A greve da carreira Magistério Público do Distrito Federal é Política!
Por Cristino Cesário Rocha*
“É tão grande violência não responder que, aos que nasceram mudos, fez a natureza também surdos, porque, se ouvissem e não pudessem responder, arrebentariam de dor”
Antônio Vieira
A Carreira Magistério Público do Distrito Federal deflagrou greve por tempo indeterminado, em Assembleia Geral, no dia 27 de maio de 2025, cumprindo a lei de iniciar 72 horas após a decisão da categoria, portanto, a greve teve início no dia 02 de junho de 2025. Precisamos, como categoria em movimento paredista e como comunidade escolar/sociedade, atentar para fatos e atitudes nesse contexto.
A primeira atitude é a que desrespeita a “Convenção n. 87 da Organização Intencional do Trabalho/OIT, relativa à Liberdade Sindical e à Proteção do Direito de Sindicalização que diz no Artigo 2: “Os trabalhadores e os empregadores, sem nenhuma distinção e sem autorização prévia, têm o direito de constituir as organizações que estimem convenientes, assim como o de filiar-se a estas organizações, com a única condição de observar os estatutos das mesmas”. E, ainda, o artigo 3, inciso 2 trata da não intervenção administrativa: 2. “As autoridades públicas deverão abster-se de toda intervenção que tenha por objetivo limitar este direito ou entorpecer seu exercício legal.
O governador Ibaneis Rocha (MDB) e a secretária de educação, Hélvia Fraga, usam a palavra política no sentido negativo, de modo intencional, com o claro objetivo de desmoralizar e desqualificar o movimento de luta por dignidade humana realizado por profissionais da Educação Básica. Estabelecem uma cisão irreal entre política, economia, educação e o marco legal, sem qualquer fundamento científico. Com tal atitude, pretendem uma neutralidade que não existe, nem aqui, nem alhures.
Ibaneis Rocha diz que a greve dos profissionais da Educação é “puramente política”. Nisso, ele tem razão. Mas não do modo como o governador pensa, pois sua fala provém do lugar de quem assumiu o poder público a partir dos votos de quem o elegeu. Em contexto como tal, ele instrumentaliza a palavra política para fazer valer seu “poder político” contra a educação pública e, portanto, contra as camadas populares, justamente o segmento da população majoritariamente beneficiado pela educação pública.
Vale lembrar, aqui, a palavra politicalha, que traz o significado ao qual o governador se remete com sua atual postura e que é, de fato, a ação perpetrada por ele mesmo em sua candidatura, no ano de 2018, quando disse a seguinte frase: o mesmo fez na própria candidatura, em 2018, com a seguinte frase “professor deveria ganhar o mesmo salário de um juiz. Professores, a meu ver, têm que ser prioridade”. Frases como essa fizeram-no obter uma quantidade considerável dos votos que o elegeram. Diante dos fatos que hoje se sucedem, pode-se afirmar, infelizmente, que o povo e os/as professores/as foram enganados/as por um discurso mentiroso, simplesmente por almejarem uma perspectiva positiva no âmbito da educação. Por a creditarem em uma educação de qualidade e na valorização docente.
Empreendo esta discussão trazendo uma reflexão que desmonta a falácia de um governo classista que se coloca como “neutro” e se revela avesso à palavra política, movido por uma finalidade inteiramente política, uma vez que instrumentaliza o poder político para rejeitar as demandas da categoria.
Uma primeira ideia, de nível conceitual é que, segundo Aristóteles, em “A Política”, “O homem é, por natureza, um ser político” (zoon politikon). Essa assertiva serve, também, às mulheres, senhora secretária de Educação! E ainda, homens e mulheres e os/as que não se encaixam nessas categorias, estabelecem relações de poder cotidianamente. Isso constitui política, sendo um conceito que, não apenas inclui o Estado, como transcende seu aparato ideológico-político-jurídico-midiático que se articula contrário a um movimento que reivindica a dignidade humana, um dos princípios constitucionais da Carta Magna de 1988.
