Aula pública no Congresso debate financiamento e justiça racial dia 10/6
Na próxima segunda-feira, 10 de junho, às 16h, o Plenário das Comissões da Câmara dos Deputados será palco de uma aula pública que coloca em debate um dos temas mais estratégicos — e pouco compreendidos — da política brasileira: o financiamento da educação pública. Com o título “Educação no Brasil: quem decide, como funciona e como é financiada”, a atividade integra o terceiro módulo do curso “Educar para Reparar”, iniciativa que une formação cidadã, incidência política e combate às desigualdades raciais.
A aula será ministrada pela professora Olgamir Amância Ferreira, da Universidade de Brasília (UnB), referência nacional em educação e direitos humanos. O evento marca um momento raro em que o Congresso Nacional será ocupado por vozes comprometidas com a justiça social e racial, reunindo educadores, gestores públicos, parlamentares e representantes de movimentos sociais.
“Compreender os mecanismos de financiamento é fundamental. A primeira questão é que não é uma escolha aleatória e, sim, feita a partir de uma intencionalidade, de uma definição política que está diretamente relacionada a uma concepção de educação”, explica Olgamir Amância.
Uma questão de intencionalidade
Para Olgamir, o debate sobre orçamento público não pode ser dissociado das lutas por direitos. Segundo ela, a maneira como os recursos são alocados na educação brasileira revela intencionalidades históricas de exclusão.
“Há uma intencionalidade de manter as desigualdades sociais e raciais. Isso confirma, eu diria, a afirmação do Darcy Ribeiro de que a crise da educação brasileira não é uma crise, é um projeto”, reforça a pesquisadora, citando o educador e político brasileiro que foi um dos responsáveis pela criação da Universidade de Brasília, na década de 1960, tendo sido seu primeiro reitor.
A frase de Darcy Ribeiro resume uma crítica contundente: o investimento aquém do necessário, destinado a quem mais precisa da educação pública, ou seja, as populações negras e pobres, não se dá por acaso.
“Os investimentos em educação no Brasil, ao longo da história, são sempre muito menos que os necessários para a implantação, a manutenção e o desenvolvimento do sistema educacional. As pessoas que acessam essa educação recorrentemente são os setores sociais menos abastados, são os filhos e as filhas dos trabalhadores e trabalhadoras, alijados da sociedade e pauperizados. Também são setores marcadamente formado por pessoas negras, porque a pobreza no Brasil tem cor”, completa Olgamir Amância.
Educação e combate ao racismo: uma pauta urgente
Além de discutir o orçamento, a aula pública irá reforçar a importância de uma Educação Antirracista como estratégia estruturante para enfrentar desigualdades.
“Não basta negar o racismo. É preciso combatê-lo. E isso começa por uma educação que desnaturalize suas estruturas e valorize os saberes afro-brasileiros e afrodiaspóricos no currículo escolar”, defende Olgamir.
Para a professora, promover uma educação antirracista é também reconhecer a potência do conhecimento produzido por populações historicamente marginalizadas, colocando essas epistemes no centro da formação de todos os brasileiros.
Com mais de 30 anos de trajetória em Ensino de Ciências, Olgamir Amância Ferreira foi decana de extensão da UnB e liderou fóruns nacionais como o Forproex e o COEX/Andifes. Autora e organizadora de diversas obras sobre educação, ciência e direitos humanos, como “Extensão Universitária e Direitos Humanos no Brasil” (Editora Habitus, 2024) e “Mulheres e Meninas na Ciência” (FAU, 2024), entre outros livros e dezenas de artigos. É também líder do Grupo de Pesquisa “Insurgências”, que investiga práticas pedagógicas emancipatórias.
Formação cidadã com incidência política
Realizado pelo Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo (UFSB) e pela UNEGRO – União de Negros e Negras pela Igualdade, com apoio da SECADI/MEC, o curso Educar para Reparar oferece uma formação gratuita e online voltada a cidadãos, educadores e gestores públicos interessados em atuar por uma educação com justiça racial. Além dos conteúdos digitais, encontros presenciais vêm sendo realizados em diferentes cidades do país, como Porto Alegre, São Paulo e, agora, Brasília. As próximas serão Salvador e Porto Seguro, no Sul da Bahia.
“Educar para Reparar é um curso para ensinar o Brasil a ser justo”, afirma o professor Richard Santos, da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), coordenador do projeto. “Nosso objetivo é formar cidadãs e cidadãos que compreendam como o dinheiro público é planejado, aplicado e fiscalizado, e como essa compreensão pode se converter em ação transformadora”, revela Santos.
Para Richard, o curso responde a uma urgência histórica: “No Brasil de 2025, país marcado por desigualdades históricas e profundas, o projeto surge como uma iniciativa inédita e urgente. É uma resposta à necessidade de transformar a educação em ferramenta concreta de justiça, democracia e cidadania”, destaca.
O professor ressalta ainda que o racismo atua também como força estruturante nas decisões orçamentárias. “O racismo não é apenas uma violência simbólica. É um sistema que organiza o orçamento público, que distribui (ou nega) direitos e que naturaliza o abismo social brasileiro. Por isso, Educar para Reparar nasce da urgência de fazer da educação um instrumento de reequilíbrio das contas históricas de um país que foi fundado sobre a injustiça”, afirma Richard Santos.
A formação, segundo ele, alia teoria crítica, escuta comunitária, rodas de diálogo e letramento orçamentário popular, buscando romper com a lógica que fala ‘sobre’ os sujeitos populares, mas não ‘com’ e ‘a partir’ deles. “Nosso curso reconhece o Brasil como um território em disputa, e entende que disputar o orçamento é disputar o futuro. Munidos de conhecimento, podemos tensionar a lógica excludente das políticas públicas e construir alternativas baseadas na equidade, na dignidade e na justiça”, espera o coordenador.
A expectativa é que a aula no Congresso reforce o diálogo entre sociedade civil e poder público. Estão previstas as participações de figuras como o ministro da Educação, Camilo Santana, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), titular da Comissão de Educação da Câmara.
Cultura como resistência
A programação contará ainda com uma apresentação da Batalha da Escada, iniciativa criada na UnB em 2015, que se tornou a maior batalha de RAP em universidades do país. A batalha é reconhecida como projeto de extensão e disciplina universitária, simbolizando a força da cultura hip hop como ferramenta pedagógica e política da juventude negra.