Professores a menos nas salas de aula

Aprovado no último concurso público para professor da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEDF), em 2013, Ricardo Cardoso, 37 anos, vive um contrassenso: é um desempregado com cargo. Apesar da validação no certame, ele ainda não assumiu o cargo. “Eu moro de aluguel, pago creche, sou pós-graduado. Fica um sentimento de frustração por não ver o resultado do meu esforço”, afirma. A contradição aumenta diante do fato de que, até o ano passado, o déficit de professores efetivos da rede era de 2.641 vagas. O número faz parte de uma auditoria operacional realizada pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal. Em um relatório de 152 páginas, o órgão atesta: a secretaria “não dispõe de uma política estruturada para realizar a reposição da força de trabalho dos profissionais do magistério”.
O documento vai mais longe. Ao analisar a carga horária dos professores destinada à regência de classe — parcela do tempo de trabalho do professor que deve ser utilizada para ministrar aulas —, o TCDF aponta que apenas 19,51% dos professores têm 100% de aproveitamento. Isso gera uma perda de 7.036,2 horas, o que equivale a um desperdício anual de recursos públicos no valor de R$ 6.035.440,60. Isso em apenas 42 unidades escolares analisadas pelo tribunal — no total, eram 556 colégios à época do levantamento.
De acordo com a subsecretária de Gestão dos Profissionais de Educação, Eliane Barbosa da Silva, o estudo foi feito em 2013. “Desde então, tentamos aperfeiçoar o sistema para acompanhar melhor a carga horária dos professores.” Ela explica que, no momento, a secretaria implanta uma plataforma que será colocada no ar em 2016 chamada i-Educar, um software de gestão escolar. “Com ele, nós poderemos fazer auditorias internas para evitar essa perda.”
Para Cláudio Antunes, diretor do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), essa ação não terá o efeito esperado porque o déficit é ocasionado por uma opção política de governo — tanto o atual quanto os anteriores. “Há um costume de contratar professores temporários em vez de efetivos. É uma opção do governo em economizar na educação, na parte mais elementar: o professor em sala de aula.” Antunes acredita que o reflexo dessa política será mais grave em 2016. “Posso garantir que vão haver disciplinas sem professores suficientes no próximo ano letivo”, garante.
Em 10 de agosto, 240 novos professores foram nomeados. Eliane Barbosa da Silva assegura que há um processo em andamento para que, ainda em 2015, sejam chamados 242 profissionais de magistério: 159 professores e 85 orientadores educacionais. “Há um outro processo que prevê a nomeação de outros 400 professores e formalizamos um novo concurso para a carreira magistério e para a carreira assistência”, assegura.
Descrença
Há quem já não espere mais com tanto afinco. Grazielle Regina Freire Seggiano, 35 anos, também foi aprovada em 2013 e teve de voltar ao mercado privado para conseguir se manter. “Eu pedi demissão a fim de estudar para esse concurso. Como não fui chamada, tive de retornar ao mercado e isso não é fácil.” A professora afirma que chegou a pensar em desistir da vaga. “Fiquei muito descrente. Fui estudante de escola pública e essa falta de professores já existia. Mas nunca da forma como acontece hoje. Quem sofre são os alunos.”
Os que foram chamados chegaram a temer pelo emprego. “A gente ficava sem expectativa. Sabia da falta de professores, mas não ouvia nada que confirmasse que seríamos convocados. Até pensei em entrar com um mandado de segurança”, diz a professora Rejane Barbosa de Sousa, 34, nomeada no último dia 10 de agosto. A subsecretária frisa que, por conta do baixo orçamento para novas contratações, é preciso haver um planejamento maior quanto aos profissionais chamados. “Quando contratamos um servidor, fazemos isso pela vida inteira. É um contrato com ele e com a família.”
Atualmente, a secretaria conta com cerca de 6.500 contratos temporários. Eliane garante que a maioria deles ocorre para suprir demandas como licença médica; ou seja, não estão em uma vaga que poderia ser preenchida por um servidor. Para o Sinpro, essa quantidade de cargos provisórios prejudica o andamento do conteúdo político-pedagógico das escolas. “O aluno é quem sai no prejuízo. Os professores temporários se recusam a pegar contratos de pouco tempo. Um concursado é obrigado a atuar por força do contrato. Com isso, as vagas de curta duração seriam preenchidas mais rapidamente”, aponta Cláudio Antunes.
 
Proposições de melhoria
O TCDF também aponta a “alocação indevida de professores em atividades não pedagógicas, fato que contribui para a redução da disponibilidade desses profissionais nas salas de aula”. Atualmente, 662 professores exercem obrigações desse tipo e outros 614 estão cedidos. Para o tribunal, faltam critérios que justifiquem essas mudanças de postos diante da necessidade de quem possa dar aulas. Eliane Barbosa argumenta que essas recolocações são necessárias, não apenas nos casos em que o servidor tem restrições de função. “Nós temos um deficit na carreira de assistência que precisa ser suprido por esses professores.”
Apesar de apresentar 23 preposições para a melhoria do serviço oferecido pela SEDF, o tribunal não cita qualquer medida punitiva caso a situação não seja revertida. “O Tribunal de Contas é muito leniente com o governo. Hoje, o Buriti faz o que faz porque não sofre nenhum tipo de sanção”, reclama Cláudio Antunes, do Sinpro.
Desde 2006, a Câmara Federal discute o Projeto de Lei nº 7.420, conhecido como Lei da Responsabilidade Educacional, que versa sobre a qualidade da educação básica e a responsabilidade dos gestores públicos na sua promoção. Uma comissão especial foi criada no mês passado para articular um parecer sobre o projeto.
(Do Correio Braziliense)