Aula de ciência e compromisso

O cientista Miguel Nicolelis, 47 anos, é o convidado da segunda edição da Aula da Inquietação. Nesta sexta-feira, 21 de agosto, ele estará no Teatro de Arena, às 10h, no campus do Plano Piloto, para falar à comunidade sobre a importância da curiosidade cientifica.

Na carreira de Nicolelis, apontado como um dos 20 maiores cientistas da atualidade, curiosidade e inquietação se entrelaçam. “A inquietação é o motor, a mola propulsora da ciência. Não existe descoberta sem curiosidade, sem perguntas, sem motivação”, afirmou o pesquisador em entrevista à UnB Agência.

Professor titular da Universidade Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos, Nicolelis é um dos responsáveis pelo prestigiado laboratório de Neuroengenharia da instituição. O grupo trabalha para construir a interface entre o cérebro humano e as máquinas.

A última peripécia científica da equipe foi fazer um robô andar por meio de sinais de computador decodificados a partir de comandos captados direto do cérebro de uma macaca. O robô estava no Japão. A macaca, nos Estados Unidos.

Paulistano, Nicolelis se formou em Medicina pela Universidade de São Paulo. Na mesma instituição, obteve o doutorado em Fisiologia Geral. Em seguida, mudou-se para os EUA, onde fez pós-graduação em Neurofisiologia.

O mais recente ato de inquietação de Nicolelis foi criar o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra, em Natal, no Rio Grande do Norte. O local, apelidado de campus do cérebro, está trazendo de volta ao país cientistas brasileiros que haviam emigrado e produzindo pesquisas de ponta.

O projeto do campus do cérebro alia, ainda, conhecimento e desenvolvimento social. Os moradores da cidade participam de programas de educação e saúde. “A ciência deve constituir a base de um projeto de nação, pois é capaz de tornar as pessoas mais conscientes, produtivas e participativas”, afirma Nicolelis.

Cotado nas listas de aposta para o prêmio Nobel da Ciência, Miguel Nicolelis tem um conselho para os jovens estudantes: “siga o seu taco, faça aquilo que lhe dá paixão.”

Para o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, a presença de Nicolelis está dentro da proposta de integração de saberes que a universidade deve contemplar. “Nós já trouxemos um teólogo e um rapper, agora teremos aqui um dos principais cientistas da atualidade”, disse José Geraldo em referência à primeira Aula da Inquietação, que recebeu Leonardo Boff e Gog.

Leia abaixo entrevista exclusiva concedida por Nicolelis à UnB Agência

UnB Agência – Chamamos nossa aula inaugural de Aula da Inquietação. É uma maneira de provocar a curiosidade científica e intelectual de nossos estudantes. Na sua avaliação, qual o valor da inquietação para o desenvolvimento da ciência?
Miguel Nicolelis – A inquietação é o motor, a mola propulsora da ciência. Não existe descoberta sem curiosidade, sem perguntas, sem motivação. Na minha carreira, lembro de um momento bastante significativo de inquietação. Logo que cheguei aos Estados Unidos, em um laboratório da Filadélfia, vi a imagem de um disparo elétrico no cérebro. A imagem mostrava milhares de células reagindo em cadeia ao estímulo. O ano era 1989 e esta ocasião me fez elaborar perguntas sobre a maneira sistêmica pela qual o cérebro reagia. Os estudos em Neurociência estavam evoluindo para considerar a importância do sistema e não das células isoladas. Era um paradigma sendo quebrado. Os paradigmas são quebrados por causa da inquietação.

UnB Agência – Em suas falas, o senhor costuma destacar o papel de transformação social que a ciência possui. Como a ciência efetivamente transforma a sociedade? E como podemos democratizá-la?
Nicolelis – De alguma maneira, todos nós fazemos e usufruímos da ciência. Ela está no cotidiano de todos – seja na educação, na economia, na medicina. A ciência deve constituir a base de um projeto de nação, pois é capaz de tornar as pessoas mais conscientes, produtivas e participativas. Em Natal, provamos diariamente que é possível democratizar a ciência. Há quatro anos, quando inauguramos o Instituto do Cérebro, a cidade estava fora do mapa científico. Hoje, o nosso centro de estudos ali é um dos melhores do país em sua área – senão, o melhor, e já tem reputação internacional.

UnB Agência – Por que o senhor escolheu o Rio Grande do Norte para este projeto?
Nicolelis – Queria provar que cada cabeça pensante é um talento científico em potencial, demonstrar que é possível fazer ciência em qualquer lugar, desde que haja comprometimento. Também pensava em descentralizar o conhecimento. Um pouco como foi a própria criação da Universidade de Brasília. A UnB descentralizou a produção científica brasileira, que estava basicamente no Sudeste antes da criação da nova capital. O Instituto do Cérebro também é um esforço para descentralizar a produção científica. Para efetivar essa proposta de mudança, contamos com bastante ousadia e determinação. Nosso trabalho começa na atenção à saúde das gestantes e vai até a pesquisa de ponta. Não temos a pretensão de que todas as crianças atendidas se tornem cientistas, mas acreditamos que elas serão cidadãos melhores, afinal estão sendo formadas com valores éticos e humanísticos. No futuro próximo, confiamos no papel de multiplicadores que elas terão na sociedade.

UnB Agência – Em sua opinião, que pecados o Brasil comete em relação ao desenvolvimento científico?
Nicolelis – Os pecados são muitos. Mas existe um especial: a burocratização, a judicialização das coisas. O Brasil é um país de advogados. Nada contra os advogados, mas deve ser também um país de médicos, engenheiros, biólogos, professores… É um país em que as leis trabalham contra a realização. Um país que transforma cientistas em funcionários públicos. Cientista é para fazer pesquisa, não é para bater ponto. Os departamentos jurídicos brasileiros deveriam executar ordens. Mas, na verdade, são balcões de súplicas.
UnB Agência – O senhor defende o compromisso social do pesquisador. Como as universidades podem contribuir para desenvolver esta responsabilidade em seus estudantes?
Nicolelis – As universidades públicas devem abrir as portas para a sociedade brasileira. Devem tornar acessível o conhecimento produzido dentro delas. Isso se faz de várias maneiras: convidando crianças para conhecer os laboratórios, criando patentes que vão gerar emprego, realizando projetos de saúde, cultura e educação nas comunidades próximas.

UnB Agência – Que conselho o senhor daria a um jovem estudante?
Nicolelis – Siga o seu taco, faça aquilo que lhe dá paixão. A realização pessoal é um ato de ousadia, implica sacrifícios. Mas, por outro lado, é muito difícil levantar da cama diariamente para exercer uma profissão da qual não se gosta.
Érica Montenegro – Da Secretaria de Comunicação da UnB