Trabalhadores do campo ocupam Brasília para unificar luta por reforma agrária

Nesta segunda (20), terça (21) e quarta-feiras (22), Brasília será tomada por trabalhadores do campo, das águas e das florestas, que voltam a reunir-se para organizar mobilizações conjuntas na luta pela terra.
Após 51 anos do primeiro congresso nacional camponês, mais de cinco mil representantes dos movimentos sociais irão acampar com mais de cinco mil pessoas no Parque da Cidade, região central da capital federal, onde promoverão seminários e oficinas.
As atividades terminarão com uma grande marcha, na quarta, que partirá rumo à Esplanada e deve reunir mais de 10 mil pessoas.
Para o Secretário de Meio Ambiente da CUT, Jasseir Fernandes, as manifestações devem mostrar que a agricultura familiar representa um modelo de desenvolvimento sustentável não apenas internamente, mas também externamente.
“Mais de 70% dos alimentos na mesa do brasileiro são produzidos pelos agricultores familiares, mas também boa parte do que é exportado. Não perdemos divisa porque  a pequena propriedade gera alimentos, não é o latifúndio quem faz isso e precisamos expor essa realidade.”
Além da pauta imediata
“O Brasil avançou nos últimos anos por meio de medidas como a ampliação dos recursos para o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), do PAA (Programa Nacional de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar), mas são medidas pontuais. O trabalhador rural não tem sido tratado como prioridade para o governo. Queremos construir uma agenda positiva para trabalhar ações macro de todo o movimento”, acrescenta Fernandes.
Secretário de Política Agrícola da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), William Clementino, aponta que o combate à miséria, bandeira principal do governo da presidenta Dilma Rousseff, é inviável se não olhar para o trabalhador rural.
“A conferência é estratégica para resgatar o papel da reforma agrária no desenvolvimento rural do Brasil com sustentabilidade e buscando superar a pobreza. Hoje, essa discussão é uma pauta enfraquecida na sociedade e no governo que tem dificuldade para despreender da macroproposta do agronegócio”, destaca.
Coordenadora da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), Elisângela Araújo, aponta também a necessidade de a gestão Dilma definir de qual lado está.
Investimento para desenvolvimento sustentável – “Não dá para continuar produzindo alimentos saudáveis sem investimentos em um formato baseado na agroecologia. E, para isso, é necessária a reestruturação política do acesso ao crédito, à tecnologia e à pesquisa para poder organizar a ampliação da produção e da comercialização. Não basta apenas avanços que chegam no Plano Safra, focadas no crédito, sem a reestruturação”, defende.
 
 
Fernandes acrescenta que definir prioridades significa também cobrar de órgãos governamentais o apoio, na prática, à estruturação das propriedades familiares.
“A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) faz pesquisas sobre venenos para multinacionais, mas, muitas pessoas que estão lá boicotam a agricultura familiar, não tratam com a mesma prioridade. Temos que ter a ousadia de discutir o limite da propriedade da terra, a estrangeirização de nossas propriedades, que cada vez mais são vendidas para multinacionais.”
Demanda por terra continua
Ainda para Clementino, a ideia defendida por setores do governo de que não é mais preciso distribuir terra e bastar restringir a política agrícola à oferta de crédito está equivocada.
“Metade dos 16 milhões de pessoas pobres no Brasil está no campo e precisamos desenvolver as áreas onde os assentamentos funcionam, com oferta de estradas, habitação, comercialização, assistência técnica, crédito. Mas, como vamos oferecer tudo isso para quem não tem nem a terra? Não dá para fazer assistência técnica para o trabalhador ser carpinteiro.”
Segundo dados da Contag, há cerca de 200 mil famílias acampadas aguardando por um espaço onde possa produzir. Porém, a demanda social certamente é muito maior que essa, já que nem todos que necessitam estão obrigatoriamente assentadas.
Já Elisângela comenta a importância de a unidade entre os movimentos não ser apenas momentânea.
“A expectativa é mantermos a mobilização conjunta para além do seminário e continuarmos juntos nas negociações do próximo ano. Só assim conseguiremos avançar de fato, o que não aconteceu em 2012, nos deixando fragilizados”, avalia.
Lobby do agronegócio – De acordo com o secretário de Meio Ambiente da CUT, a reforma agrária ainda emperra em um Congresso refém do latifúndio.
“A agricultura familiar tem a responsabilidade com o país de garantir a produção sustentável e a segurança alimentar, mas  muitas vezes isso não é compreendido como fundamental dentro do governo, porque não há uma análise mais profunda. Do outro lado, temos um Congresso refém do latifúndio, que usa a terra apenas como reserva de valor, interessa o que gerar valor”, explica Fernandes.
Maior poder de lobby no Congresso, a bancada dos ruralistas conta com 120 deputados federais e 13 senadores, segundo a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Repolitizar os agricultores
Em 1961, em um Brasil comandado por João Goulart, que assumiu após a renúncia de Jânio Quadros, os trabalhadores rurais realizavam o primeiro congresso nacional camponês, em Belo Horizonte (MG). Recentemente reeleito presidente da CUT-RN, José Rodrigues Sobrinho era um dos presentes e lembra que os movimentos do campo tinham como pauta principal o fim da divisão de sua produção com os latifundiários e o acesso à Previdência. Clique aqui para ler  a declaração daquele Congresso.
“À época, nós ocupávamos as terras para não “pagar meia”, porque produzíamos, mas tínhamos sempre que dar metade para o proprietário. E também para ter o instituto de aposentadoria e previdência na agricultura. Havia também outros mecanismos que combatíamos, como o cambão, em que os agricultores trabalhavam três dias de graça em troca de peixes, por exemplo. Se não fizéssemos isso, seríamos mandados embora”, comenta.
Com a pressão dos camponeses e a ascensão de Goulart, destaca o presidente da CUT-RN, o cambão acabou e começou um processo de desocupação da terra. Interrompido apenas pelo golpe militar.
O dirigente CUTista que estará também no encontro de 2012 acredita que o grande avanço deve ser retomar o poder político do trabalhador do campo.
“Há uma despolitização dos trabalhadores diante das políticas compensatórias. Hoje estamos rediscutindo a repolitização e a reorganização dos trabalhadores rurais. Para isso, precisamos de rejuvenescimento dos quadros de nossos sindicatos.” Escrito por: Luiz Carvalho, do site da CUT Nacional.