6 de dezembro | Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres
O Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, 6 de dezembro, chega em um momento oportuno. Casos recentes de feminicídios e tentativas de feminicídio escandalizaram o país pela quantidade e pela crueldade com que homens buscam acabar com a vida de mulheres.
Como se costuma dizer por aí, “nem todo homem, mas sempre um homem”. Envolver os homens no compromisso pele fim da violência contra a mulher é, portanto, muito importante. Mas o que se espera não é apenas o compromisso individual de não ser violento.
É o compromisso de entender que a violência se manifesta em comportamentos comuns. Desqualificação da mulher no ambiente público ou privado, gritos, exposição, controle, desconfiança – ou fazê-la desconfiar de si – são ações inaceitáveis. Violência psicológica e moral, inclusive, estão devidamente tipificadas na Lei Maria da Penha.
É, também, o compromisso de reprimir piadas e comentários machistas em rodas de amigos. Não aceitar ver ou ouvir um homem tratar uma mulher como um objeto, como inferior, como disponível, como alguém sem autonomia para ter seus desejos e suas escolhas. É necessário que os homens sejam protagonistas nesse enfrentamento.
É questionar a divisão sexual do trabalho e abdicar de privilégios historicamente construídos. É perceber que a desigualdade não é apenas um mal estar individual, mas sim, estabelece uma estrutura social que impõe às mulheres uma posição de vulnerabilidade.
Sem compromissos concretos, um laço branco preso à roupa tem impacto muito reduzido. É fundamental que os homens se engajem concretamente no combate à violência contra a mulher.
Triste momento
Em poucos dias:
– Em Santa Catarina, uma mulher foi violentada e morta numa trilha nas primeiras horas da manhã, quando ia à sua aula de natação;
– No DF, uma mulher foi esfaqueada por um homem que, motivado por ciúmes, também jogou álcool sobre ela, na tentativa de atear fogo. Tudo aconteceu na presença do filho do casal;
– No Rio de Janeiro, duas servidoras públicas foram mortas por um subordinado que não aceitava o comando de mulheres;
– Em Pernambuco, uma mulher e seus quatro filhos foram mortos carbonizados pelo ex-marido e pai das crianças, que ateou fogo à casa onde moravam;
– Em São Paulo, uma mulher foi atropelada e arrastada por mais de 1 km por um homem que não aceitava o fim do relacionamento. Ela teve as duas pernas amputadas;
– Em Alagoas, uma mulher foi atropelada e, depois, violentamente agredida pelo ex-companheiro;
– Em São Paulo, uma mulher foi baleada cinco vezes no seu local de trabalho por um homem que não aceitava o fim do relacionamento.
E esses foram os casos que ganharam notoriedade na imprensa. Certamente, houve muitos mais. Não se trata de um conjunto de episódios isolados, mas manifestações de um machismo estrutural.
Com a Lei Maria da Penha – fruto da luta de décadas das mulheres brasileiras -, foi possível notar aumento nas notificações. Depois, a Lei do Feminicídio fez com que os assassinatos cometidos em função do gênero fossem contabilizados separadamente, o que também contribuiu para se conhecer melhor a extensão do problema.
Porém, o aumento da violência contra a mulher que temos observado não se explica somente pelo aumento das denúncias. É certo que o recrudescimento da misoginia e dos discursos de ódio tem contribuição decisiva nesse cenário trágico.
Um ex-presidente que atribui a uma “fraquejada” o nascimento da única mulher entre seus cinco filhos. Influenciadores misóginos que espraiam descontroladamente seu discurso de incentivo à violência. Parlamentares que interrompem agressivamente o discurso de colegas mulheres.
A brutalidade dos assassinatos mostra o eco que o discurso de ódio encontra nas atitudes dos homens.
Inviabilizar a violência antes que ela aconteça
O Brasil não vive uma “epidemia” de violência contra a mulher. A escalada de feminicídios não surgiu de repente, nem do contágio de pessoas sãs. A violência contra a mulher se intensifica na medida em que o discurso de ódio se amplifica, articulado com a interdição de políticas importantes de prevenção – o que legitima atitudes individuais de imposição de poder, bem como a dinâmica de controle e de posse.
A pena para feminicídio é a maior prevista no Código Penal: 40 anos. Mesmo assim, o risco de ir para a cadeia não tem intimidado homens de matarem mulheres.
O feminicídio, geralmente, é o desfecho trágico de um ciclo prolongado de violências. É necessário identificar o início do ciclo violento, combater a ideia de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” e fortalecer as redes de proteção. Os homens que são aliados dessa luta podem contribuir em todas essas iniciativas.
Podem contribuir também na cobrança do poder público. Os serviços de proteção e de acolhimento precisam funcionar bem. Mas tem ficado cada vez mais nítido que é necessário investir em políticas de prevenção à violência.
Garantir a autonomia econômica das mulheres é fundamental. Para além da disponibilidade de delegacias especializadas de polícia, de casas-abrigo e da aplicação adequada das medidas protetivas, é preciso, por exemplo, investir em programas de emprego e geração de renda.
Muitas vezes, a mulher tem dificuldades de romper o ciclo da violência porque ela e seus filhos dependem economicamente do agressor. É tarefa do Estado investir nas mulheres, nas mães de família, fortalecendo-as diante dos homens e da sociedade. Melhorar a inserção das mulheres no mercado de trabalho, desenvolver políticas de socialização do trabalho doméstico e de cuidados, garantir oportunidades de formação: é tarefa do Estado combater a desigualdade.
A importância da educação
Acontece que também tem ficado nítido que as tentativas de prevenir a violência esbarram em setores da sociedade que querem impedir que a escola debata as questões de gênero, o racismo, a homofobia.
Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, disse que é preciso dar acolhimento às vítimas ao mesmo tempo em que se investe na educação das novas gerações: “Começar a trabalhar isso também desde a primeira infância com os meninos e as meninas no ambiente escolar é uma forma de a gente evitar que essas crianças, as nossas crianças de hoje, não sejam nem agressores amanhã nem vítimas da violência”.
Para Berenice Darc, coordenadora da Secretaria de Mulheres do Sinpro, a educação é uma ferramenta fundamental para combater a violência a partir do questionamento de padrões violentos e de desigualdade. “Nós visamos a formar cidadãs e cidadãos conscientes, e é essa vocação libertadora que parlamentares e projetos conservadores, como a Lei da Mordaça, pretendem evitar”, afirma Berenice. “Ao interditar o debate de gênero nas salas de aula, parlamentares colocam-se ao lado da manutenção da dinâmica social de violência contra a mulher”, conclui ela.
É na escola, muitas vezes, que se identifica o início do ciclo violento. Portanto, fortalecer a escola e seus profissionais é parte importante das políticas de prevenção à violência. “A nossa luta em defesa da educação pública e da valorização da carreira magistério também se relaciona com a luta contra a violência”, destaca Silvana Fernandes, diretora da Secretaria de Mulheres do Sinpro.
“A Educação tem total competência para trazer para as discussões de sala de aula, através de projetos pedagógicos que são pautados pelos currículos”, ressalta Regina Célia, diretora da Secretaria de Mulheres do Sinpro. “É preciso ressignificar os papéis de gênero na sociedade. Quando ouvimos que tal coisa é de homem, tal coisa de mulher, precisamos entender que essa imposição inviabiliza a equidade de gênero, aumentando as injustiças, reafirmando erroneamente a ideia de que um só gênero possa assumir papéis de importância social, naturalizando violências. A luta é pela continuidade da construção de uma sociedade melhor para todas e todos, dizemos isso o tempo todo, por ser necessário, importante e justo”, finaliza Regina.
