Carta aberta dos profissionais da EAPE contra o programa "Escola Sem partido"

Nós, profissionais da EAPE ─ Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação, repudiamos qualquer tentativa de cerceamento, de censura e de intimidação a professores/as e demais profissionais da educação por meio de “pedidos de esclarecimentos” e outras ações realizadas por parlamentares ou por quaisquer representantes de grupos políticos identificados com o “Programa Escola sem Partido”.
Nos últimos dias, conforme amplamente divulgado pelos meios de comunicação, as unidades escolares Centros Educacionais 06 e 07 de Ceilândia, DF, foram instadas a prestar esclarecimentos sobre trabalhos escolares em torno de temáticas como religiões de matriz africana, homofobia e sexualidades. Sobre esses casos, fundamentando-se na legislação educacional vigente no Brasil e no Distrito Federal, a Secretaria de Educação do Distrito Federal emitiu nota oficial respaldando a legalidade da abordagem pedagógica escolar das diversidades étnica, cultural, sexual e de gênero.
Procedimentos similares por parte de parlamentares, questionando condutas pedagógicas, não constituem episódio isolado, uma vez que a EAPE também vem sendo alvo de interpelações quanto a propostas de cursos que tratam da temática das relações de gênero e diversidade sexual. Causa-nos estranheza que representante parlamentar tenha solicitado, sem a devida explicitação de seus propósitos, informações sobre o curso “Cine Diversidade”, incluindo a proposta de curso, o material didático, o relatório final e a lista nominal dos/das cursistas das turmas do segundo semestre de 2015. Cumpre esclarecer, no entanto, que as estratégias pedagógicas adotadas no curso visam à reflexão crítica em torno de processos discriminatórios, no que tange ao combate e à eliminação das diversas formas de violência contra mulheres e pessoas com identidade de gênero e/ou orientação sexual que diferem da heteronormatividade.
Diante da gravidade dos fatos, nós, profissionais da EAPE, repudiamos toda e qualquer interferência política, centrada em práticas coercitivas e antidemocráticas, que venha a se contrapor à liberdade de expressão e de atuação pedagógica com vistas ao desenvolvimento do pensamento crítico no espaço-tempo de aprendizagens.
O Programa Escola Sem Partido, ao defender a neutralidade na educação, revela-se, contraditoriamente, doutrinador, porque impõe a existência de um padrão único de arranjo familiar e pressupõe que todas as famílias defendem os mesmos valores. Trata-se da negação de temas que constituem a diversidade humana presentes, inclusive, na comunidade escolar. Além disso, o Programa retira da escola as possibilidades de discussões políticas e ideológicas necessárias à formação crítica do estudante, o que desconsidera o pluralismo de ideias.
Nesse sentido, o Programa Escola Sem Partido funda-se na ideologia de um padrão educacional pautado na violação dos princípios legais que regem a igualdade de direitos, o reconhecimento e a valorização das diferenças, das diversidades e a laicidade do Estado.
Com isso, nos somamos a outras importantes entidades na defesa da Educação Básica e que também se manifestam contrárias à tentativa de imposição de um modelo que desrespeita a diversidade, castra a liberdade de cátedra e impede que estudantes se tornem sujeitos críticos e participativos. Reiteramos nossa indignação contra qualquer proposta que empreenda sepultar a autonomia do professor/a e do/a estudante, reduzindo-os/as a seres passivos, desprovidos da capacidade de refletir e agir criticamente sobre a realidade social.
Considerando a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Plano Nacional de Educação, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, a Base Nacional Comum Curricular, o Plano Nacional de Direitos Humanos, as Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos, o Plano Distrital de Educação e o Currículo em Movimento da Educação Básica da SEDF, nós, profissionais da EAPE, nos posicionamos em defesa da escola pública laica, de qualidade socialmente referenciada e denunciamos qualquer ação que venha a ameaçar o princípio da autonomia e do protagonismo dos sujeitos envolvidos com a prática de uma educação emancipadora.
Brasília, 15 de julho de 2016
Profissionais da EAPE/SEDF