes batalhas foram travadas em prol da melhoria da educação brasileira: a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), concluída em 2007, e do Plano Nacional de Educação (PNE).
E nesta quinta-feira, além da sanção do plano, Cara tem outro motivo para comemorar: ele foi selecionado para o curso de doutorado na Faculdade de Educação da USP.
PNE
Apresentado ao legislativo há quase quatro anos, as articulações para a elaboração e inclusão do PNE na pauta da Câmara e do Senado é mais anterior ainda. Para a sua aprovação, foram empreendidos anos de trabalho. “Desde 2007 planejamos a estratégia da ‘Campanha’  de incidência, muito antes do Governo Federal lidar com o tema. Foram mais de sete anos de planejamento e luta. Finalmente, vencemos”, diz Daniel.
E todo o esforço foi observado por outros agentes, que participaram da empreitada. “Ele deu uma excelente contribuição para a aprovação do PNE, porque atuou como um eficiente agente de mobilização. Ele viajou pelo Brasil todo, discutindo com professores e educadores. Debateu também com os parlamentares, com o conselho [Conselho Nacional de Educação (CNE)] e com as secretarias de educação. Foi uma peça-chave no processo de aprovação do Plano Nacional de Educação”, afirma o presidente do CNE, José Fernandes de Lima.
A opinião é compartilhada por Heleno de Araújo Filho, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). “A Campanha Nacional pelo Direito à Educação tem um papel fundamental de apontar aquilo que nós necessitamos para a melhoria da educação brasileira, como a luta pela valorização dos profissionais da educação”, diz Araújo Filho.
Ainda segundo ele, a mobilização comandada por Daniel, líder do movimento, foi fundamental para a aprovação do PNE. “Ele tem habilidade de conversar e dialogar com todos os partidos políticos. Além disso, o trabalho comandado por ele foi feito sempre de forma coletiva. Daniel ajudou muito a agregar os atores. Tudo isso é muito importante no processo de mobilização”, fala o diretor do CNTE.

Divulgação/JBatista/Câmara dos Deputados

O Plano Nacional de Educação foi aprovado pelo Congresso no dia 3 de junho

Organizações
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, comandada por Daniel Cara, agrega várias organizações como  a Ação Educativa, ActionAid Brasil o Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca-CE), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).