Autoritarismo transforma projeto de Alckmin em mobilização histórica

No dia 23 de setembro, a gestão Alckmin divulgou uma reorganização da rede estadual de ensino. Com o objetivo de unir estudantes de um único ciclo na mesma escola, o projeto prevê o fechamento de 93 unidades e a transferência de mais de 300 mil alunos. A divisão obriga os estudantes a deixarem escolas em que sempre estudaram, além de separar irmãos que frequentavam a mesma unidade.
Construída sem nenhum diálogo com estudantes, educadores e a população, a proposta imposta pelo governo paulista teve forte reação contrária. Alunos de dezenas de escolas do Estado se organizaram para protestar ocupando as unidades previstas para serem fechadas. De acordo com balanço do Apeoesp (Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo) desta terça-feira (1), são 205 escolas tomadas pelos estudantes. A Secretaria da Educação confirma manifestações em 194 unidades.
Para Rosemary Segurado, professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e da faculdade de Sociologia da PUC-SP, é impossível implantar uma política pública desse porte sem discutir amplamente com a população.
— O secretário [da Educação] e o governador esqueceram que vivemos em uma sociedade democrática e acharam que iam fazer um projeto com meia dúzia de pessoas, sem consultar a sociedade, e que iam impor esse projeto e não ia ter resistência. Não tem como validar uma política pública de uma forma tão autoritária como estamos vendo no Estado.
A principal justificativa do governo para a realização da reforma na rede é a susposta melhoria no desempenho dos alunos que passariam a conviver apenas com outros estudantes da mesma faixa etária e nível de conhecimento. Para Vitor Paro, professor da Faculdade de Educação da USP, não há nada que comprove a eficácia da proposta.
— É estapafúrdio, sem nenhum sentido. Vai contra toda a ciência e a teoria da educação, não tem cabimento. A melhor educação é a que tem convivência com jovens, adultos. É bobagem. Isso é ignorância ou má fé.
Para ele, o objetivo do Estado é reduzir custos.
— Isso não é reorganização. O estado queria gastar menos. As políticas públicas da educação têm sido voltadas para proteção da iniciativa privada.
A Secretaria de Educação do Estado, por sua vez, sempre garantiu que a decisão do futuro das escolas afetadas pela reforma foi tomada conjuntamente. Em outubro deste ano, Sandoval Cavalcanti, Dirigente Regional de Ensino da Sul 1, declarou ao R7 que nenhuma unidade seria fechada.
— Nenhuma escola foi notificada [sobre fechamento]. Elas foram orientadas. Fizemos uma reunião na diretoria de ensino informando sobre os procedimentos da reorganização. Apresentamos propostas da secretaria, da diretoria de ensino e pedimos para que os diretores retornassem, avaliassem com a comunidade escolar e, se necessário, reencaminhassem uma contra proposta para a diretoria.
Rosemary discorda que tenha ocorrido esse diálogo na época do projeto e declara que atualmente, em meio à onda de protestos e ocupações, o debate continua não existindo.
— O governador e o secretário poderiam aproveitar esse movimento social e organizar uma discussão que a sociedade precisa e merece, mas são autoritários e dizem que querem o diálogo, mas o diálogo é a força policial.
Decreto 
governo publicou nesta terça o decreto que autoriza a transferência de professores para a implementação da reorganização. O decreto indica que as transferências ocorrerão “nos casos em que as escolas da rede estadual deixarem de atender um ou mais segmentos ou quando passarem a atender novos segmentos”.
É o primeiro documento que traz algum detalhamento da proposta. Para a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha, ele só enfatiza a falta de empenho do governo estadual em discutir com todos os educadores e alunos.
— Não tem nada de reorganização ali [no decreto], não tem nada de novo. Nós vamos insistir no diálogo.
Segundo ela, as ocupações vão continuar.

— Está na hora do governo parar e refletir que todas as ações violentas de tentar impor a reorganização não estão surtindo efeito. Ainda que o governador consiga impor, não terá sossego. O movimento vai continuar, os alunos vão continuar ocupando escolas.
Conflitos com a polícia 
Nesta terça, a manifestação de estudantes contra a reorganização das escolas registrou protestos e confusões. Policiais militares reprimiram alunos que ocupam a escola estadual Maria José, no bairro da Bela Vista, região central, após pais e professores quebrarem o cadeado e entrarem no colégio na tentativa de desocupá-lo.
De acordo com a Polícia Militar, outra confusão envolvendo pais e alunos foi registrada na Escola Estadual Doutor Octávio Mendes, na avenida Voluntários da Pátria, em Santana, na zona norte de São Paulo. Pais e alunos que são a favor à reorganização escolar querem a normalização das aulas na escola, que está ocupada por outro grupo de estudantes, contra a medida.
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Outro lado
Em coletiva de imprensa realizada no fim de outubro, o Secretário da Educação do Estado Herman Voorwald, forneceu dados sobre a reorganização. De acordo com a pasta, 311 mil alunos serão movimentados em 162 municípios. Além disso, o número de escolas com um segmento passará de 1.443 para 2.197; o de dois ciclos irá de 3.209 para 2.635 e as unidades com três segmentos passarão de 479 para 315. Entre as mudanças, o secretário destacou que 2.956 classes que estavam ociosas passarão a ser usadas pela rede.
No mês seguinte, em nova coletiva de imprensa, Voorwald afirmou ia continuar a dialogar ao máximo com todas as escolas para garantir uma desocupação pacífica dos prédios. Na ocasião, o secretário também criticou a participação de movimentos que não são ligados à educação no que ele chamou de “invasão de escolas públicas”, mas disse apoiar os alunos.
— A fala do estudante, o gostar da escola é exatamente o que faltava na educação básica, faltava participação dos estudantes. Esse é um movimento que eu respeito. O que não concordo é quando tem participação de entidades que não tem como questão a educação.
Além disso, Voorwald voltou a afirmar que todo o projeto de reorganização foi discutido com os envolvidos e disse que, apesar das críticas e das diversas manifestações, há alunos satisfeitos com o ensino público.
— Há estudantes e pais satisfeitos. Temos que entender o que está por trás disso [protestos contra a reorganização]. Quero entender as demandas e críticas.
(do R7)