O que afinal é o BAM que dominou os debates da COP30?

notice

Em meio à movimentação intensa da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, um termo passou a ecoar nos corredores, nas plenárias e nas manifestações de organizações como a CUT, Confederação Sindical Internacional (CSI), a Climate Action Network (CAN), outras entidades do movimento sindical e também da sociedade civil. Trata-se do BAM.

Mas o que exatamente significa isso e por que se tornou um dos assuntos centrais da conferência?

BAM (Belém Action Mechanism) é uma proposta construída pelos movimentos sociais, sindicatos, organizações ambientais e redes globais de clima para responder a uma lacuna que persiste há anos: transformar a transição justa — conceito amplamente citado, mas pouco implementado — em uma política coordenada, financiada e monitorável em escala global.

Para a entidades, o BAM é hoje a principal prioridade da sociedade civil na COP30, visto como o instrumento capaz de dar coerência às ações climáticas, que atualmente são consideradas dispersas, desiguais e “sem monitoramento real”.

CUT também vê o Mecanismo como uma resposta direta à precarização e às políticas que deixam trabalhadores de lado. “O BAM oferece um caminho integrado para que a transição energética seja feita com justiça social, alinhada às metas climáticas e aos princípios da OIT. Ele corrige o problema central do modelo atual: ações dispersas que não chegam onde precisam chegar”, afirma o secretário de Relações Internacionais da CUT, Antonio Lisboa.

Ele destaca que o mecanismo prevê coordenação internacional, produção de conhecimento e um componente de apoio direto aos países — arquitetura que, segundo ele, é essencial para orientar políticas públicas e mobilizar investimentos sem gerar novas dívidas. “Para a CUT, esse é o tipo de instrumento necessário para enfrentar a crise climática com inclusão e não permitir que a extrema direita explore o medo e a desigualdade para dividir a sociedade”, completa.

A CUT elaborou um documento detalhando a proposta e reforçando a necessidade de criação do BAM.

O que, afinal, o BAM propõe fazer?

Pelo desenho apresentado, o Mecanismo de Ação de Belém funcionaria como uma engrenagem institucional dentro da Convenção do Clima, com quatro eixos centrais:

  • Obrigar países a adotarem passos concretos de transição justa, superando declarações genéricas.
  • Criar um sistema global de troca de práticas e políticas, apoiando especialmente países com baixa capacidade institucional.
  • Facilitar acesso a financiamento e tecnologia, priorizando recursos que não gerem novas dívidas.
  • Assegurar políticas baseadas em direitos humanos, equidade e inclusão, com participação robusta da OIT para garantir salvaguardas trabalhistas, negociação coletiva e proteção social.

Em termos operacionais, o BAM prevê três pilares:

  1. Entidade Central de Coordenação na UNFCCC para garantir coerência, identificar lacunas e assegurar que a transição justa siga princípios da OIT e responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
  2. Centro de produção e troca de conhecimento, ampliando o atual Programa de Trabalho para Transição Justa (TJWP), criado na COP27, com protagonismo sindical.
  3. Componente de Ação e Apoio, conectando países, projetos, financiadores e tecnologias — com foco especial no Sul Global e em mecanismos que não gerem endividamento.

O BAM também ampliaria o alcance do TJWP, que hoje é temporário e com vigência incerta após 2026. Se aprovado, o mecanismo transformaria a transição justa em um pilar permanente da governança climática internacional.

Por que falar tanto de BAM agora? A urgência por trás do mecanismo

A defesa intensa do BAM está diretamente ligada à situação global do trabalho e ao agravamento da crise climática.
A falta de investimentos e o aumento de empregos precários estão permitindo que setores da extrema direita explorem medos e desigualdades, dividindo a sociedade. Ao mesmo tempo, trabalhadores e comunidades vulneráveis — sobretudo no Sul Global — seguem sendo excluídos dos benefícios da transição energética.

Segundo os proponentes, muitas iniciativas já existem, mas são fragmentadas, desiguais e desconectadas das metas do Acordo de Paris e das necessidades reais do mundo do trabalho.

A CAN resume o problema de forma simbólica:

  • Acordo de Paris seria o hardware — onde estão as metas.
  • Transição Justa seria o software — os princípios e valores.
  • BAM seria a interface — o sistema que permite que tudo funcione de forma coordenada, justa e rastreável.

É esse papel integrador que fez do mecanismo o tema mais disputado da COP30.

Quem está liderando essa agenda?

A proposta do BAM é impulsionada por uma ampla coalizão que inclui:

  • Climate Action Network (CAN)
  • Confederação Sindical Internacional (CSI)
  • Women and Gender Constituency
  • Movimentos trabalhistas e de juventude
  • Global Campaign to Demand Climate Justice
  • Grupos indígenas incorporados recentemente

Essa diversidade de atores reforça o diagnóstico de que o atual modelo climático não dá conta da dimensão social da transição.

A batalha política na COP30: avanços e resistências

A defesa do BAM ganhou força em meio a atos e intervenções na zona azul da COP30, onde ativistas exibiram faixas exigindo transição justa e equidade. Mas a assimetria de forças é enorme: sindicalistas relatam a presença de 1.500 lobistas dos combustíveis fósseis contra cerca de 100 representantes do movimento sindical.

Ainda assim, houve avanços. A coalizão celebrou o anúncio de apoio unificado do G77 + China, que representa cerca de 80% da população mundial. Grupos árabes e LMDC também manifestaram apoio parcial, com diferentes ênfases — os primeiros pedindo mais foco em finanças, e os segundos evitando referências ao Global Stocktake.

Por outro lado, países ricos seguem resistentes. Reino Unido e Japão, por exemplo, receberam da CAN o prêmio irônico de “fóssil do dia”.

E o financiamento?

O financiamento climático é o ponto mais tenso das negociações.
Sindicatos criticam que o Fundo Verde para o Clima destina menos de 3% de seus recursos à transição justa — quando, na avaliação deles, o financiamento climático deveria estar plenamente alinhado com esse princípio.

A proposta do BAM defende que:

  • a discussão financeira ocorra nos espaços apropriados, com negociadores especializados;
  • o novo objetivo de financiamento climático e o “Roteiro de Baku a Belém” incluam a linguagem da transição justa;
  • recursos sejam mobilizados a partir de instrumentos já existentes, como bancos multilaterais, mecanismos do G20, parcerias internacionais e cooperação no âmbito da ONU.

Tudo isso sem gerar endividamento adicional, especialmente para países de renda média e baixa.

A síntese: por que o BAM virou o assunto da COP30?

O Mecanismo de Ação de Belém se tornou central por um motivo simples e estrutural:
ele promete resolver a desconexão entre ambição climática e implementação concreta.

Ao tornar a transição justa um pilar permanente, financiar ações, estruturar conhecimento e promover coordenação global, o BAM se coloca como a ferramenta capaz de garantir que nenhum país, comunidade ou trabalhador sejam deixados para trás.

Fonte: CUT