Contaminação e pressão do agronegócio marcam Dia Mundial de Luta Contra Agrotóxicos

O Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos (03/12) reacende um debate que atravessa lavouras, comunidades tradicionais e a “mesa” do trabalhador de todo o país: os impactos do modelo químico na vida de quem produz e de quem consome alimentos.
A data lembra, também, os 41 anos da tragédia de Bhopal, na Índia, quando um vazamento tóxico matou milhares de pessoas e revelou ao mundo a vulnerabilidade do setor químico. Mais de quatro décadas depois, a lógica dos venenos continua ditando rumos da agricultura — e seus efeitos recaem, sobretudo, sobre os trabalhadores rurais e territórios historicamente pressionados pelo agronegócio.
No Brasil, movimentos como o MST e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida intensificaram mobilizações nesta semana para denunciar o avanço de um modelo dependente de pacotes químicos.
Números mostram que o problema só cresce
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o país registrou, em 2024, 276 casos de contaminação por agrotóxicos, o maior volume da década e um salto de 762% em relação ao ano anterior. Os dados se somam às mais de 124 mil intoxicações notificadas pelo SUS entre 2013 e 2022.
Exposição desigual e territórios ameaçados
A expansão do agronegócio mantém um padrão de desigualdade que atinge com mais força indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Muitas dessas populações vivem próximas a áreas de pulverização aérea, cercadas por monoculturas ou pressionadas por grileiros e grandes produtores. É ali, no cotidiano das roças e dos rios contaminados, que a “modernização química” revela seus danos mais profundos.
Para Jakeline Pivato, secretária-geral da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o país entrou em um ciclo de dependência estrutural desses produtos.
“O Brasil está entre os maiores consumidores de agrotóxicos há mais de uma década, mesmo com evidências crescentes de danos à saúde e ao meio ambiente”, afirma.
O uso de venenos mais que dobrou nos últimos 20 anos, impulsionado por um modelo de commodities que transforma o campo em linha de produção
Essa estrutura, segundo ela, afeta de forma direta quem trabalha na terra. “O modelo do agronegócio gera conflitos, contaminação e adoecimento. Fere direitos básicos como acesso à água, à saúde e à própria terra, e tira das comunidades a liberdade de produzir o próprio alimento”, diz.
Jakeline lembra que estudos recentes associam a exposição aos agrotóxicos a quadros de autismo, transtornos neurológicos e doenças que se tornaram frequentes entre fruticultores. “Os efeitos são profundos e seguem invisibilizados no cotidiano da produção agrícola.”
A secretária do meio ambiente da CUT, Rosalina Amorim, disse que “os agrotóxicos de uso agrícola ou veterinário são venenos que causam intoxicação e doenças e são usados, especialmente, pelo agronegócio, em grandes áreas de monocultura. Nós, da CUT, denunciamos que esse modelo de produção é principalmente destinado à exportação e não para garantir a segurança alimentar de nossa população.
Pressão, entraves e políticas públicas
O debate sobre o uso de venenos no Brasil esbarra em obstáculos que extrapolam a esfera técnica. A influência do agronegócio nos espaços de poder segue determinante para travar medidas de regulação e limitar a prioridade do tema em ministérios estratégicos. A combinação entre pressão política, flexibilização de normas e um ambiente regulatório permissivo resultou em recorde de registros de novas substâncias químicas e na manutenção de isenções fiscais que favorecem o setor.
Nesse cenário, programas estruturantes como o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) seguem avançando lentamente. O plano, construído a partir de mais de uma década de mobilização social, passou a integrar o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica III, Planapo III, focando na redução de substâncias altamente perigosas e no incentivo à produção agroecológica. Mas a falta de orçamento e de governança limita sua execução.
“O Pronara é fundamental, mas a implementação ainda é lenta. Sem estrutura e sem participação social, as ações não saem do papel”, avalia Jakeline.
No campo regulatório, a Anvisa publicou recentemente a RDC nº 998/2025, que reforça a avaliação de riscos de exposição entre trabalhadores e moradores de áreas rurais. A medida amplia ferramentas de vigilância sanitária e chama atenção para efeitos historicamente ignorados. Mas, como aponta a secretária-geral, qualquer avanço só será sustentável se dialogar com os territórios onde a vida real acontece.
“Sem fiscalização, sem enfrentar a pressão das empresas e sem garantir participação das comunidades, não haverá mudança concreta”, afirma.
A estratégia
Diante desse cenário, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida aponta que não se trata apenas de reduzir substâncias ou aperfeiçoar regras. Trata-se de disputar o modelo de desenvolvimento no campo.
“Nosso objetivo estratégico é derrotar o modelo do agronegócio e fortalecer a agricultura camponesa agroecológica como projeto soberano e saudável para o Brasil”, disse Jakeline.
Fonte: CUT