Senhor Ibaneis e senhora Hélvia, na obra Em “A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação”, Bernard Charlot (1986) possibilita um olhar amplo sobre a terminologia política. Alguns pontos dão rumo ao que entendo por política, assim como os demais contributos presentes nessa prosa.
Uma afirmativa potente desse autor é a de que: “a educação tem uma significação política de classe”. Vejam que Educação, Política e Classe são categoriais de análise e de práxis intercambiantes, intencionalmente articuladas no mundo, em todos os tempos e lugares.
Charlot evidencia a dimensão ampla da palavra política: “Tudo é política, pois a política constitui uma certa forma de totalização do conjunto das experiências vividas numa sociedade determinada”. Sendo assim, dizer que a greve da carreira magistério “é política”, no sentido negativo, senhor Ibaneis e senhora Hélvia, também é política; é pensar-fazer a política do/a opressor/a.
Charlot, senhores/as, coloca em destaque, na seguinte citação, o papel político-social mediador da greve: “Uma greve é, antes de tudo, um fenômeno econômico, mas tem igualmente um sentido político na medida em que coloca em causa a organização social do trabalho”. O trabalho docente, senhores/as, não é um trabalho em instituição de caridade, nem é feito por religiosos/as consagrados/as a uma missão de cunho religioso. É profissão professor/a e de orientação educacional que merece respeito e dignidade humana.
E a escola, senhores/as, neste e em todos os tempos e lugares, crianças, adolescentes, jovens e adultos são sujeitos com direitos a uma educação como mediação para a emancipação, para pronunciar o mundo com criticidade e ensejo de transformação (vide Paulo Freire). Charlot indica o que a escola não pode fazer: “a escola não pode preparar a criança para uma obediência social e política”. Desse ponto de vista, a escola pública exerce, essencialmente, uma significação política de classe, etnia/raça, gênero, sexo, de culturas, etc.
Paulo Freire dialoga com esse momento, ao dizer que “a educação é um ato político. É impossível ser neutro. Quem decide pela neutralidade já optou por posição”. E não há dúvida de que a posição do governo é política e classista, na mesma proporção da grande mídia que, aliada ao governo, divulga o que interessa ao governador e à secretária de Educação. Vejamos o título da reportagem do Metrópoles, dia 30 de maio de 2025: “Em meio a anúncio de greve, chapa 1 vence a eleição do Simpro-DF”. Está posto que essa mensagem tem um cunho político muito evidente, pois coloca-se ao lado do grupo dirigente. E podemos esperar, sem surpresa, que a grande mídia tende a colocar a comunidade escolar, principalmente pais, mães e/ou responsáveis contra a categoria.
A posição da secretária de Educação não é surpreendente, mesmo porque, quem assume uma função no governo Ibaneis, assim como em outros tempos e outras realidades, ou lê a cartilha de quem concede o cargo, ou está fora. Essa lógica perversa de fazer política, transforma o sujeito em objeto, sem fala própria e, quando sua subjetividade é posta no enfrentamento é tida como crítica, e o sujeito objetificado sumariamente expurgado/a do poder público.
Vejamos o que disse a secretária de Educação, durante entrevista com a colunista Isadora Teixeira, do Metrópoles, em relação à greve (https://www.youtube.com/watch?v=ajNdUZa69PM): “O governador ficou aborrecido, e com razão”; (…) “é uma greve eleitoreira”; (…) “vejo mais uma forma de dizer: estamos lutando por vocês! É uma falácia” e “houve um pacto que foi quebrado, não há mais mesa de negociação”.
O aborrecimento do govenador Ibaneis é de cunho político. Aborrece-se pelo fato de o poder político não ser restrito ao Estado, pois, segundo Michel Foucault, em Microfísica do Poder, não é propriedade de lideranças políticas, nem do Estado. O poder político circula de um lado e de outro, na sociedade civil e no Estado. Hélvia Fraga também está aborrecida com a categoria, não apenas com o sindicato, porque a greve é da carreira magistério, não é do SINPRO-DF. Aborrecimento esse que não é ilegal, mas imoral diante de uma reivindicação justa.
