TV Globo ataca o sistema de cotas e as políticas de inclusão educacional no DFTV

A Rede Globo volta a atacar as políticas afirmativas de inclusão educacional, o sistema de cotas e, com isso, a escola pública e gratuita nas matérias veiculadas no programa de jornalismo DFTV. Na edição do dia 14 de janeiro, numa matéria sobre o aumento do número de estudantes de escolas públicas aprovados no Programa de Avaliação Seriada (PAS), no fim de 2015, a reportagem da TV Globo manipulou o assunto para desacreditar as políticas de inclusão educacional.
Todo o conteúdo da matéria foi elaborado de forma a conduzir o telespectador para Alexandre Garcia – apresentador e comentarista de telejornais – a fim de que ele pudesse concluir com a reportagem com o comentário negativo sobre o sistema de cotas das escolas públicas, classificando-o de “empurrãozinho”. É dessa forma que a Rede Globo desqualifica também a alegria dos (as) professores (as), dos (as) estudantes e de suas famílias.
O conjunto da matéria e comentário acabou por transformar essa matéria “global’ em um ação perversa e de mau gosto que visou, meramente, não só a destruir a autoestima dos (as) estudantes que conquistaram, nesta primeira chamada, 861 vagas da Universidade de Brasília (UnB) por meio do PAS, mas também a desqualificar a política de cotas e a inabilitar o esforço dos (as) professores (as) da rede pública de ensino do DF. Com isso, reportagem e o comentário do jornalista prestam um desserviço à sociedade porque desinformam sobre as políticas afirmativas de inclusão educacional, incluindo aí, os países de primeiro mundo.
O comentário de Garcia repercutiu negativamente nas redes sociais. Flávia Helen, professora da Secretaria de Estado da Educação do DF (SEEDF) e moradora da Samambaia, foi uma das docentes que protestou e não admitiu ter sua qualificação profissional, atuação, dedicação e conhecimento pedagógico ser desqualificado pela TV Globo, uma empresa privada que desde a sua fundação, em 1965, atua nos bastidores das reformas privatistas da educação pública brasileira.
“Parafraseando Martin Luther King, eu tenho um sonho que um dia o Brasil proporcionará, aos menos favorecidos, igualdade de oportunidades e direitos. Sonho com o dia em que a meritocracia, a homotransfobia, o machismo, serão apenas palavras constadas em um passado distante. Continuarei acreditando na capacidade de todos que, como eu, são fruto da escola pública, moradores da periferia, os quais tiveram seus direitos usurpados pela elite burguesa desse país. Continuo na luta incansável para que esse sonho se torne realidade”, disse ela.
Veja aqui a crítica da professora da rede pública, Flávia Helen, ao comentário de Alexandre Garcia:
 

 
Na matéria do site 247 (confira matéria sobre o tema aqui), chama-se atenção para o fato de que o jornalista da Globo “afirmou que os estudantes cotistas da Universidade de Brasília (UnB) entrariam pelas costas na universidade pública, sem ter, na sua avaliação, mérito para estudar nas instituições federais de ensino superior. Estariam lá por “pistolão”, segundo disse o jornalista. No entanto, diversos estudos do Ministério da Educação já comprovam que os estudantes cotistas vêm tendo desempenho acadêmico superior ao de não-cotistas.”
Uma matéria publicada no site 247 chama atenção para o fato de que Garcia “afirmou que os estudantes cotistas da UnB entrariam pelas costas na universidade pública, sem ter, na sua avaliação, mérito para estudar nas instituições federais de ensino superior. Estariam lá por ‘pistolão’. No entanto, diversos estudos do Ministério da Educação (MEC) comprovam que os estudantes cotistas vêm tendo desempenho acadêmico superior ao de não-cotistas.”
A matéria mostra, por escrito, o trecho em que o comentarista da Rede Globo ataca o sistema de cotas: “‘Temos que pensar na qualidade do ensino. Aqui no Brasil ele é todo assim por pistolão, empurrãozinho, ajuda. A tradução disso é cota. Aí põe lá um monte de gente… só 67%, você viu aí, passaram por mérito. Estão aprendendo como é a vida, a concorrência, sem nenhuma humilhação de receber empurrãozinho. O mérito é a base’, disse o jornalista”, disse Garcia.
O site 247 traz a informação de que “no passado, Garcia já havia causado polêmica ao dizer que o Brasil não era racista até inventarem a Lei de Cotas. Ele seguia o raciocínio de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo, que escreveu o livro “Não somos racistas”, para tentar evitar que o Brasil adotasse políticas de ação afirmativa, existentes nos Estados Unidos há mais de 50 anos”.
Durante o comentário, Garcia introduz também um elemento fora da temática da reportagem ao deixar subentendido que, nos EUA, a educação é considerada de excelência porque atua sob a diretriz e os princípios da meritocracia.
A diretoria colegiada do Sinpro-DF esclarece que um dos primeiros países do mundo a criar e a adotar políticas afirmativas de inclusão educacional e social foram os Estados Unidos. E informa ainda que o primeiro a usar o sistema meritocrático nas escolas de Nova Iorque, também foi os EUA, modelo que nasceu e morreu nas escolas de lá porque, comprovadamente, foi um fiasco. Agora os governos estaduais neoliberais querem usar algo fracassado no EUA nas escolas públicas brasileiras, como é o caso de Goiás, São Paulo, Paraná, entre outros.
Em 2011, o modelo meritocrático norte-americano afundou e levou junto várias escolas, deixando centenas de estudantes e de docentes no prejuízo. A matéria do jornal Folha de S. Paulo, de 20 de julho de 2011, intitulada “Modelo para SP, bônus para docente em NY é cancelado”, registrou o anúncio do cancelamento do bônus por desempenho concedido aos (às) docentes de Nova Iorque. Assinada pelo repórter Fábio Takahashi, a matéria informava que os norte-americanos desistiram da concessão do bônus por mérito depois de um estudo mostrar que as escolas participantes do programa não tiveram desempenho melhor do que as que ficaram de fora dele.
Os dados usados no estudo foram coletados a partir do início do projeto (em 2007-2008). É exatamente esse modelo fracassado que Garcia menciona na matéria que desqualifica a política de cotas para a rede pública de ensino e, ao mesmo tempo, é a mesma que tem servido de matriz para governos estaduais neoliberais reformular a educação pública para impor a privatização.
Vale lembrar que o governo Rollemberg cogitou, desde o início de seu mandato, adotar a meritocracia nas escolas públicas do Distrito Federal. Ele não desistiu de privatizar as escolas públicas. No Decreto nº o Decreto 37.036/2015, publicado no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) no dia 31, ele institui os Grupos de Trabalho do Marco Regulatório do Terceiro Setor.

