Primeiro, deponha o presidente. Depois, contrate um lobista

Nos meses que se seguiram desde que soldados depuseram o presidente hondurenho, Manuel Zelaya, o governo de fato e aqueles que o apoiam têm resistido às exigências dos Estados Unidos de que ele seja devolvido ao poder. Argumentando que o esquerdista Zelaya representava uma ameaça à frágil democracia de seu país ao tentar prolongar seu mandato ilegalmente, eles começaram a defender seu caso em Washington da forma habitual: iniciando uma alta campanha de lobby.
A campanha já teve o efeito de forçar o governo americano a enviar sinais ambíguos a respeito de sua posição em relação ao governo de fato, que os vê como sinais de encorajamento. Também adiou a nomeação de dois cargos-chave do Departamento de Estado para a região.
Custando pelo menos US$ 400 mil até o momento, segundo os registros de lobby, a campanha envolve escritórios de advocacia e agências de relações públicas com laços estreitos com a secretária de Estado, Hillary Clinton, e com o senador John McCain, a principal voz republicana em relações exteriores.
Também conquistou o apoio de vários ex-altos funcionários que eram responsáveis pela política americana na América Central nos anos 80 e 90, quando a região lutava para romper com as ditaduras militares e as guerrilhas que a definiram na Guerra Fria. Duas décadas depois, esses ex-altos funcionários – incluindo Otto Reich, Roger Noriega e Daniel W. Fisk – veem Honduras como o principal campo de batalha na guerra indireta com Cuba e Venezuela, que eles caracterizam como ameaças à estabilidade da região em uma linguagem semelhante à antes usada para descrever os desígnios da União Soviética.
“A atual batalha pelo controle político de Honduras não envolve apenas aquele pequeno país”, disse Reich perante o Congresso em julho. “O que acontece em Honduras pode algum dia ser visto como o ponto alto da tentativa de Hugo Chávez de minar a democracia neste hemisfério ou como uma luz verde para disseminação do autoritarismo chavista”, ele disse, se referindo ao presidente da Venezuela.
Noriega, um co-autor da Lei Helms-Burton, que endureceu o embargo americano contra Cuba, e que recentemente serviu como lobista para um grupo empresarial hondurenho, se recusou a comentar para este artigo.
Reich, que serviu em postos-chave latino-americanos para o presidente Ronald Reagan e para o presidente George W. Bush, disse não ter feito oficialmente lobby para algum grupo hondurenho. Mas ele disse que usou seus contatos para promover a agenda do governo de facto, liderado por Roberto Micheletti, porque ele sente que o governo Obama cometeu um erro.
E Fisk, cuja carreira política remonta aos anos 80, incluindo passagens pelo Conselho de Segurança Nacional e o cargo de vice-secretário de Estado para assuntos do Hemisfério Ocidental do governo Bush, vinha defendendo a posição do governo Micheletti até duas semanas atrás como assessor do senador aposentado Mel Martinez, da Flórida.
Além do apoio desses veteranos da Guerra Fria – e em parte por causa dele – o governo de facto tem mobilizado o apoio de um grupo determinado de legisladores republicanos, liderados pelo senador Jim DeMint, da Carolina do Sul. Eles estão obstruindo duas indicações para cargos no Departamento de Estado – o subsecretário de Estado para assuntos do Hemisfério Ocidental e o embaixador no Brasil- como forma de pressionar o governo Obama a suspender as sanções contra o país.
“Ele tomou a decisão errada aqui”, disse DeMint em uma entrevista para a “Fox News” após retornar de uma viagem a Honduras, na última sexta-feira. Referindo-se ao governo de fato, ele disse: “Este é provavelmente nosso melhor amigo no hemisfério, o país mais pró-americano, mas estamos tentando estrangulá-lo”.Veja a cronologia da crise
Desde que foi eleito, em 2005, Manuel Zelaya se aproximou cada vez mais dos governos de esquerda da América Latina, promovendo políticas sociais no país. Ao mesmo tempo, seus críticos argumentam que Zelaya teria se tornado um fantoche do líder venezuelano Hugo Chávez e acabou sendo deposto porque estava promovendo uma tentativa ilegal de reformar a constituição
Chris Sabatini, o editor da “Americas Quarterly”, uma revista política voltada para a América Latina, disse que o lobby nublou a posição de Washington a respeito do golpe. O governo disse publicamente que considera o golpe em Honduras como um precedente perigoso em uma região que há não muito tempo era atormentada por eles, ele disse.
Mas, ele acrescentou, para aplacar seus oponentes no Congresso e ter suas nomeações aprovadas, o Departamento de Estado às vezes envia mensagens indiretas aos legisladores expressando seu apoio a Zelaya em termos menos claros.
“Há um vácuo de liderança no governo em Honduras e são estas pessoas que o preencheram”, ele disse sobre aqueles que apoiam o governo Micheletti. “Eles não receberam muito apoio, mas o suficiente para manter a política do governo refém por ora.”
Após o golpe de 28 de junho, o presidente Barack Obama se juntou à região na condenação da ação e nos pedidos para que Zelaya fosse devolvido ao poder, apesar do presidente hondurenho ser um aliado de Chávez, o maior adversário dos Estados Unidos na região.
Mas assessores do Congresso disseram que menos de 10 dias após Zelaya ser deposto, Noriega e Lanny J. Davis, um confidente de Clinton e lobista para um conselho empresarial hondurenho, organizaram uma reunião de defensores do governo de facto com membros do Senado.
Fisk, que participou do encontro, disse que ficou surpreso com o número de pessoas. “Eu nunca vi oito senadores em uma sala para conversar sobre a América Latina em toda a minha carreira.”
Enquanto Obama impunha sanções cada vez mais duras contra Honduras, o lobby se intensificava. O Cormac Group, dirigido por um ex-assessor de McCain, John Timmons, foi contratado, como mostram os registros, assim como a Chlopak, Leonard, Schechter & Associates, uma empresa de relações públicas.

Por sua vez, Reich enviou seus pensamentos aos membros do Congresso por e-mail. Ele escreveu para um membro do Comitê de Relações Exteriores do Senado: “Nós devemos nos alegrar com o fato de um dos autoproclamados aliados socialistas do século 21 de Chávez ter sido legalmente deposto por seus próprios compatriotas”.
Como frequentemente é a natureza do lobby, algumas mensagens foram enviadas sem nomes anexados. Nas últimas semanas, por exemplo, circulava no Senado uma lista de argumentos visando minar a indicação do subsecretário de Estado, Thomas A. Shannon, como embaixador no Brasil. Dois assessores do Congresso, que pediram anonimato para falar francamente sobre assuntos ligados ao golpe, disseram que Fisk escreveu os argumentos.
Fisk negou tê-lo feito. Ele também negou a noção de que estava atuando segundo um velho manual. “Outra pessoa pode estar lutando pelos anos 80”, ele disse. “Eu não.” (publicado no The New York Times)