Artigo – Educação não se melhora com soluções mágicas

A pergunta “como melhorar a educação pública?” nunca mobilizou tantos e diferentes atores sociais e políticos no Brasil, o que é ótimo. O exame da história ensina que as sociedades só levantam questões quando estão aptas a resolvê-las. E embora ainda seja pequeno se comparado a outras áreas, o interesse pelo debate educacional vai ganhando espaço na agenda pública brasileira.

Melhorar o ensino no Brasil não será tarefa fácil

Temos mais de 40 milhões de matrículas públicas em educação básica, mais de 170 mil escolas e ainda há muitas crianças, adolescentes, jovens e adultos sem acesso à educação.
Um relatório com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2009, realizado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, mostra que 3,7 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estão fora da escola. O censo populacional de 2010 confirma essa situação, apontando 3,8 milhões.
E o Brasil ainda tem, aproximadamente, 14 milhões de analfabetos absolutos, o que é inaceitável!
Diante do gigantismo do desafio educacional brasileiro, muitos tentam encontrar variáveis mágicas para pôr fim à falta de qualidade da educação básica. Parte desse grupo, genericamente denominado por “especialistas” ou “consultores” em educação, propõe medidas “simples” e “inovadoras” na tentativa de desencadear uma espécie de “revolução” educacional.
Toda tentativa de solucionar um problema colabora com o debate, mas diante da complexidade do tema, é mais prudente encarar a realidade: o Brasil mudará sua situação educacional apenas com trabalho árduo, investimento e a clareza de que os resultados somente serão colhidos no médio e longo prazo. Isso porque é preciso enfrentar questões estruturais dos nossos sistemas públicos de ensino.
O Brasil precisa assumir que deixou, por muito tempo, a educação de lado. Desvalorizou a carreira docenteapenas 0,6% das escolas públicas são adequadas para promover a relação de ensino-aprendizagem, não temos uma política curricular clara e a participação dos pais nas escolas não é estimulada nem pelos sistemas de ensino e muito menos é valorizada pela sociedade. Por exemplo, quantos funcionários são liberados pelas empresas para acompanhar as reuniões de pais e familiares nas escolas de seus filhos?
Além disso, o investimento por aluno ao ano brasileiro está bem abaixo da média dos países analisados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e é inferior a muitos países com nível de desenvolvimento equivalente ao brasileiro. Como resultado do baixo custo da educação, o professor aqui é um dos mais mal remunerados do mundo.

Tecnologia na sala de aula

Um exemplo ilustra o dilema. Certa vez, indo para Brasília, encontrei um colega, recém ingressante em uma fundação empresarial. Sua missão seria buscar soluções para a educação pública. Seu plano de trabalho era “trabalhar com aquilo que funciona em sala de aula, só assim podemos melhorar a educação pública”.
O diagnóstico estava parcialmente correto. No Brasil se debate menos do que o necessário as questões de sala de aula. E curiosamente, embora ele nunca tenha estudado ou trabalhado em uma escola pública, considero que fez uma aposta inteligente: investiu na promoção do uso das tecnologias em sala de aula, aproveitando a naturalidade com que a atual geração de estudantes faz uso dela. No entanto, os resultados mostram o que era óbvio: não será esse o caminho para a mudança na educação pública. Tecnologia é insumo pedagógico, um meio importante para o alcance do aprendizado, mas sozinha não resolve o problema.
É preciso apontar que, por um período relativamente curto de tempo, em uma escola ou em sistema público de ensino, um conjunto de medidas paliativas pode mudar a qualidade da educação. O impacto de uma novidade é geralmente positivo. Contudo, com o tempo, quando a proposta é naturalizada, deixa de gerar resultados. Prova disso é a revogação, ao redor do mundo, da bonificação dos professores por mérito. No começo parece que funciona, depois fica claro que não melhora a qualidade da educação, além de desmotivar os professores.

Trabalho árduo

Melhorar a educação exigirá, em primeiro lugar, esforço orçamentário e controle social sobre a aplicação dos recursos educacionais. A maior parte desse dinheiro novo deve ser investida na remuneração inicial dos profissionais da educação, acompanhada pelo estabelecimento de uma política de carreira atrativa e aperfeiçoamento da formação inicial e continuada para os professores. Também será necessário tornar as escolas espaços dignos e profícuos para a relação de ensino-aprendizagem, o que não ocorre hoje. O debate curricular precisa ser enfrentado no Brasil, envolvendo todos os interessados, e a participação dos pais e da comunidade nas escolas e nas esferas de tomada de decisão dos sistemas públicos de ensino precisa ser respeitada e socialmente estimulada.
Como se tudo isso não bastasse, é preciso compreender também que as famílias e os alunos têm outros problemas e carências. Pode parecer estranho para alguns, mas a realidade das escolas públicas mostra que a política educacional sozinha não garantirá o direito à educação. Para famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica e civil é preciso articular bem as políticas educacionais com as políticas de saúde, transporte, assistência social, trabalho, além de aproximá-las de ações promovidas pelas políticas de cultura e esporte.
A tarefa não é fácil e a questão social como um todo já foi muito negligenciada por aqui. Encarar o problema e tentar resolvê-lo exigirá coragem, determinação e, principalmente, paciência. É preciso encarar o fato: ações paliativas não têm a capacidade de resolver um problema complexo, de enorme escala. Pior, muitas vezes servem como manobra para evitar um ajuste salarial ou maior investimento em escolas, resultando em precarização.
Melhorar a educação exigirá trabalho, participação e muito investimento. E é preciso encarar o angustiante desafio de frente, sem ceder a atalhos, por mais sedutores que eles possam parecer.
Daniel Cara – oordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde junho de 2006. É bacharel em Ciências Sociais e mestre em Ciência Política pela ‘Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas’ da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). É membro titular do Fórum Nacional de Educação.