Rotular a greve de “eleitoreira” é, antes de tudo, uma desonestidade político-intelectual, pois outros movimentos paredistas não foram assim considerados, uma vez que eram tempos de eleição para direção do SINPRO – DF. O que está por trás dessa fala é o fato de se posicionar, politicamente e juridicamente, contra os avanços da carreira magistério, menos com o SINPRO-DF. O que está em jogo não é o sindicato, é a luta maior com implicações políticas, financeiras, pedagógicas e estruturais/estruturantes dos profissionais da educação.
A luta, senhora secretária, não é uma falácia. A falácia está no “pacto” quebrado. Entre governo/patrão e trabalhador/a não existe a mínima possibilidade de pacto. O que há ou deve ocorrer é pressão social da classe trabalhadora sobre a corporação dominante – dirigente. Onde há pacto entre patrão e trabalhador/a não há revolução, mas mero ajuste aos ditames da ordem dominante. Dito de outro modo, não há neutralidade política do Estado, nem da sociedade civil. O Estado é classista ao lidar com o movimento paredista, da mesma maneira que o marco legal é classista, a grande mídia é classista, basta ver as decisões judiciais nos tempos de greve, sempre a favor da elite do poder, além das reportagens enviesadas e favoráveis aos governos.
A palavra Política é rica de sentidos e usos. Trago mais uma contribuição significativa no contexto do movimento paredista em andamento. Mao Tse-Tung diz: “A política é uma guerra sem derramamento de sangue, e a guerra uma política com derramamento de sangue”. De qual lado o senhor está, Ibaneis? De qual lado a senhora está, Hélvia Fraga?
Os/as profissionais da educação pública do Distrito Federal, senhor Ibaneis, senhora Hélvia, já possuem experiências feitas entre balas de borracha, gás de efeito moral, prisão, cassetetes, polícia montada a cavalo batendo em professores/as e orientadoras educacionais, aparato repressivo do Estado em nada a favor do movimento paredista (vide Louis Althusser) em “Aparelhos ideológicos e repressivos do Estado”.
Essas experiências ocorreram, objetivamente, em 2015, no governo Rollemberg, quando professores/as e orientadores/as educacionais da rede pública de ensino do Distrito Federal foram agredidos pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar, a mando do governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), no dia 28/10/2015. Nesse contexto, profissionais da educação protestavam contra o governo pelo não pagamento do reajuste salarial, aprovado por lei para a categoria, quando foram agredidos com balas de borracha, spray de pimenta e gás lacrimogêneo.
O contexto da violência contra professores/as e direção sindical, senhor Ibaneis e senhora Hélvia, foi exatamente em movimento paredista, quando professores/as e orientadores/as educacionais reivindicavam direitos (pagamento de reajuste salarial escalonado já aprovado na gestão anterior. E mais, houve prisão, quando, professores/as foram presos em confronto com a Polícia Militar durante a manifestação do dia 28/10/2015 em Brasília.
Senhor Ibaneis Rocha e Hélvia Fraga, Pedro Casaldáliga sela essa prosa com uma concepção de política que elucida e desmonta qualquer intencionalidade de desqualificar o sentido mais profundo e radical da palavra Política.
No filme “O anel de tucum”, um jornalista a serviço dos latifundiários, infiltrou-se no movimento popular para levar informações ao patrão. Esteve na casa de Pedro Casaldáliga, bispo a serviço da luta dos/as trabalhadores/as pela reforma agrária e na luta das nações indígenas. Ao chegar na casa de Pedro, que era simples, sem móveis convencionais, o jornalista indaga: “essa é a sua casa, não merece algo melhor?”. Pedro responde: “é questão de estética evangélica”.
