Do massacre à conivência: a força tática da polícia contra professores e terroristas

Outubro de 2015. Professores da rede pública de ensino do DF em greve fecharam por cerca de uma hora as saídas dos Eixos Sul e Norte. O protesto legítimo reivindicava o pagamento da última parcela do reajuste salarial conquistado em 2013. Na ação, câmeras de cinegrafistas profissionais e amadores flagraram a ação truculenta do Batalhão de Choque da PMDF.

Policiais cercaram um carro que participava da manifestação e retiraram o motorista, um professor, a força. O deitaram no chão com o rosto colado no asfalto e os braços pra trás. Algemaram-no.

Outro, antes de ser algemado, recebeu um golpe de estrangulamento conhecido como “mata-leão”, perigoso por causar a redução da circulação de sangue até o cérebro.

Muitos feridos pelas balas de borracha e os jatos de spray de pimenta disparados à queima roupa. A professora Meg Guimarães, ex-diretora do Sinpro-DF, foi filmada algemada, cercada de policiais, com o nariz escorrendo sangue. Ela teve lesão corporal atestada pelo Instituto Médico Legal, e, desde então, tem sofrido de transtornos de ansiedade e de estresse pós-traumático.

Aos meios de comunicação tradicionais, a PM disse que “o uso da força ocorreu após uma hora de negociação para a liberação da via”.

Há mais de 40 dias, apoiadores de Jair Bolsonaro acampam em frente ao Quartel General do Exército de Brasília. A ação é criminosa, já que incita as forças armadas contra a sociedade civil. Consequência do ato, a Esplanada dos Ministérios, uma das principais vias do DF, foi interditada sem previsão de reabertura, impondo o desvio de quem passa por ali de ônibus ou de carro, normalmente, para trabalhar ou estudar.

Os bolsonaristas acampados em Brasília fizeram da noite dessa segunda-feira (12/12) uma noite de terror. Eles tentaram invadir a sede da Polícia Federal, atearam fogo em carros de civis e em ônibus. Veículo estacionado em um posto de gasolina ficou em chamas, ameaçando a explosão do local que tem nas proximidades hotéis e um shopping. Durante os atos criminosos, foram espalhados botijões de gás de cozinha em vias do Setor Hoteleiro Norte.

Na transmissão ao vivo da ação terrorista, feita pela jornalista Juliana Castro, ouve-se de um dos apoiadores de Bolsonaro: “imagina amanhã, quando a gente voltar armado”.

Resultado: durante os atos criminosos, ninguém foi preso pelas forças de segurança do DF. A PMDF, convocada para conter as ações daqueles que dias atrás, em outro canto do Brasil, cantavam o hino nacional para um pneu de trator, utilizou força tática completamente distinta daquela empregada contra professores do DF em 2015.

O que motiva ou justifica as diferentes abordagens da polícia militar quando a ação se dá junto a professores das escolas públicas do DF, contra trabalhadores sem terra/sem teto, contra estudantes ou qualquer categoria da classe trabalhadora?

Professores expõem feridas causadas pelas balas de borracha disparadas pela PMDF, em ato realizado em 2015

 

No artigo científico “A Doutrina da Segurança Nacional de Contenção na Guerra Fria: fatores que contribuíram para a participação dos militares na política brasileira (1947-1969)”, Claudia Stephan afirma que “no Brasil, a introdução de uma ideologia de contenção do comunismo e da subversão, aliada ao histórico autoritário e intervencionista do Estado, culminou no estabelecimento de um Estado de Segurança Nacional, na institucionalização de princípios e práticas repressivas e na violação de direitos fundamentais de cidadãos brasileiros”.

Reportagem de dezembro de 2021 publicada pelo portal The Intercept mostra que uma tropa de elite do exército brasileiro encara movimentos sociais e políticos de esquerda como inimigos, e é treinada para combatê-los.

Os exemplos indicam que as forças policiais são fundamentadas em valores avessos às pautas que guiam movimentos sociais e sindicais, como o Sinpro-DF, como a valorização da classe trabalhadora, o questionamento das ordens, o exercício do pensamento crítico, o protagonismo popular.

“É uma forma de doutrinação – eles sim são doutrinados –, numa formação que remete aos tempos da Guerra Fria, onde o ‘fantasma do comunismo’ assombrava o mundo. Toda formação das Forças de Segurança são baseadas na Doutrina de Segurança Nacional, herdada dos EUA e das escolas de formação deste país”, avalia o presidente da CUT-DF (Central Única dos Trabalhadores do DF), Rodrigo Rodrigues.

Policiais durante ato terrorista de bolsonaristas, nessa segunda (12/12)

 

Segundo ele, os trabalhadores das forças de segurança, de forma geral, “não têm identificação com a classe trabalhadora”. “Há um preconceito institucional com os movimentos sociais organizados, representantes dos anseios sociais.”

Já para o Coronel da Reserva da PMDF Lima Filho, professor de Uso da Força da PMDF, o problema se dá pela estrutura do Estado, “que está tendendo para um lado”. “É um problema de estrutura federal, com articulações estaduais. Porque o governo federal é muito forte. Ele acaba induzindo, principalmente quando a base dele são as forças de segurança”, afirma.

Nesta terça-feira (13/12), o Movimento Policiais Antifascismo do DF e do Comitê de Policiais Civis Antifascismo pró Lula chegaram a lançar nota de repúdio aos atos criminosos realizados pelos bolsonaristas na zona central do DF. “É importante fazermos alguns questionamentos: por qual motivo não houve nenhuma prisão, quando flagrantes os atos criminosos? Por que até o momento não foram desativados os acampamentos que atentam contra a ordem constitucional? Ocorreria tal leniência por parte das autoridades policiais com manifestações legítimas de estudantes, trabalhadores e militantes de movimentos sociais?”, questiona o documento.

Para a diretora do Sinpro-DF Luciana Custódio não há uma única conclusão do porquê da diferença de abordagem das forças de segurança. Mas é possível identificar claramente o resultado disso na sociedade. “Supressão de direitos fundamentais, democracia aparente, tentativa de calar os setores progressistas e de conter a indignação do povo. Tudo isso se torna consequência de uma abordagem truculenta a um movimento legítimo, como foi o da categoria do magistério, em 2015. Paralelamente, quando não são tomadas atitudes de repressão necessárias para conter movimentos antidemocráticos, incentiva-se a destruição do Estado de direito; banaliza-se a barbaridade, caminha-se na direção inversa da democracia”, afirma.

Segundo a sindicalista, o estabelecimento da verdadeira ordem vem através da consolidação dos movimentos sociais e sindical. “Não podemos nos calar. Agora, mais que nunca, a consciência de classe deve nos guiar e a luta nos fortalecer. É dizer não ao fascismo, não ao retrocesso”, diz.

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