Confira, a seguir, artigo de estudante da UnB sobre os comentários infelizes do comentarista do DFTV. Informamos que a opinião a seguir não é da diretoria colegiada do Sinpro-DF.

A abominação ética em Alexandre Garcia

João Marcelo

Os comentários de Alexandre Garcia nos telejornais da TV Globo são sempre um festival de impropérios, invariavelmente de cunho elitista. Porém, sua declaração recente em que acusa os alunos ingressos à UnB pelo sistema de cotas de “não possuírem méritos para ingressar na Universidade” revela em sua personalidade um pendor de senhor de escravo, um calejamento próprio de uma classe dominante infecunda e profundamente perversa.

A Lei de Cotas nas universidades completou três anos no ano passado. Fruto da mobilização dos movimentos sociais, logrou colaborar no ingresso de mais de 111 mil alunos negros. Ao contrário do propalado pelos intelectuais da Casa Grande, sua efetivação não precarizou o ensino superior público: segundo dados científicos apurados na avaliação dos 10 anos da implementação do sistema de cotas na UnB, o rendimento dos estudantes cotistas é igual ou superior ao registrado pelos alunos do sistema universal. Outras análises, em dezenas de instituições como Uerj e UFG, coadunam com o diagnóstico.

Os argumentos contrários ao sistema de cotas carregam o signo de uma ideologia que fez com que o País vivesse o colonialismo, a escravidão e a própria ditadura. Está no DNA da classe dominante brasileira buscar impedir à emancipação dos oprimidos, por esses constituírem ameaça ao seu domínio. Para esse fim, ocultam os saqueios e opressões que os povos colonizados foram e são submetidos, ao mesmo tempo em que procuram domesticar o imaginário dos oprimidos a partir de mentiras repetidas à exaustão nos meios de comunicação em massa.

Darcy Ribeiro, fundador da UnB e um dos maiores antrópologos brasileiros, teve ocasião de asseverar que o maior problema do Brasil é sua elite. Segundo ele, as elites brasileiras se apropriam unicamente do poder para usurpar à riqueza nacional, condenando seu povo ao atraso e a penúria (ver O livro dos CIEPS, 1986:98). Por isso, carregamos a inglória posição de terceiro país mais desigual do mundo.

Alexandre Garcia é um conhecido bajulador das hostes oficias. Foi aliado de Ernesto Geisel e porta-voz do ditador João Batista Figueiredo. Foi exonerado após postar seminu numa revista masculina. Apoiou a candidatura de Maluf no Colégio Eleitoral. Foi um dos artífices da cobertura global que favoreceu a ascensão de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. É, pois, co-participe da tragédia social, política, econômica e ideológica da sociedade brasileira.

A TV Globo, que abriga essa triste figura, é a principal aliada de todas as causas abomináveis patrocinadas pela elite contra o povo brasileiro. Sustentou o golpe de 1964, franqueou amplo apoio ao regime militar, deu sustentação aos governos conservadores após a redemocratização. Seu jornalismo sempre perseguiu os movimentos sociais e lideranças populares, cuja expressão mais retumbante foi o herói da pátria Leonel de Moura Brizola.

Quando insulta os alunos da rede pública egressos pelo sistema de cotas, o jornalista vê nisso paternalismo e esmola. É compressível. Quem ascendeu na carreira com favores e migalhas dos plutocratas só pode enxergar nos outros os vícios que carrega. Felizmente, o povo brasileiro não permitirá que a direita apátrida coloque suas mãos sujas de sangue em seus direitos mais caros, para a tristeza do jornalista e seus correligionários.