Bullying, discurso de ódio e ostentação armamentista: desafios para docentes
O Dia nacional de combate ao Bullying foi criado em 2016, na data que marca o aniversário do massacre de Realengo: em 2011, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, invadiu a Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, subúrbio do Rio de Janeiro, armado com dois revólveres, e começou a disparar contra os alunos presentes. 11 meninas e 1 menino, com idades entre 13 e 15 anos foram mortos. Outras 22 ficaram feridas. Wellington foi interceptado por policiais, mas cometeu suicídio antes de ser detido.
O assunto é difícil, duro e espinhoso, mas tem que ser encarado de frente por todo mundo do campo da educação. A nota de suicídio então deixada por Wellington, bem como o testemunho de familiares, que o atirador era reservado, sofria bullying e pesquisava muito sobre assuntos ligados a atentados terroristas e a grupos religiosos fundamentalistas.
Há, portanto, dois aspectos a lidar em se tratando de bullying. Um deles é o assédio moral e psicológico praticado contra estudantes adolescentes.
O Bullying é um fenômeno social, que ocorre nas escolas de maneira mais ou menos sutil e com características próprias. São atos de intimidação repetida contra indivíduos específicos, vulneráveis e incapazes de defesa e que não têm quem lhes defenda. Violência escolar, portanto.
Quem sofre com o bullying o faz em silêncio; essa dor é devastadora, leva à queda no rendimento escolar do(a) estudante, isolamento e, muitas vezes, no aumento de ausências da vítima do assédio.
Discurso de ódio levou o bullying a novos patamares
Existe outro aspecto escondido sob as inter-relações sociais problemáticas de docentes: o discurso de ódio que fomenta o bullying torna o fenômeno ainda mais peculiar. O ataque à creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC), ocorrido na quarta-feira (5/4), deixa isso bem evidente.
No Twitter, o professor e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), Daniel Cara, aponta que “a sociedade brasileira lida com o problema de forma superficial e efêmera”, e que as “comunidades escolares permanecem desamparadas”.
Cara foi organizador do relatório “Ultraconservadorismo e Extremismo de Direita entre Adolescentes e Jovens no Brasil”, lançado em dezembro de 2022 e encaminhado ao grupo de transição da área de educação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nesse documento, elaborado por dezenas de educadores e educadoras, além de especialistas em monitoramento da extrema-direita, o crescimento de atos de violência é associado à escalada do ultraconservadorismo e do extremismo de direita no país e à falta de controle e criminalização desses discursos e práticas.
O relatório coordenado por Daniel Cara demonstra que ao longo dos anos 2000, foram 16 ataques em escolas brasileiras que mataram 35 pessoas e deixaram outras 72 feridas.
Letícia Oliveira, uma das coautoras do estudo coordenado por Cara, é também editora do site El Coyote, que monitora grupos de extrema direita no brasil há 11 anos. Ela explica que comunidades específicas nas redes sociais cultuam quem comete atentados nas escolas e consideram ações violentas como os massacres de Suzano, em São Paulo, e Realengo, no Rio de Janeiro, marcos desse movimento.
Neste ano de 2023, até o fechamento deste texto, desde o mês de março ocorreram os ataques na escola Thomazia Montoro, em São Paulo, que resultou na morte da professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos, e no ataque à creche Bom Pastor, em Blumenau, com 4 crianças mortas. E, aqui em Brasília, houve várias ameaças de ataques a escolas, em várias regiões administrativas.
“Os meses de março e abril são os mais propensos a ataques contra escolas. O massacre de Suzano ocorreu num 13 de março; em abril, além do Massacre de Realengo, houve também o massacre de Columbine, nos Estados Unidos, ocorrido num dia 20”, avisa.
Para Letícia, o monitoramento das ações e a atenção em sinais de preconceitos são essenciais para identificar possíveis agressores.
“Uma das formas de prevenção é entender como funcionam os meandros desses jovens que cultuam assassinos em massa nas escolas e dar ferramentas que possibilitem a comunidade escolar perceber se os alunos e alunas estão sendo cooptados pela extrema direita ou estão frequentando algum tipo de comunidade, muitas delas abertas e acessíveis a todos. Atos de misoginia e racismo são sinais mais característicos de alguém com potencial para ataques”, recomenda.
Para a CNDE, medidas como o fim dos programas de militarização de escolas, o desarmamento da sociedade, a promoção de políticas de saúde mental e a resposta firme e contrária aos discursos fascistas são medidas indispensáveis para prevenir atos terroristas.
Letícia Oliveira enfatiza: o bullying não necessariamente está atrelado ao cometimento de atentados contra as escolas. Mas ambientes virtuais de redes sociais, como grupos de WhatsApp ou Telegram, aplicativos como Discord e chats de games online, que são locais com zero acompanhamento pedagógico e zero monitoramento de responsáveis, são o local perfeito para a implantação e disseminação de discursos de ódio entre adolescentes que ainda estão em fase de amadurecimento psicológico. Associados à cultura de enaltecimento de escolas militarizadas, ambiente que corrobora com o discurso armamentista e com a opressão por meio da violência como forma de “promover a disciplina”, são o terreno mais que fértil para a deturpação de visão de mundo dos adolescentes influenciáveis.
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