Aqui está o ponto nodal das relações essencialmente políticas: o jornalista pergunta a Pedro: “por que a igreja se mete em política?”. Pedro responde: “meu caro, há a política de uns e a política dos outros (vide Foucault, macro e micro política). E enfatiza: “aliás, tudo é política, ainda que o político não seja tudo”.
Senhor govenador Ibaneis, Hélvia e aliados/as do campo jurídico, Bertolt Brecht dialoga com o que vivemos no atual momento reflexivo e de embate: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Na esteira dessa ideia, senhor Ibaneis, senhora Hélvia e representantes do campo legal a serviço do governo, não diz abusiva a massificação de contratação temporária em detrimento da contratação de concursados/as; não diz abusiva a precarização da educação pública; não diz abusivo o crescente adoecimento da categoria sem política pública de melhoria;
E não para por ai, não diz abusiva a militarização da escola pública em razão da ausência do estado nas questões sociais, cientificas e culturais; não diz abusiva a inflação que consome escalonamento de um mísero 18% em três anos; não diz abusivo determinar corte de pontos de grevistas e multa ao sindicato; não diz abusivo o decreto n. 2.221, de 27 de novembro de 2023 que institui controle eletrônico de frequência e aferição do cumprimento da jornada de trabalho dos servidores em exercício nas Unidades Administrativas de nível central e intermediário da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal; não diz abusiva a autoritária privatização sem ouvir a população e sindicatos; não diz abusiva a desproteção e insegurança que dos/as profissionais da educação; não diz abusivo a desvalorização progressiva da carreira magistério, fato que comprova a falaciosa narrativa de que “professor/a seria tratado como juiz”.
Senhor Ibaneis, judicializar greve, multar sindicato, cortar pontos de grevistas e dizer que greve é “puramente política” é ato político, na defesa do status quo dominante opressivo. Senhor Govenador Ibaneis Rocha e Hélvia Fraga, recusem a falácia da neutralidade política, porque, ao atacarem o sindicato e a categoria como um todo, estão a serviço da política de uns (da corporação dominante-dirigente) e contra a política dos outros (profissionais da Educação).
E a nós, como categoria que luta pela dignidade humana, resta fazer a pressão político-social, porque o dito pacto foi quebrado, talvez, de modo providencial, dentro de um contexto de dominação política, jurídica e midiática. E Sun Tzu, em “A arte da guerra”, propõe que: “Um bom comandante conhece a si mesmo, o inimigo e o ambiente”. E não temos dúvida que quem comanda o GDF é nosso inimigo, aliado ao outros/as com o mesmo propósito. O SINPRO-DF é direção que conhece a categoria, o inimigo e o contexto. O comando de greve conhece o inimigo e a realidade. O que Tzu propõe é extensivo a nós profissionais da educação e comunidade escolar em tempo e fora do movimento paredista: é preciso conhecer e agir para transformar. Sigamos em frente como classe a serviço da classe, sem pacto com a burguesia, nem com o patrão! Se você leu, problematizou e gostou, compartilhe!
*Cristino Cesário Rocha é professor da rede pública do Distrito Federal. Formação: teológico-filosófica. Especialização em Administração da Educação (UnB); Culturas Negras no Atlântico: História da África e afro-brasileiros (UnB); Educação, Democracia e Gestão Escolar (UNITINS/SINPRO/DF; Educação na Diversidade e Cidadania com ênfase na Educação de Jovens e Adultos (UnB). Tutoria em Educação à Distância: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e Socioeducação e Políticas Públicas (UnB). É Mestre em Educação (UnB). Participa dos coletivos Educação antirracista, Professores/as negros/as da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, MNU/DF/Entorno. Participa do grupo Pós-Populares: Democratização do Acesso à Universidade Pública Pelo Chão da Pesquisa (UnB) e Grupo de Estudo e Pesquisa em Materialismo Histórico Dialético e Educação – Consciência (UnB): Educação Popular, Trabalho e Marxismo. E-mail: cristino.arcanjo@gmail.com